A estratégia de tensão. O terrorismo não reinvidicado da OTAN
Daniele Ganser, Prof. de História Contemporânea, presidente da ASPO-Suiça e autor do livro “Exércitos Secretos da OTAN” revela-nos nesta entrevista dada a Silvia Cattori a existência na NATO de uma rede clandestina ligada ao terrorismo, formada pelo Clandestine Planning Committee (CPC) e o Allied Clandestine Committee (ACC), bem como a responsabilidade da CIA e do MI6 na sua criação, formação e treino. Se em Itália foi provada há anos a existência dessas redes terroristas, tal não sucedeu nos restantes países, apesar do Daniele Ganser ter conseguido “provar que esses exércitos secretos existiam, não apenas em Itália, mas em toda a Europa Ocidental: na França, na Bélgica, nos Países Baixos, na Noruega, na Dinamarca, na Suécia, na Finlândia, na Turquia, na Espanha, em Portugal, na Áustria, no Luxemburgo, na Alemanha.” “Mas quando se pede explicações a membros da CIA ou da NATO (…) limitam-se a dizer que talvez possa ter havido alguns elementos criminosos que tenham escapado ao seu controlo”. Ao ler esta entrevista, quem não recorda as várias meadas que ficaram por desatar e que poderiam esclarecer os crimes terroristas cometidos em plena Revolução de Abril?
Silvia Cattori – (SC): A sua obra consagrada aos exércitos secretos da NATO [1] explica o que é a estratégia da tensão [2] e o grande perigo dos terrorismos bandeira-falsa [3]. O livro mostra-nos como a NATO durante a Guerra Fria – em coordenação com os serviços de informação dos países europeus ocidentais e com o Pentágono – serviu-se de exércitos secretos, recrutou espiões nos meios da extrema-direita e organizou actos terroristas que foram atribuídos à extrema esquerda. Sabendo isso, podemo-nos interrogar sobre o que se possa passar hoje em dia sem nós o sabermos.
Daniele Ganser – (DG): É muito importante compreender o que a estratégia da tensão realmente é e como funcionou durante esse período. Isso poder-nos-á ajudar a esclarecer o presente e a ver melhor em que medida ela está hoje em dia ainda em funcionamento.
Pouca gente sabe o que a expressão estratégia da tensão significa. Por isso é importante falar dela e explicar o que significa. É uma táctica que consiste em cometer atentados criminosos com as próprias mãos e atribuí-los a um outro qualquer. A palavra tensão refere-se à tensão emocional, àquilo que cria um sentimento de medo. A palavra estratégia refere-se ao que alimenta o medo das pessoas em relação a um certo grupo.
As estruturas secretas da NATO eram equipadas, financiadas e treinadas pela CIA, em coordenação com o MI6 (serviços secretos britânicos) para combater as forças armadas da União Soviética em caso de guerra, mas também, segundo as informações de que hoje se dispõe, para cometer atentados terroristas em diversos países [4].
Foi assim que, nos anos 70, os serviços secretos italianos utilizaram exércitos secretos para cometerem atentados terroristas com o fim de provocar o medo na população e depois acusar os comunistas de terem sido os autores. Foi isto numa altura em que o Partido Comunista tinha um poder legislativo importante no Parlamento. A estratégia de tensão tivera por fim desacreditá-lo e enfraquecê-lo, para impedi-lo de poder chegar ao poder executivo.
SC: Saber o que significa é uma coisa. Mas continua a ser difícil acreditar que os nossos governos tenham podido deixar a NATO, os serviços de informação europeus ocidentais e a CIA ameaçar a segurança dos seus próprios cidadãos!
DG: A NATO estava no coração dessa rede clandestina ligada ao terror; o Clandestine Planning Committee (CPC) e o Allied Clandestine Committee (ACC), que estão hoje perfeitamente identificados, eram subestruturas clandestinas da Aliança Atlântica. Agora, ainda que tudo isso seja já bem conhecido, continua a ser difícil saber quem fazia o quê. Não há documentos que mostrem quem comandava, quem organizava a estratégia da tensão, como a NATO, os serviços de informação europeus ocidentais, a CIA, o MI6 e os terroristas recrutados nos meios da extrema-direita distribuíam os papéis. A única certeza que temos é que havia, no interior dessas estruturas clandestinas, elementos que utilizaram a estratégia da tensão. Os terroristas de extrema-direita explicaram nas suas exposições que foram os serviços secretos e a NATO quem os haviam apoiado nessa guerra clandestina. Mas quando se pede explicações a membros da CIA ou da NATO – coisa que fiz durante vários anos – limitam-se a dizer que talvez possa ter havido alguns elementos criminosos que tenham escapado ao seu controlo.
SC: Esses exércitos secretos estavam activos em todos os países europeus ocidentais?
DG: Com as minhas pesquisas consegui provar que esses exércitos secretos existiam, não apenas em Itália, mas em toda a Europa Ocidental: na França, na Bélgica, nos Países Baixos, na Noruega, na Dinamarca, na Suécia, na Finlândia, na Turquia, na Espanha, em Portugal, na Áustria, no Luxemburgo, na Alemanha. A princípio pensava-se que houvesse uma estrutura de guerrilha única e que, portanto, todos esses exércitos tivessem participado na estratégia de tensão, logo em atentados terroristas. Ora, é importante saber que nem todos esses exércitos secretos participaram em atentados e compreender o que os diferenciava, porque eles tinham duas actividades distintas. O que parece hoje claro é que as estruturas clandestinas da NATO, no conjunto chamadas Stay Behind [5], estavam concebidas à partida para levar a cabo guerrilhas em caso de ocupação da Europa Ocidental por parte da União Soviética. Os Estados Unidos diziam que essas redes de guerrilha eram necessárias para colmatar a impreparação em que se encontraram os países invadidos pela Alemanha.
Um certo número de países que sofreram a ocupação alemã, como a Noruega, queriam tirar lições da sua incapacidade demonstrada de resistir ao ocupante e disseram a si próprios que, em caso de nova ocupação, deveriam estar mais bem preparados e ter um exército secreto como segunda opção, se porventura o exército clássico ficasse desfeito. Havia nesses exércitos secretos gente honesta, patriotas sinceros que queriam simplesmente defender o seu país em caso de ocupação.
SC: Se bem compreendo, esses Stay Behind cujo objectivo inicial era preparar-se para a eventualidade duma invasão soviética foram desviados dele para combater a esquerda. Custa a perceber porque razão os partidos de esquerda não investigaram, não denunciaram esses desvios mais cedo?
DG: Se se tomar o caso da Itália, parece que, de cada vez que o Partido Comunista interpelou o governo pedindo explicações sobre o exército secreto que operava no país com o nome de código Gladio [6], nunca teve resposta sob o pretexto de segredo de Estado. Não é senão em 1990 que Giulio Andreotti [7] reconheceu a existência do Gladio e das suas ligações com a NATO, a CIA e o MI6 [8]. É nessa época também que o juiz Felice Casson conseguiu provar que o verdadeiro autor do atentado de Peteano em 1972, que abalou toda a Itália e que fora até então atribuído a militantes da extrema-esquerda, era de facto Vincenzo Vinciguerra, próximo do Ordine Nuovo, um grupo de extrema-direita. Vinciguerra confessou haver cometido o atentado de Peteano com a ajuda dos serviços secretos italianos. Vinciguerra falou também da existência desse exército secreto Gladio e explicou como, durante a Guerra Fria, esses atentados clandestinos causaram a morte de mulheres e crianças [9]. Afirmou também que esse exército secreto, controlado pela NATO, tinha ramificações por toda a Europa. Quando apareceu essa informação houve uma crise política em Itália. E é graças às investigações do juiz Felice Casson que se tem hoje conhecimento dos exércitos secretos da NATO.
Na Alemanha quando os socialistas do SPD souberam, em 1990, que existia no seu país – como em todos os outros países europeus – um exército secreto, e que essa estrutura estava ligada aos serviços secretos alemães, bradaram escândalo aos quatro ventos e acusaram o partido democrata-cristão (CDU). Este reagiu dizendo: se nos acusais, vamos a público dizer como vós também, com Willy Brandt, participastes na conspiração. Coincidiu isto com as primeiras eleições na Alemanha reunificada, que o SPD esperava ganhar. Os dirigentes do SPD compreenderam que isso não seria um bom tema eleitoral e acabaram por dar a entender que, no fim de contas, esses exércitos secretos eram justificáveis.
No Parlamento Europeu, em Novembro de 1990, levantaram-se vozes dizendo que não se podia tolerar a existência de exércitos clandestinos, nem deixar por explicar os actos de terror cuja verdadeira origem não era clara e que era necessário investigar. O Parlamento Europeu protestou na altura por escrito junto da NATO e do presidente George Bush senior. Mas nada foi feito.
Só na Itália, Suíça e Bélgica foram levados a cabo inquéritos públicos, e só nestes países se pôs um pouco de ordem neste assunto e se publicou relatórios sobre os exércitos secretos.
SC: E hoje em dia? Esses exércitos clandestinos estarão ainda activos? Haverá estruturas nacionais secretas que escapem ao controlo dos Estados?
DG: Para um historiador é difícil de responder a essa questão. Não se dispõe dum relatório oficial país por país. Nas minhas obras analiso factos que posso provar.
Em relação à Itália, existe um relatório que afirma que o exército secreto Gladio foi suprimido. Sobre a existência do exército secreto P26 na Suíça, houve, em Novembro de 1990, semelhante relatório do Parlamento. Assim, os exércitos clandestinos que armazenaram explosivos em esconderijos um pouco por toda a Suiça foram dissolvidos.
Mas nos outros países não se fez nada. Em França quando o presidente François Mitterrand afirmou que tudo isso pertencia ao passado, soube-se logo a seguir que essas estruturas secretas continuavam activas com a afirmação de Giulio Andreotti que o presidente francês mentia: «Diz o senhor que os exércitos secretos já não existem; ora, aquando da reunião secreta no Outono de 1990, vós, franceses, também estáveis presentes; não diga portanto que já não existem». Mitterrand ficou bastante zangado com Andreotti pois, após esta revelação, foi obrigado a rectificar a sua declaração. Mais tarde, o antigo chefe dos serviços secretos franceses, o almirante Pierre Lacoste, confirmou que esses exércitos secretos existiam também em França e que a França estivera também implicada em atentados terroristas [10].
É portanto difícil dizer se tudo isso está acabado. E, ainda que as estruturas Gladio tenham sido dissolvidas, pode-se sem dúvida ter criado outras, continuando-se a servir desta técnica da estratégia da tensão e das bandeiras-falsas.
SC: Pode-se pensar que, após a derrocada da URSS, os Estados Unidos e a NATO tenham continuado a aplicar a estratégia da tensão e as bandeiras-falsas em outras frentes?
DG: As minhas pesquisas concentraram-se sobre o período da Guerra-Fria na Europa. Mas sabe-se que, em outros sítios, houve bandeiras-falsas cuja responsabilidade provou-se terem sido dos Estados Unidos. Um exemplo: os atentados em 1953 no Irão, no princípio atribuídos aos comunistas iranianos.
Ora ficou comprovado que a CIA e o MI6 se serviram de agentes provocadores para orquestrar a queda o governo de Mohamed Mossadegh. Isto no quadro da guerra pelo controlo do petróleo. Outro exemplo: os atentados no Egipto em 1954 que ao princípio se atribuía aos muçulmanos. Ficou mais tarde provado, naquilo que se chama o caso Lavon [11], que foram agentes da Mossad os autores. Neste caso tratou-se de Israel conseguir que as tropas britânicas não saíssem do Egipto para garantir a segurança de Israel. Assim, temos exemplos históricos que mostram qe a estratégia da tensão e as falsas-bandeiras foram utilizadas pelos EUA, Grã Bretanha e Israel. É preciso continuarmos as pesquisas nestas áreas porque, na sua história, outros países utilizaram também a mesma estratégia.
SC: Estas estruturas clandestinas da NATO, criadas depois da Segunda Guerra Mundial por iniciativa dos Estados Unidos para dotar os países europeus duma guerrilha capaz de resistir a uma invasão soviética, no fim de contas não serviram para mais nada que levar cabo acções criminosas contra os cidadãos europeus! Tudo leva a crer que os Estados Unidos tinham afinal outros objectivos.
DG: Tem razão em levantar essa questão. Os Estados Unidos estavam interessados no controlo político. Esse controlo político é um elemento essencial da estratégia de Washington e Londres. O general Geraldo Serravalle, chefe do Gladio, a rede italiana do Stay Behind, dá um exemplo disso no seu livro. Ele conta que compreendeu que os Estados Unidos não estavam interessados na preparação dessa guerrilha em caso de invasão soviética quando viu que, o que interessava aos agentes da CIA que assistiam aos exercícios de treino do exército secreto que ele dirigia, era assegurar que esse exército funcionasse de modo a controlar as acções dos militantes comunistas. O medo deles era a subida ao poder dos comunistas em países como a Grécia, a Itália ou a França. Era portanto para isso que servia a estratégia da tensão: orientar e influenciar a política de certos países da Europa Ocidental.
SC: Disse que o elemento emocional é um factor importante na estratégia da tensão. Portanto, o terror, cuja origem é ainda vaporosa e incerta, e o medo que ele provoca, servem para manipular a opinião. Ontem ateava-se o medo do comunismo; hoje não se ateia o medo do Islão?
DG: Sim, há um paralelo bem claro.
Como preparação da guerra contra o Iraque disse-se que Sadam Hussein possuía armas biológicas, que havia um elo entre o Iraque e os atentados de 11 de Setembro, ou que havia um elo entre o Iraque e os terroristas da Al Qaida. Mas nada disso era verdade. Com essas mentiras pretendia-se fazer crer ao mundo que os muçulmanos queriam estender o terrorismo por todo o lado e que essa guerra era necessária para combater o terror.
Ora, a verdadeira razão da guerra é o controlo dos recursos energéticos. A geologia determinou que as riquezas em gás e petróleo se concentrem nos países muçulmanos. Quem os queira açambarcar tem de se esconder atrás deste género de manipulações.
Eles não podem dizer às pessoas que já não há muito mais petróleo, e que o máximo da produção global – o “peak oil” [12] – dar-se-á provavelmente antes de 2020; nem que é preciso ir buscá-lo ao Iraque; porque isso seria dizerem que é necessário matar crianças por petróleo. E têm razões para não quererem dizer tal coisa.
Também não podem dizer às pessoas que no Mar Cáspio há reservas enormes e que têm planos para construir um oleoduto até ao Oceano Índico, e que, como não se pode passar pelo Irão ao sul, nem pela Rússia ao norte, será necessário passar por leste, pelo Turquemenistão e pelo Afeganistão, e que é portanto necessário controlar esses países. Por isso se qualifica os muçulmanos de «terroristas». Não são senão grandes mentiras, mas se forem repetidas vezes sem conta, as pessoas acabarão por crer nelas e na utilidade das guerras antimuçulmanas; assim como esquecerão que há muitas formas de terrorismo, e que a violência não é uma especialidade apenas muçulmana.
SC: Em suma, essas estruturas clandestinas poderiam ter sido dissolvidas, mas a estratégia da tensão pode ter continuado?
DG: Exacto. Pode-se ter dissolvido essas estruturas mas formado outras novas. É preciso explicar como são a táctica e a manipulação na estratégia da tensão. Nada disso é legal. Mas para os Estados é mais fácil manipular as pessoas que dizer-lhes que se está tentando deitar mão ao petróleo alheio.
De qualquer modo, nem todos os atentados provêem da estratégia da tensão. Mas é difícil saber quais são os manipulados e quais não são. Mesmo quem saiba que um certo número de atentados são manipulados por Estados para desacreditar um inimigo político, esbarra contra um obstáculo psicológico. Após um atentado as pessoas têm medo, estão confusas. É muito difícil ter ideia que a estratégia da tensão, a estratégia da bandeira-falsa, é uma realidade.
É mais fácil aceitar a manipulação e dizer a si próprio: “Há trinta anos que me mantenho informado e nunca ouvi falar de exércitos criminosos nenhuns. Os muçulmanos atacam-nos, e é por isso que os combatemos.”
SC: Desde 2001 a União Europeia instaurou medidas antiterroristas. Mais tarde tornou-se evidente que essas medidas permitiram à CIA raptar pessoas e transportá-las para sítios secretos para as torturar. Os Estados europeus não se tornaram um pouco reféns da sua submissão aos Estados Unidos?
DG: Os Estados europeus tiveram uma atitude bastante fraca em relação aos Estados Unidos após os atentados de 11 de Setembro de 2001. Depois de terem afirmado que as prisões secretas eram ilegais, deixaram de intervir. E o mesmo fizeram com os prisioneiros de Guantânamo. Na Europa levantaram-se vozes afirmando: «Não se pode privar os prisioneiros de defesa e de advogado.» Mas quando Madame Angela Merkel levantou esta questão, os Estados Unidos deixaram claramente entender que a Alemanha estava de certo modo implicada no Iraque e que os seus serviços secretos haviam contribuído para a preparação dessa guerra e que portanto deveriam manter-se calados.
SC: Em tal contexto, com tantas zonas de sombra, que segurança traz a NATO aos povos que se presume proteger, permitindo desta maneira aos serviços secretos manipular?
DG: Em relação aos atentados terroristas manipulados pelos exércitos secretos da rede Gladio durante a Guerra Fria é preciso determinar com clareza qual foi a implicação real da NATO neles e saber o que realmente se passou. Trataram-se de actos isolados ou organizados secretamente pela NATO? Até hoje a NATO tem sempre recusado falar da estratégia da tensão e do terrorismo durante a Guerra Fria. A NATO rechaça qualquer questão relativa ao Gladio.
Hoje em dia a NATO é usada como um exército ofensivo, mas não foi para isso que a organização foi criada. Foi activada dessa maneira no dia 12 de Setembro de 2001, imediatamente após os atentados em Nova Iorque. Os dirigentes da NATO afirmam que a razão da sua participação na guerra contra os afegãos é combater o terrorismo.
Ora a NATO está em risco de perder essa guerra. Haverá então uma grande crise, debates; o que virá a permitir saber se a NATO conduz, tal como diz, uma guerra contra o terrorismo, ou se se encontra numa situação análoga à que se encontrava durante a Guerra-Fria com o exército secreto Gladio, onde tinha uma ligação ela própria com o terror. Os próximos anos dirão se a NATO age para além da missão para que foi fundada: defender os países europeus e os Estados Unidos em caso de invasão soviética, evento que nunca se deu. A NATO não foi fundada para se apoderar do petróleo e do gás dos países muçulmanos.
SC: Percebe-se porque Israel, a quem interessa aumentar os conflitos nos países árabes e muçulmanos, encoraja os Estados Unidos nesse sentido. Mas que interesse possa ser o dos Estados europeus em enviar tropas para guerras decididas pelo Pentágono, como no Afeganistão, por exemplo?
DG: Penso que a Europa esteja confusa. Os Estados Unidos são presentemente os senhores da força e os Europeus têm tendência a pensar que o melhor a fazer é colaborar com o mais forte.
Mas é bom pensar um pouco melhor. Os parlamentares europeus cedem facilmente à pressão dos Estados Unidos, os quais reclamam continuamente tropas para esta ou aquela frente. Quanto mais os países europeus cederem, tanto mais se submeterão, e tanto mais se confrontarão com problemas cada vez maiores.
No Afeganistão, os alemães e os britânicos estão sob o comando do exército americano. Estrategicamente não é uma posição do interesse desses países. Recentemente os Estados Unidos mandaram os alemães dispor as suas tropas também no sul do Afeganistão em zonas onde as batalhas são mais duras. Se os alemães aceitarem, arriscam-se a serem massacrados pelas forças afegãs, que rejeitam a presença de qualquer ocupante que seja.
A Alemanha deveria, com toda a seriedade, perguntar-se se não deveria retirar os seus 3000 soldados do Afeganistão. Mas, para os alemães, desobedecer às ordens dos Estados Unidos, de quem são um pouco como vassalos, é um passo difícil a dar.
SC: Que sabem as autoridades que nos governam hoje em dia da estratégia da tensão? Continuarão a permitir aos fazedores de guerras fomentarem golpes de Estado, raptarem e torturarem pessoas, sem nada fazer? Têm as autoridades ainda os meios necessários de os impedir de levar a cabo tais crimes?
DG: Não sei. Como historiador, observo, tomo notas. Como conselheiro político, afirmo sempre que há que não ceder a manipulações cuja ideia é criar o medo e a fazer crer que os «terroristas» são sempre os muçulmanos; afirmo que se trata duma luta pelos recursos energéticos; que é preciso encontrar formas de sobreviver à penúria energética sem ser no sentido da militarização.
Não se pode resolver os problemas de tal jeito; assim só se agravam.
SC: Ao observar a diabolização dos árabes e dos muçulmanos na perspectiva do conflito israelo-palestiniano, diz-se que não tem nada a ver com o petróleo.
DG: Sim, nesse caso, sim. Mas na perspectiva dos Estados Unidos trata-se de facto de controlar as reservas energéticas do bloco euro-asiático que se situa na «elipse estratégica» que vai do Azerbaijão, passando pelo Turquemenistão e o Cazaquistão até à Arábia Saudita, o Iraque, o Kuwait e o Golfo Pérsico.
É precisamente aí, nessa região, onde se desenrola toda a pretensa guerra «contra o terrorismo», que se concentram as mais importantes reservas de petróleo e gás. Na minha opinião, tudo isto não é mais do que um jogo geoestratégico no qual a União Europeia não pode senão perder. Porque se os Estados Unidos chegam a controlar esses recursos, e com o agravamento da crise energética, aí estarão eles a dizer: “quereis gás?, quereis petróleo? Pois sim, mas em troca nós queremos isto e aquilo».
Os Estados Unidos não darão de graça petróleo e gás aos países europeus. Pouca gente sabe que o «peak oil», o máximo de produção, já foi atingido no Mar do Norte, e que, consequentemente, a produção de petróleo na Europa – a produção da Noruega e da Grã Bretanha – está em declínio.
No dia em que as pessoas se derem conta que estas guerras «contra o terrorismo» são manipulação, e que as acusações contra os muçulmanos são em parte propaganda, ficarão bastante surpreendidas. Os Estados europeus têm que acordar e compreender por fim como funciona a estratégia da tensão.
E têm que aprender também a dizer não aos Estados Unidos. Além disso, nos Estados Unidos também há muita gente que não quer esta militarização nas relações internacionais.
SC: Fez também pesquisas sobre os atentados de 11 de Setembro de 2001 e assinou um livro [13] em conjunto com outros intelectuais que se preocupam com as incoerências e as contradições na versão oficial dos eventos e nas conclusões da comissão de inquérito mandatada pelo senhor Bush. Não teme vir a ser acusado de «teoria da conspiração»?
DG: Os meus estudantes e outras pessoas têm-me perguntado se esta «guerra contra o terrorismo» está de facto relacionada com o petróleo e o gás e se os atentados de 11 de Setembro foram de facto manipulados, ou é uma coincidência que os muçulmanos de Ossama bin Laden tenham atacado exactamente na altura em que os países ocidentais começavam a perceber uma crise do petróleo? Comecei portanto a interessar-me pelo que se escreveu sobre o 11 de Setembro e a estudar também o relatório oficial apresentado em Junho de 2004.
Quando se mergulha neste assunto, uma pessoa apercebe-se de imediato que há um grande debate planetário à volta do que realmente se passou em 11 de Setembro de 2001.
A informação que se tem não é muito precisa. Uma pessoa começa-se logo por perguntar porque razão, num relatório de 600 páginas, nem sequer está mencionada a derrocada da terceira torre que ocorreu nesse mesmo dia. A comissão não se refere senão à derrocada das duas torres, as “Twin Towers”.
No entanto, há uma terceira torre de 170 metros de altura que se esbarrondou: a chamada WTC7. No caso dessa torre, fala-se dum pequeno incêndio.
Falei com professores que conheciam bem a estrutura desses edifícios,que afirmam que um pequeno incêndio, em tal caso, não poderia nunca destruir uma estrutura daquelas dimensões.
A história oficial sobre o 11 de Setembro e as conclusões da comissão não são credíveis. Tal ausência de clareza põe os investigadores numa situação muito difícil. Reina também a confusão sobre o que de facto se terá passado no Pentágono. Nas fotografias que se tem é muito difícil ver um avião e não se consegue perceber como é que um avião teria atingido o edifício.
SC: O Parlamento da Venezuela pediu aos Estados Unidos mais explicações sobre a origem dos atentados. Não deveria este ser um exemplo a seguir?
DG: Há muitas incertezas sobre o 11 de Setembro. Os parlamentares, os académicos, os cidadãos podem pedir contas sobre os que realmente se passou. Penso que é importante continuarmos a questionar-nos sobre o assunto. É um evento que ninguém consegue esquecer; cada um de nós lembra-se onde estava naquele momento preciso. É incrível que, cinco anos mais tarde, não se tenha ainda clarificado a questão.
SC: Dir-se-ia que tudo se passa como se as instituições não quisessem pôr em causa a versão oficial. Ter-se-iam deixado manipular pela desinformação organizada e pelos estrategas da tensão e pelas bandeiras-falsas?
DG: É-se manipulável quando se tem medo: medo de perder o seu trabalho, medo de perder o respeito das pessoas que se ama. Não se consegue sair desta espiral de violência e de terror se se deixar tomar pelo medo.
É normal ter medo, mas é preciso falar abertamente desse medo e das manipulações que o geram. Ninguém poderá escapar às suas consequências. E isso é tão mais grave quanto os responsáveis políticos agem frequentemente sob o efeito do medo.
É preciso encontrar força para dizer: «Sim, tenho medo de saber que estas mentiras causam sofrimento nas pessoas; sim, tenho medo de pensar que não há mais petróleo; sim, tenho medo de pensar que o terrorismo de que se fala é consequência de manipulações, mas não me vou deixar intimidar».
SC: Até que ponto países como a Suíça participam, neste momento, na estratégia da tensão?
DG: Penso que não haja estratégia da tensão na Suíça. Este país não sofre atentados terroristas. Mas, a verdade é que, na Suíça como em outras partes, os políticos que temem os Estados Unidos e a sua força têm tendência a dizer-se: são bons amigos, não temos interesse em batermo-nos contra eles.
SC: Essa maneira de pensar e de cobrir as mentiras que decorrem a estratégia da tensão não os torna um pouco cúmplices dos crimes de que ela é a responsável? A começar pelos jornalistas e pelos partidos políticos?
DG: Pessoalmente penso que toda a gente – jornalistas, académicos, políticos – devem de reflectir sobre as implicações da estratégia da tensão e das bandeiras-falsas. Estamos perante, é verdade, fenómenos que escapam a qualquer compreensão. Por isso, de cada vez que há um atentado terrorista, é preciso questionarmo-nos e procurar descortinar o que ele esconde. E isso não será senão quando se admita oficialmente que as bandeiras-falsas são uma realidade, e que se possa fazer uma lista das bandeiras-falsas ao longo da história e pormo-nos de acordo sobre o que se deverá fazer.
A procura da paz é o tema que me interessa. É importante abrir o debate sobre a estratégia da tensão e tomar nota que se trata dum fenómeno bem real. Porque, enquanto se recusar a reconhecer a sua existência, não se poderá agir. Por isso é tão importante explicar o que significa realmente a estratégia da tensão. E, uma vez compreendido, não se deixar tomar pelo medo e pelo ódio contra um grupo.
É preciso dizer que não é apenas um país que está implicado nisto; que são só os Estados Unidos, a Itália, Israel ou os iranianos, mas isto sucede em todo o lado, se bem que certos países participem mais intensamente que outros. O que é preciso é compreender, sem acusar tal ou tal país ou tal ou tal pessoa. O medo e o ódio não ajudam a avançar mas sim paralisam o debate. Vejo muitas acusações contra os Estados Unidos, contra Israel, contra a Grã-Bretanha, ou alternativamente contra o Irão ou a Síria.
A procura da paz ensina-nos que não nos devemos basear em acusações fundadas no nacionalismo, e que não é preciso nem ódio nem medo; que o mais importante é explicar. E essa compreensão será benéfica para todos nós.
SC: Porque é que o seu livro consagrado aos exércitos secretos da NATO, publicado em inglês, traduzido em italiano, em turco, em esloveno e, em breve, em grego, não foi publicado em francês?
DG: Ainda não encontrei editor em França. Se algum editor estiver interessado em publicar o meu livro, é com muito gosto que o verei traduzido em francês.
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Notas:
[1] Nato’s secret Armies: Terrorism in Western Europe por Daniele Ganser, prefácio de John Prados. Ed. Frank Cass, 2005. ISBN 07146850032005
[2] Foi depois do atentado na Piazza Fontana em Milão em 1969 que a expressão estratégia da tensão foi ouvida pela primeira vez.
[3] False flag operations (operações bandeira-falsa) é a expressão usada para designar as acções terroristas cometidas secretamente por governos ou organizações e de modo que pareça terem sido cometidas por outros.
[4] “Stay-behind: les réseaux d’ingérence américains” por Thierry Meyssan, Rede Voltaire, 20 de Agosto de 2001.
[5] Stay behind (significa: ficar atrás em caso de invasão soviética) é o nome dado às estruturas clandestinas treinadas para levaram a cabo um guerra de guerrilhas.
[6] Gladio designa o conjunto dos exércitos secretos europeus que estavam sob a direcção da CIA.
[7] Presidente do Conselho de Ministros, membro da democracia cristã.
[8] “Rapport Andreotti sur l’Opération Gladio” documento de 26 de Fevereiro de 1991, Biblioteca da Rede Voltaire.
[9] “1980: Carnage à Bologne, 85 morts” , Rede Voltaire, 12 de Março de 2004.
[10] “La France autorise l’action des services US sur son territoire” por Thierry Meyssan, Rede Voltaire, 8 de Março de 2004.
[11] Affaire Lavon, do nome do ministro da Defesa israelense que teve que se demitir quando a Mossad foi desmascarada como tendo tido parte nesses actos criminosos.
[12] Ver: “Odeurs de pétrole à la Maison-Blanche”, Rede Voltaire, 14 de Dezembro de 2001. “Les ombres du rapport Cheney” por Arthur Lepic, 30 de Março de 2004. “Le déplacement du pouvoir pétrolier” por Arthur Lepic, 10 de Maio de 2004. “Dick Cheney, le pic pétrolier et le compte à rebours final” por Kjell Aleklett, 9 de Março de 2005. “L’adaptation économique à la raréfaction du pétrole” por Thierry Meyssan, 9 de Junho de 2005.
[13] 9/11 American Empire: Intellectual speaks out, sob a direcção de David Ray Griffin, Olive Branch Press, 2006
* Jornalista suíça
Fonte: http://www.odiario.info