PETRAS SOBRE O EGITO

PETRAS SOBRE O EGITO: “O QUE É MAIS IMPORTANTE PARA O IMPÉRIO NORTE-AMERICANO É SALVAR O ESTADO, O APARATO REPRESSIVO, POIS, NO FIM DAS CONTAS, ISSO É O QUE DETERMINA A POLÍTICA ECONÔMICA, AS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS”.

Terça-feira, 1º de fevereiro de 2011.

Chury: Estamos aqui para que possamos nos situar em seus comentários. Por isso, deixo a liberdade de começar com o tema que você quiser.

Petras: Bom, o tema de maior destaque do dia são os acontecimentos no Egito, onde temos um grande enfrentamento entre o povo nas ruas e o governo de Mubarak, com seus militares, e do outro lado, os Estados Unidos jogando o jogo típico destas situações. Se, por um lado, criticam o regime, por outro, seguem apoiando-o a partir de consultas aos militares, das ajudas que seguem canalizando.

Uma coisa deve ser considerada: no momento em que Washington decidir que já não pode salvar a ditadura, estará disposto a sacrificá-la para salvar o Estado.

O regime governante, o governo em si, não é uma necessidade estratégica. O que é importante para o império norte-americano é salvar o Estado, o aparato repressivo, pois, ao final das contas, isso é o que determina a política econômica, as alianças estratégicas. Por exemplo, temos muitos casos no passado onde Washington sacrificou, assassinando inclusive, ditadores que perderam o controle de seu país. É o caso de Trujillo, da República Dominicana, de Somoza, ditador da Nicarágua, sendo que neste caso, no último momento, os EUA decidiram apoiar um governo de transição, fracassando. Também podemos citar muitos outros exemplos em que Washington decidiu mudar de tática, buscando a substituição do ditador/governo por uma figura que pudesse colaborar com o velho Estado.

No caso egípcio, não está claro quem foi o eleito de Washington. De um lado, parece que o principal candidato é ElBaradei e, do outro, alguma figura do velho regime. Porém, como foi observado no caso de Túnez, este tipo de substituição, com menos mudanças dentro do velho regime, não pode ser vendido ao povo. Assim, no Egito não é claro que os Estados Unidos estejam decididos a mudarem de tática. Eles seguem apoiando Mubarak. Estou convencido de que as comunicações entre Washington e Mubarak são grandes e com algumas dificuldades, levando em conta que o ditador não possui nenhuma possibilidade de permanecer no país, inclusive podendo sofrer processos legais, já que não possui mais o controle das instituições.

Então, o que os ditadores pensam é que eles possuem uma aliança estratégica com os Estados Unidos, o que se trata de uma garantia absoluta de apoio. Para os Estados Unidos, estes regimes são instrumentos importantes enquanto possam controlar o país, enquanto possam canalizar todo o apoio militar para apoiar os Estados Unidos nas regiões que são úteis. No entanto, são apoios de relações táticas. Washington disse textualmente que o que importa são seus interesses. As alianças são temporais. É exatamente isso que esses ditadores não entendem: no momento em que perdem a capacidade de controlar seus países, o apoio norte-americano evapora. O caso de Pinochet reflete detalhadamente essa lógica. Recebeu o apoio norte-americano durante quase 17 anos. Depois, com as mobilizações, a confrontação, a luta armada, as greves gerais, os EUA decidiram optar por uma substituição ou buscaram uma substituição dentro da velha Constituição e do velho exército, permitindo as eleições. O que estamos vivenciando no Egito tem seus antecedentes. É similar ao pacto do Clube Naval, no Uruguai, onde os militares acordaram com a intermediação dos Estados Unidos, permitindo o retorno da política eleitoral em troca de que não se tocasse no exército e nem em seus interesses.

Isso é o que está sendo negociado no Egito agora.

Chury: Sim, conhecemos o caso do Uruguai. Em última análise, o objetivo é que se pareça com uma mudança, mas, no entanto, tudo segue igual. É semelhante ao que se segue hoje com os governos da Frente Ampla.

Petras: Não é totalmente igual, no sentido que permitem eleições, permitem alguma expressão livre, permitem alguns direitos democráticos. Porém, a estrutura econômica, a estrutura do Estado permanece dentro do marco político da política neoliberal. Esse é o acordo: nós permitimos livre expressão, eleições, políticos, Parlamento e vocês deixam intactas as nossas alianças militares, nossos interesses econômicos e a capacidade de apoiarmos quando for nossa necessidade.

Agora, o que acontece é que no Oriente Médio um novo governo, inclusive de centro, não pode continuar colaborando da mesma forma que Mubarak, descaradamente aliado do colonialismo, da opressão dos palestinos, defensor do bloqueio de Gaza. Isso vai prejudicar Israel. Cada governo eleito no Oriente Médio árabe, obviamente, não pode ser um aliado de Israel.

Segundo, é muito possível que um novo governo não apóie as provocações de aliados dos Estados Unidos, como o Líbano.

Terceiro: é muito provável que retire qualquer apoio às guerras no Afeganistão e no Iraque porque são políticas que não possuem muito mais que dez por cento de apoio no país.

Esta política de Mubarak de apoio a Israel e às guerras era sumamente impopular. E agora, com a mudança de governo, continuarão lutando e transformando o governo. Para mim, não é absolutamente certo que o governo caia. E até que caia, não sabemos direito o que poderá acontecer. Existem muitas intrigas entre militares, norte-americanos, Mubarak e outros personagens do aparato repressivo. É provável que caia, ainda que não esteja garantido. No entanto, as implicações geradas na política internacional do Oriente Médio são enormes e podem ter outro efeito, que é o de apoiar novas transformações, por exemplo, no Iêmen. Atualmente, o governo do Iêmen só controla uma fração do país, porque no norte existe rebelião, no sul existem rebeliões, existem greves gerais e manifestações. Se o Egito cair, cairá abruptamente o Iêmen. Depois, entramos no Golfo, onde Arábia Saudita é o regime mais reacionário e anacrônico. Depois, temos a Jordânia. Já existem grandes mobilizações, pondo em xeque a questão política do monarca que é um apoiador de Israel e que colabora com a CIA há muitos anos, há duas ou três gerações. Então, todo o Oriente Médio está num processo de transformação.

Agora, o êxito da transformação depende muito das alianças e da correlação de forças. O que podemos dizer é que as coisas não irão continuar as mesmas. Washington perdendo estes apoios ficará muito debilitado para dar continuidade à guerra no Iraque e às ameaças ao Irã, o que pode levar a um período de mais paz e justiça.

Chury: Petras, é pouco comum que o governo central dos Estados Unidos chame tantos embaixadores e representantes para serem consultados. Quais são as razões disso? É por conta do que está ocorrendo no Egito e no Oriente Médio?

Petras: Bom, como dissemos, agora existe um processo de transformação no Oriente Médio que afeta a correlação de forças entre o povo e o imperialismo. E os Estados Unidos não anteciparam estas mudanças: ficaram de calças arriadas. Há um mês as conclusões eram de que Mubarak estava muito estável, possuía muito controle. Túnez é outro caso. Uma pesquisa de Washington, umas semanas antes da derrubada, afirmou que o regime iria continuar. E o mesmo nos outros países. Washington sempre calcula em função das forças militares e do governante. Nunca tem contato com as forças de base. No Egito, a popularidade dos Estados Unidos era a mais baixa em todo o mundo: 17%.

Nesse sentido, Washington fez cálculos equivocados, análises errôneas e agora está colhendo as consequências. A consulta é para reorientar a política frente a esta nova conjuntura, discutir algumas táticas, como sacrificar alguns interesses pela manutenção da hegemonia.

Por esta razão, a visão dos Estados Unidos como onipotente, que vê as ditaduras como para sempre, é muito equivocada. E a esquerda sempre exagera a capacidade dos Estados Unidos de controlar os fatores de poder. Quando, na realidade, o controle pode manter-se por um longo tempo, mas, no fim das contas, estruturalmente está muito debilitado.

Chury: Petras, agradecemos muitíssimo as suas análises de todo este tema que é notícia central.

Petras: Muito bem. Obrigado.

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Tradução: Maria Fernanda M. Scelza