FIDEL POR FIDEL

imagem“Conseguimos o que parecia impossível conseguir”

3 de fevereiro de 1999. Discurso pronunciado por Fidel na Aula Magna da Universidade Central da Venezuela

Assim, uso a mesma camisa com a qual vim a esta universidade há quarenta anos, com a qual atacamos o Quartel Moncada, com a qual desembarcamos do Granma. Me atreveria a dizer, apesar das tantas páginas de aventuras que qualquer um pode encontrar em minha vida revolucionária, que sempre tratei de ser sábio, porém prudente; ainda que talvez tenha sido mais sábio que prudente.

Na concepção e desenvolvimento da Revolução Cubana, atuamos como disse Martí ao falar do grande objetivo anti-imperialista de suas lutas, próximo já a morrer em combate, que «Em silêncio teve que ser e um tanto indiretamente, porque existem coisas que para consegui-las é preciso andar ocultas, e ao proclamar-se o que são, se levantariam dificuldades demasiado robustas para alcançar sobre elas o fim».

Fui discreto, não sempre que devia, porque com o povo me encontrava e começava a lhe explicar as ideias de Marx e a sociedade de classes, de maneira que no movimento de caráter popular, cuja consigna em sua luta contra a corrupção era «Vergonha contra dinheiro», ao qual tinha me incorporado recém chegado à universidade, me estavam proporcionando fama de comunista. Porém, já era nos anos finais de minha carreira não um comunista utópico, mas um comunista atípico, que atuava livremente. Partia de uma análise realista da situação de nosso país. Era a época do Macarthismo, do isolamento quase total do Partido Socialista Popular, nome que ostentava o partido marxista em Cuba, e tinha, em troca, no movimento onde me incorporei, convertido já em Partido do Povo Cubano, uma grande massa que, em minha opinião, tinha instinto de classe, porém não consciência de classe, camponeses, trabalhadores, profissionais, pessoas das camadas médias, gente boa, honesta, potencialmente revolucionária. Seu fundador, e líder, homem de grande carisma, tinha se privado da vida dramaticamente meses antes do golpe de Estado de 1952. Das jovens fileiras daquele partido se nutriu depois nosso movimento.

Militava naquela organização política, que já realmente estava caindo, como ocorria com todas, nas mãos de gente rica, e sabia de memória tudo o que ia acontecer depois do já inevitável triunfo eleitoral; porém, tinha elaborado algumas ideias, por minha conta também – imaginem que a um utopista pode ocorrer qualquer coisa –, sobre o era preciso fazer em Cuba e como fazê-lo, apesar dos Estados Unidos. Era preciso levar aquelas massas por um caminho revolucionário. Talvez tenha sido o mérito da tática que nós seguimos. Claro, andávamos com os livros de Marx, de Engels e de Lenin.

Quando do ataque ao Quartel Moncada nos foi extraviado um livro de Lenin. No julgamento, a primeira coisa que se dizia sobre a propaganda do regime batistiano, era que se tratava de uma conspiração de «priístas» corrompidos, do governo recém derrubado, com o dinheiro daquela gente, e também comunista. Não se sabe como se podiam conciliar as duas categorias.

No julgamento, o que fiz foi assumir minha própria defesa. Não que me considerasse bom advogado, porém acreditava quem melhor que podia defender-me naquele momento era eu mesmo; coloquei-me uma toga e ocupei meu posto onde estavam os advogados. O julgamento era político, mais que penal. Não pretendia sair absolvido, mas sim divulgar ideias (…) Nas horas iniciais, enquanto me interrogavam, apareceu o livro de Lenin. Alguém o sacou: «Vocês tinham um livro de Lenin».

Nós explicando o que éramos: martianos, era a verdade, que não tínhamos nada a ver com aquele governo corrompido que tinham desalojado do poder, que nos propúnhamos tais e mais quais objetivos. Isso sim, de marxismo-leninismo não lhes falamos nenhuma palavra, nem tínhamos por que dizer nada. Dissemos o que tínhamos que dizer, porém como no julgamento reluziu o livro. Eu senti uma verdadeira irritação nesse instante e disse: «Sim, esse livro de Lenin é nosso. Nós lemos os livros de Lenin e de outros socialistas. Quem não os lê é um ignorante», assim afirmei a juízes e aos demais naquele mesmo lugar.

Era insuportável aquilo. Não íamos dizer: «Olhe, esse livrinho, alguém o pôs aí». Não, não.

Depois, nosso programa estava exposto quando me defendi no julgamento, Quem não sabia como pensávamos foi porque não quis saber como pensávamos. Talvez se quisesse ignorar aquele discurso conhecido como A historia me absolverá, com o qual me defendi apenas lá (…).

Pergunto-me, dizia a eles, por que não deduziram qual era nosso pensamento, porque aí estava tudo. Continha – e pode dizer – os cimentos de um programa socialista de governo, ainda que, convencido, desde o início, de que esse não era o momento de fazê-lo, que isso ia ter suas etapas e seu tempo. É quando falamos já da reforma agrária, e falamos, inclusive, entre outras muitas coisas de caráter social e econômico (…). Falei até do bezerro de ouro. Voltei a recordar a Bíblia e assinalei: «aos que adoravam o bezerro de ouro», em clara referência àqueles que esperavam tudo do capitalismo. Um número suficiente de coisas para deduzir como pensávamos.

Depois, meditei que era provável que muitos dos que podiam ser afetados por uma verdadeira revolução não nos acreditariam em absoluto, porque em cinquenta e sete anos como neocolônia ianque, se tinha proclamado mais de um programa progressista ou revolucionário; as classes dominantes não acreditaram nunca em nós como algo possível ou permissível pelos Estados Unidos (…).

Sentiam antipatia por Batista, admiravam o combate frontal contra seu regime abusivo e corrupto, e possivelmente subestimaram o pensamento contido naquele argumento, onde estavam as bases do que depois fizemos e o que hoje pensamos, com a diferença de que muitos anos de experiência enriqueceram mais nossos conhecimentos e percepções em torno de todos aqueles temas. De modo que esse é meu pensamento, já disse desde então.

Vivemos a dura experiência de um longo período revolucionário, especialmente os últimos dez anos, enfrentados sob circunstâncias muito difíceis contra forças sumamente poderosas. Bom, vou dizer a verdade: conseguimos o que parecia impossível conseguir. Eu diria que quase ocorreram milagres. Desde cedo, as leis foram tal e como se tinham prometido, surgiu furiosa a oposição sempre soberba e arrogante dos Estados Unidos, que tinha muita influência em nosso país, e o processo foi se radicalizando ante cada golpe e agressão que recebíamos; assim começou a longa luta que durou até hoje. Polarizaram-se as forças em nosso país, com a sorte de que a imensa maioria estava com a Revolução, e uma minoria, que seria de 10% ou menos, estava contra ela, de modo que sempre existiu um grande consenso e um grande apoio em todo aquele processo até hoje.

Sabemos com que podemos nos preocupar, porque fizemos um grande esforço para superar aqueles prejuízos que existiam, para transmitir ideias, para criar consciência nas pessoas, e foi difícil.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2016/11/26/fidel-por-fidel-logramos-lo-que-parecia-imposible-lograr/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)