Fidel: A evidência do possível
Por Alina Perera, Juventud Rebelde, 13 de agosto de 2016 – Lutar por uma utopia é, em parte, construí-la, expressou o líder histórico da Revolução Cubana, que presenteia seus compatriotas, através de sua vida exemplar, com a certeza de que podemos batalhar e vencer.
Com o poder insondável de sua palavra, o poeta cubano José Lezama Lima definiu nosso José Martí como o mistério que nos acompanha; a poetisa, martiana e amiga de Lezama Lima, Fina García Marruz, expressou que esse mistério nos acompanha, já para sempre.
Atrevo-me a dizer, animada nestas linhas de homenagem a Fidel, que ele é a possibilidade que nos acompanha, já para sempre: a grande lição que nos chega, e assim o sinto, é que podemos batalhar e vencer.
O poeta Cintio Vitier escreveu em seu inesquecível livro Esse sol do mundo moral, por que Fidel é possibilidade: «A pátria – se lê nas páginas finais –, que estava nos textos, nos vislumbres dos poetas, na paixão dos fundadores, subitamente encarnou com uma beleza terrível, avassaladora, em 1e de janeiro de 1959. A tínhamos diante dos olhos, viva em homens imediatos e incríveis que realizaram nas montanhas e nas planícies aquilo que estava profetizando, o que foi o sonho de tantos heróis, a obsessão de tantos solitários (…)». (1)
«E então chegou, com o dia glorioso, com o primeiro de janeiro em que um raio de justiça caiu sobre todos para desnudar-nos, para colocar a cada um em seu exato lugar moral, a confrontação dos fragmentos da realidade, que andava rota e dispersa, para além de desonrada: portanto absurda, ou enlouquecida, ou rígida. Em um pestanejar se refez a verdade, que estava desfeita, em agonia ou sepultada (…)». (2)
«E vimos como a capital se abatia para cumprir o recebimento que parecia definitivamente frustrado, e como os heróis, os sacros campesinos, o exército mais bonito do mundo, entrava lenta, alegre, profundamente durante o dia e uma noite de solene impacto, na cidade. Que fecundação apagando as inumeráveis frustrações, as humilhações indizíveis, os minuciosos pesadelos! Começam, então, outros combates; porém, desde então o devir tem raiz, coerência, identidade». (3)
Só um otimismo inquebrantável, a confiança inesgotável na vitória, fizeram de Fidel o lutador invicto que é. Começando o século XX, um cubano excepcional como Julio Antonio Mella já tinha encarnado a lição de que um verdadeiro revolucionário está habitado por febril entusiasmo, pela certeza de que toda boa mudança é possível, por uma alegria congênita que blinda contra os eventos que visam colapsar, deprimir e até paralisar muitos outros.
Nem o menor instante de desalento
Uma experiência narrada pelo líder histórico da Revolução ao jornalista italiano Gianni Miná, e que li sendo muito jovem, me comoveu bastante até hoje. Nela, pude sentir as adversidades de um dia ruim, e também a fortaleza de quem não se deixou arrastar pelos reveses:
«Em uma ocasião, me ocorreu algo, já depois do golpe de Estado de Batista – contou Fidel: Um dia, eu estava nas atividades revolucionárias e meu automóvel tinha sido tomado pela companhia, porque era comprado a crédito e eu tinha atrasado os pagamentos. Fui a um café ao qual costumava ir para tomar um café e fumar um tabaco tranquilo, e aquele homem que sempre foi amistoso, naquela situação tenho a honradez de dizer-lhe: “Não tenho dinheiro”, e me diz; “Então não”, e me nega o café e o tabaco. Caminho pelo Prado, passo próximo do Palácio Presidencial custodiado pela polícia militar, chego a uma esquina que se chama Prado e Netuno, onde vendiam jornais e os exibiam ali. Eu, nesse dia, não tinha nem para o jornal e me coloquei a ler as manchetes. Um garotinho que estava ali me expulsou. Disse: “circule, circule” e me expulsou. Não tinha nem para o bonde ou para o ônibus, e caminhei três quilômetros até próximo da Universidade, onde tinha uma habitação em um edifício ali, e então me encostei para dormir – fazia muito calor – e dormi cerca de três ou quatro horas. Passei um dia triste, porém nem sequer naqueles momentos tive o menor instante de desalento». (4)
Daquela experiência até o sol de hoje, a vida do extraordinário revolucionário esteve marcada por sucessos insólitos, inclusive inverossímeis, nos quais a impossibilidade deu lugar ao tangível.
Fidel evocou momentos próximos à vitória de 1959. Em apenas linhas comprovamos a dimensão de uma vitória que a lógica comum não poderia sequer imaginar. «Contava, então, com 32 anos. Tínhamos vencido em 24 meses e 13 dias uma força de 80.000 homens a partir de sete fuzis, reunidos posteriormente ao grande revés sofrido por nosso pequeno destacamento de 82 homens, três dias depois de nosso desembarque, em 2 de dezembro de 1956». (5)
Muitos episódios vividos por Fidel condensam em si o fato do impossível posto ao revés, sagas nas quais o povo vai adquirindo dimensão e consistência crescentes: o assalto aos gigantescos muros do quartel Moncada, a travessia do iate Granma (tão pequeno, tão sobrecarregado em peso e submetido aos vaivens da tempestade), continuar no mapa após a Crise dos Mísseis, ter derrotado o imperialismo em Playa Girón, ter alfabetizado em muito pouco tempo milhões de seres humanos, conseguir que voltassem do império nosso menino Elián González e nossos Cinco Heróis, resistir aos dias que transcorreram para além da queda do Muro de Berlim, ter sobrevivido ao ódio mortal do imperialismo, colocar, ali no centro onde nada existia, a autoestima e a humanidade crescente do cubano.
O conquistado, ao qual se podem somar muitas realidades, foi alguma vez tão somente a suspeita de um sonho, porém como nos ensinou Fidel, «não temos outra alternativa que sonhar, seguir sonhando, e sonhar, também, com a esperança de que esse mundo melhor tem que ser realidade, e será realidade se lutamos por ele. O homem não pode nunca renunciar aos sonhos, o homem não pode renunciar nunca às utopias. É que lutar por uma utopia é, em parte, construí-la». (6)
Ser revolucionário, como ele disse, além de ser um privilégio, é «fruto de nossa própria consciência». De modo que podemos nos propor a mudar toda situação adversa, olhar o horizonte que serve, como disse o escritor uruguaio Eduardo Galeano, «para caminhar enquanto se sonha com os pés na terra».
No ano que cumpre suas nove décadas de infatigável e excepcional vida, Fidel assistiu à sessão de encerramento do VII Congresso do Partido Comunista de Cuba, em abril de 2016. O fez para compartilhar com os presentes seu espírito de um otimismo que nunca lhe abandonou, desde que começou a entender as leis terrenas, ali em um mundo menor e fascinante, Birán.
«(…) Caso se trabalhe com fervor e dignidade, é possível produzir os bens materiais e culturais que os seres humanos necessitam. Além disso, devemos lutar sem trégua para obtê-los. A nossos irmãos da América Latina e do mundo, devemos transmitir que o povo cubano vencerá». (7)
A vitória, que na Ilha não é um fato consumado, mas uma tarefa imensa, nos faz olhar uma vez mais, deslumbrados para a serenidade com que esse gigante batalhador profetiza, como sempre, o mais difícil: a esperança da espécie humana.
E quem é Fidel se não a continuidade de José Martí? Ambos provêm de matéria comum: cubanidade depurada na entrega, mistério que cristaliza no possível, inteireza catapultada à eternidade.
1 Vitier, Cintio: Ese sol del mundo moral, Editorial Félix Varela, La Habana, 2006, página 212.
2 Ibídem, páginas 212-213.
3 Ibídem, página 214
4 Miná, Gianni: Un encuentro con Fidel. Oficina de Publicaciones del Consejo de Estado, La Habana, 1987, página 361.
5 Castro, Fidel: Prólogo al Discurso pronunciado en el Aula Magna de la Universidad Central de Venezuela: Una Revolución solo puede ser hija de la cultura y las ideas. Editora Política, La Habana, 1999. Página 2.
6 Palabras pronunciadas por Fidel en 1992 al amigo nicaragüense Tomás Borge.
7 Versiones taquigráficas del Discurso ante el pleno, pronunciado por Fidel en la sesión de clausura del VII Congreso del Partido Comunista de Cuba. Abril 19 de 2016.
Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2016/08/13/fidel-la-evidencia-de-lo-posible/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)