A Globo, o terrorismo e a tragédia do Realengo
O locutor William Bonner anunciou ontem à noite em tom dramático pelo Jornal Nacional, transmitido pela Rede Globo para todo o país, que o “homem” que assassinou “covardemente” alunas e alunos da escola carioca Tasso da Silveira mantinha contactos com um grupo “terrorista” supostamente islâmico, insinuando que esse grupo o poderia ter influenciado a planejar e executar o ataque sangrento à escola.
Era o que faltava. A Globo encontrou a linha ideal de investigação policial para tentar impedir qualquer discussão séria e abrangente sobre as causas que levaram à tragédia de Realengo e para deslocar as responsabilidades por essa tragédia da direita para a esquerda do espectro político.
Nada de falar na esquizofrenia do jovem Wellington de Oliveira, nem na falta de apoio e tratamento que agravou sua enfermidade. Nada de recordar as perseguições e humilhações que sofreu quando era aluno da escola atacada. Nada de mencionar as informações sobre armas e massacres que podem ser acessadas facilmente na internet. Nada de aludir à cultura de individualismo, competição e insensibilidade disseminada pelo capitalismo contemporâneo. Nada de referir-se aos filmes, jogos e exemplos de truculência e crueldade que vêm dos Estados Unidos e das outras potências imperialistas. A grande questão passou a ser, para a Globo, os contactos de Wellington com um alegado grupo “terrorista”, que pode nem ser real, mas criado pela imaginação doentia do jovem.
Acresce que, para os monopólios capitalistas de informação como a Globo, a palavra “terrorismo” abarca tanto os atos de terror propriamente ditos e as organizações que os praticam, quanto a resistência armada de povos oprimidos, como o palestino. Em contrapartida, para esses monopólios da informação, Estados, Exércitos e partidos como os de Israel e dos Estados Unidos, que bombardeiam e devastam outros países e assassinam seletivamente seus líderes, não praticam o terrorismo. Assim, ao tentar envolver um suposto grupo “terrorista” nos atos tresloucados do jovem Wellington, a Globo busca comprometer setores que a população costuma considerar de esquerda no massacre justificadamente repudiado.
No esforço para montar essa versão tendenciosa, a Globo não se constrangeu sequer com uma objeção de simples bom senso: por que algum grupo terrorista, de direita ou de esquerda, teria interesse em insuflar um ataque a modesta escola municipal de bairro periférico do Rio de Janeiro?
Para revestir de alguma credibilidade a insinuação feita, o Jornal Nacional ouviu o ministro da Justiça que se prestou a declarar que a Polícia Federal apoiará todas as linhas de investigação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, inclusive a do alegado envolvimento de grupo “terrorista” com as maquinações do jovem Wellington de Oliveira. O que não consegue a poderosa Globo?
*Duarte Pereira é jornalista e escritor, antigo membro da direção nacional da Ação Popular
12/4/2011