Comitês Populares Democráticos
Resgatando experiências dos comunistas brasileiros para ajudar no trabalho de base atual
Por: Lucas Prestes*
Ao longo da história das organizações comunistas brasileiras (estamos falando é claro de PCB, UJC e outras frentes e instrumentos relacionados aos dois), seguindo os princípios leninistas de organização, o trabalho de massas dos comunistas teve destaque principalmente em duas áreas de atuação: local de trabalho e local de moradia. Obviamente que a militância comunista não se limitou a estes dois espaços, porém a força do partido ao longo das décadas foi mais visível com nossos trabalhos nestes locais.
Ao resgatarmos um pouquinho deste trabalho, é importante lembrar que dos 95 anos de existência do partido e dos 90 anos de existência da UJC, tivemos mais de 60 anos de ilegalidade, o que multiplicou nossos obstáculos no trabalho de massas, reflexo da formação histórica do capitalismo brasileiro, profundamente complexo e com classes dominantes brutais, antidemocráticas e voltadas para interesses externos.
Dito isso, destacamos para os leitores um período curto historicamente, porém muito rico do ponto de vista das experiências de trabalho popular. Estamos falando dos anos 1945-1947, curta época em que tanto o PCB como a UJC estiveram na legalidade, fruto das grandes lutas populares contra o Estado Novo, e da conjuntura internacional, com a avassaladora vitória do povo soviético sobre o monstro nazista, o que proporcionou aos comunistas pelo mundo uma popularidade até hoje difícil de imaginar.
Esses dois anos foram marcados pela anistia aos presos políticos, muitos deles aliancistas e comunistas das lutas de 1935, entre os quais o Cavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes, que foi libertado no primeiro semestre de 1945, e também das lutas do movimento operário contra a carestia, por melhores condições de trabalho, liberdade sindical e muitas outras.
O PCB, aproveitando uma conjuntura favorável, “cai no mundão” e parte para o trabalho de massas, indo para os sindicatos, organizando os intelectuais e os militantes da cultura, consolidando sua inserção junto aos setores militares e etc. Porém não sem contradições, muito por conta da linha política de União Nacional com setores burgueses e de apertar os cintos, o que causou muitas saias justas aos comunistas, contudo, nunca os comunistas deixaram de lutar junto ao povo brasileiro.
Os principais instrumentos de fortalecimento dos comunistas na época citada foram os chamados “Comitês Populares Democráticos”, organizações criadas e estimuladas pelo partido para atuar principalmente nos locais de trabalho e locais de moradia, mas não só, pois há registro de comitês populares afro-brasileiros, evangélicos e de mulheres trabalhadoras.
No que se refere aos bairros, os Comitês Populares serviram para abrir canal com o proletariado dos bairros, uma debilidade histórica do partido até aquele período, uma vez que nos locais de trabalho não tinha acesso ao conjunto dos trabalhadores, muitos deles desempregados; a juventude, as trabalhadoras donas de casa e as frações de classe fora dos espaços tradicionais de trabalho.
Os Comitês Populares Democráticos tinham algumas funções principais, como organizar os moradores (principalmente das favelas e bairros populares) para atender suas demandas mais imediatas, como asfaltar e iluminar as ruas, reivindicar a construção de creches e escolas, trazer linhas de ônibus para os bairros mais afastados, geração de empregos e construção de frentes de trabalho, entre outros.
O mais interessante é que esses comitês não ficavam simplesmente a reboque do poder estatal, somente pedindo coisas ao Estado, muito pelo contrário, há registros de comitês populares que organizaram mutirões de construção de casas, mutirões para asfaltar ruas, algumas experiências de “policiamento comunitário”, organização de escolas populares e cursos de alfabetização, além de festas e outras atividades de lazer.
Além de trabalhar com as necessidades mais imediatas do povo, o partido também divulgava sua linha política para as questões mais gerais, como o combate firme contra o fascismo, a luta contra a guerra, pela constituinte e por eleições livres e democráticas. O trabalho nesses comitês trouxe ganhos políticos importantes para os trabalhadores, como as conquistas da Constituição de 1946 (direito de liberdade religiosa para o Candomblé, Umbanda e outras religiões de matriz africana, leis de segurança do trabalho, direito de greve, direito de sindicalização, férias anuais remuneradas, jornada de trabalho de 8 horas e etc.).
E por falar em constituição, nas eleições de 1946 o PCB elegeu uma bancada de 14 deputados e 01 senador, que trabalharam muito pelas causas populares, visitando bairros, indo às assembleias sindicais, levando demandas dos comitês populares para o Congresso, entre outras coisas. Outro fato espetacular foi o crescimento da militância partidária, que chegou a abrigar mais de 200 mil filiados, muitos deles por conta do trabalho dos Comitês Populares Democráticos.
Os comitês populares também exerciam atividades mais eleitorais, com alfabetização de trabalhadores e instrução no exercício do direito ao voto, com orientações jurídicas e políticas é claro, o que possibilitou a eleição, além dos cargos federais, de muitos deputados estaduais (como no caso de Caio Prado Júnior em São Paulo), vereadores (num total de 50 vereadores, os comunistas fizeram uma bancada de 18 vereadores na capital carioca) e prefeitos (como em Jaboatão dos Guararapes-PE e Santo André-SP).
A composição social destes comitês era muito heterogênea, agregando desde operários, ferroviários, donas de casa e estudantes, até advogados, médicos, comerciantes e mesmo alguns industriais, consequência da linha política comunista de União Nacional, o que não deixou de gerar muitas tensões e contradições de classe em vários momentos.
Nossa preocupação em resgatar um pouco dessa experiência se dá por duas questões principais, uma é capacitar nossa militância para o trabalho de base e desenvolvimento da frente de atuação da UJC junto aos jovens trabalhadores (registramos aqui dois artigos brilhantes dos camaradas Poiato, Brandão e Carvalho), resgatando essas experiências de trabalho, e absorvendo o que der para ser aproveitado na atual conjuntura.
Outra preocupação nossa é valorizar a história e cultura comunista no Brasil, pois existe uma certa tendência acadêmica de desvalorizar tudo que foi construído antes de 1964, muitas vezes jogando todo esse acúmulo num saco de gatos com generalizações abstratas como se fôssemos “pelegos” e “populistas”, fora a suposição ridícula de que o auge do movimento operário se desencadeou no ciclo do “novo sindicalismo” e da construção da CUT.
Portanto camaradas, estudar a história da nossa classe é fundamental, pois muitas vezes nossos camaradas de antigamente se depararam com problemas parecidos com os nossos, muitas vezes repetimos erros do passado e não nos damos conta, e diante disso viemos deixar nossa contribuição e o estímulo para que os camaradas estudem e desenvolvam cada vez mais novas experiências de trabalho, rumo à construção do Poder Popular!
Referências:Ao longo da história das organizações comunistas brasileiras (estamos falando é claro de PCB, UJC e outras frentes e instrumentos relacionados aos dois), seguindo os princípios leninistas de organização, o trabalho de massas dos comunistas teve destaque principalmente em duas áreas de atuação: local de trabalho e local de moradia. Obviamente que a militância comunista não se limitou a estes dois espaços, porém a força do partido ao longo das décadas foi mais visível com nossos trabalhos nestes locais.
Ao resgatarmos um pouquinho deste trabalho, é importante lembrar que dos 95 anos de existência do partido e dos 90 anos de existência da UJC, tivemos mais de 60 anos de ilegalidade, o que multiplicou nossos obstáculos no trabalho de massas, reflexo da formação histórica do capitalismo brasileiro, profundamente complexo e com classes dominantes brutais, antidemocráticas e voltadas para interesses externos.
Dito isso, destacamos para os leitores um período curto historicamente, porém muito rico do ponto de vista das experiências de trabalho popular. Estamos falando dos anos 1945-1947, curta época em que tanto o PCB como a UJC estiveram na legalidade, fruto das grandes lutas populares contra o Estado Novo, e da conjuntura internacional, com a avassaladora vitória do povo soviético sobre o monstro nazista, o que proporcionou aos comunistas pelo mundo uma popularidade até hoje difícil de imaginar.
Esses dois anos foram marcados pela anistia aos presos políticos, muitos deles aliancistas e comunistas das lutas de 1935, entre os quais o Cavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes, que foi libertado no primeiro semestre de 1945, e também das lutas do movimento operário contra a carestia, por melhores condições de trabalho, liberdade sindical e muitas outras.
O PCB, aproveitando uma conjuntura favorável, “cai no mundão” e parte para o trabalho de massas, indo para os sindicatos, organizando os intelectuais e os militantes da cultura, consolidando sua inserção junto aos setores militares e etc. Porém não sem contradições, muito por conta da linha política de União Nacional com setores burgueses e de apertar os cintos, o que causou muitas saias justas aos comunistas, contudo, nunca os comunistas deixaram de lutar junto ao povo brasileiro.
Os principais instrumentos de fortalecimento dos comunistas na época citada foram os chamados “Comitês Populares Democráticos”, organizações criadas e estimuladas pelo partido para atuar principalmente nos locais de trabalho e locais de moradia, mas não só, pois há registro de comitês populares afro-brasileiros, evangélicos e de mulheres trabalhadoras.
No que se refere aos bairros, os Comitês Populares serviram para abrir canal com o proletariado dos bairros, uma debilidade histórica do partido até aquele período, uma vez que nos locais de trabalho não tinha acesso ao conjunto dos trabalhadores, muitos deles desempregados; a juventude, as trabalhadoras donas de casa e as frações de classe fora dos espaços tradicionais de trabalho.
Os Comitês Populares Democráticos tinham algumas funções principais, como organizar os moradores (principalmente das favelas e bairros populares) para atender suas demandas mais imediatas, como asfaltar e iluminar as ruas, reivindicar a construção de creches e escolas, trazer linhas de ônibus para os bairros mais afastados, geração de empregos e construção de frentes de trabalho, entre outros.
O mais interessante é que esses comitês não ficavam simplesmente a reboque do poder estatal, somente pedindo coisas ao Estado, muito pelo contrário, há registros de comitês populares que organizaram mutirões de construção de casas, mutirões para asfaltar ruas, algumas experiências de “policiamento comunitário”, organização de escolas populares e cursos de alfabetização, além de festas e outras atividades de lazer.
Além de trabalhar com as necessidades mais imediatas do povo, o partido também divulgava sua linha política para as questões mais gerais, como o combate firme contra o fascismo, a luta contra a guerra, pela constituinte e por eleições livres e democráticas. O trabalho nesses comitês trouxe ganhos políticos importantes para os trabalhadores, como as conquistas da Constituição de 1946 (direito de liberdade religiosa para o Candomblé, Umbanda e outras religiões de matriz africana, leis de segurança do trabalho, direito de greve, direito de sindicalização, férias anuais remuneradas, jornada de trabalho de 8 horas e etc.).
E por falar em constituição, nas eleições de 1946 o PCB elegeu uma bancada de 14 deputados e 01 senador, que trabalharam muito pelas causas populares, visitando bairros, indo às assembleias sindicais, levando demandas dos comitês populares para o Congresso, entre outras coisas. Outro fato espetacular foi o crescimento da militância partidária, que chegou a abrigar mais de 200 mil filiados, muitos deles por conta do trabalho dos Comitês Populares Democráticos.
Os comitês populares também exerciam atividades mais eleitorais, com alfabetização de trabalhadores e instrução no exercício do direito ao voto, com orientações jurídicas e políticas é claro, o que possibilitou a eleição, além dos cargos federais, de muitos deputados estaduais (como no caso de Caio Prado Júnior em São Paulo), vereadores (num total de 50 vereadores, os comunistas fizeram uma bancada de 18 vereadores na capital carioca) e prefeitos (como em Jaboatão dos Guararapes-PE e Santo André-SP).
A composição social destes comitês era muito heterogênea, agregando desde operários, ferroviários, donas de casa e estudantes, até advogados, médicos, comerciantes e mesmo alguns industriais, consequência da linha política comunista de União Nacional, o que não deixou de gerar muitas tensões e contradições de classe em vários momentos.
Nossa preocupação em resgatar um pouco dessa experiência se dá por duas questões principais, uma é capacitar nossa militância para o trabalho de base e desenvolvimento da frente de atuação da UJC junto aos jovens trabalhadores (registramos aqui dois artigos brilhantes dos camaradas Poiato, Brandão e Carvalho), resgatando essas experiências de trabalho, e absorvendo o que der para ser aproveitado na atual conjuntura.
Outra preocupação nossa é valorizar a história e cultura comunista no Brasil, pois existe uma certa tendência acadêmica de desvalorizar tudo que foi construído antes de 1964, muitas vezes jogando todo esse acúmulo num saco de gatos com generalizações abstratas como se fôssemos “pelegos” e “populistas”, fora a suposição ridícula de que o auge do movimento operário se desencadeou no ciclo do “novo sindicalismo” e da construção da CUT.
Portanto camaradas, estudar a história da nossa classe é fundamental, pois muitas vezes nossos camaradas de antigamente se depararam com problemas parecidos com os nossos, muitas vezes repetimos erros do passado e não nos damos conta, e diante disso viemos deixar nossa contribuição e o estímulo para que os camaradas estudem e desenvolvam cada vez mais novas experiências de trabalho, rumo à construção do Poder Popular!
Referências:
- Resoluções do VII Congresso da União da Juventude Comunista
http://ujc.org.br/wp-content/uploads/2015/11/VII-Congresso. pdf - Artigo “A necessidade do trabalho de base” http://ujc.org.br/a-
necessidade-do-trabalho-de- base/ - Artigo “Disputar os bairros: se não hoje, quando? Se não nós, quem? http://ujc.org.br/a-
necessidade-do-trabalho-de- base/ - Artigo “A formação dos Comitês Populares Democráticos nas favelas cariocas em busca da efetivação de direitos a partir da influência do Partido Comunista Brasileiro” http://www.puc-
rio.br/pibic/relatorio_ resumo2013/relatorios_pdf/ccs/ SER/SER-M%C3%A1rcia%20Bastos% 20de%20Ara%C3%BAjo.pdf - CARONE, Edgard. O P.C.B.: (1943 – 1964). São Paulo: DIFEL 82, 1982. 2 v. (Corpo e alma do brasil )
- Artigo “O PCB e a composição social dos Comitês Populares Democráticos em Salvador (1945-1947)” http://www.
revistahistoria.ufba.br/2013_ 1/a13.pdf - Dissertação de Mestrado “O PCB e Comitês Populares Democráticos em Salvador (1945-1947)” https://
repositorio.ufba.br/ri/handle/ ri/13331
*Militante da UJC-SP