O avanço da EaD e a precarização do trabalho

Por Doug Santana, militante da UJC em São Paulo

Na tarde do dia 22 de setembro, o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) publicou o Censo de Ensino Superior de 2024, revelando que pela primeira vez em sua história, o Brasil registrou mais alunos em cursos da categoria de ensino à distância (EaD) do que em cursos de graduação presenciais. Desde 2014 presenciamos o crescimento exacerbado dessa modalidade, e a pandemia funcionou como um acelerador deste processo, levando a que quase 66% das matrículas no ensino superior em 2024 sejam da EaD.

Esse crescimento do ensino à distância favorece principalmente grandes grupos educacionais como Unopar-Anhanguera, Centro Universitário Leonardo da Vinci/UNIASSELVI, Universidade Estácio de Sá, Universidade Paulista (UNIP), entre outros. Considerando todas as matrículas na rede pública de ensino superior, tivemos apenas 16% na modalidade EaD, enquanto 73% das matrículas em universidades privadas foram no ensino à distância.

Fato importante é que o aumento das matrículas em EaD vem causando a diminuição das turmas noturnas, ou seja, estudantes que precisam trabalhar para se manter nos estudos preferem seguir para formas de estudo mais precárias do que encarar a modalidade presencial. Essa mudança é um efeito de dois fatores que vêm sendo tratados como prioridade pela esquerda: a precarização do trabalho representada pela escala 6×1 e a precarização no transporte público em todo o país.

Enquanto os mais afetados pela precarização do trabalho são os jovens que precisam encarar jornadas exaustivas com baixa remuneração e condições de trabalho cada vez piores, como no caso dos serviços em telemarketing. Em 2023, 40% dos 45.000 trabalhadores e trabalhadoras de telemarketing encontravam-se na sua primeira experiência formal de trabalho. É importante lembrar que o setor de serviços é um dos que possui maior volume de trabalhadores na escala 6×1.

Ao sair do trabalho exausta, essa parcela de jovens ainda precisa encarar um transporte público caro, lotado e pouco seguro, com jornadas de duas horas ou mais para chegar em casa. Ao mesmo tempo, as pouquíssimas vagas destinadas para o ensino público e a competição desleal com estudantes que se formaram em escolas particulares voltadas para o vestibular ou fizeram cursos preparatórios e tiveram tempo para estudar empurram a parcela da juventude trabalhadora que opta por continuar os estudos para o ensino EaD.

A partir daí, podemos pensar os diversos problemas que o ensino à distância carrega em si, além de contar com apenas 20% de suas atividades com um mediador de forma síncrona (ou seja, com o professor estando on-line ao mesmo tempo que o aluno), o que impede a relação do estudante com o professor e o questionamento. O modelo EaD reduz o processo de graduação a aulas e provas, tirando a vivência universitária, a socialização e, até mesmo, o processo de politização desse estudante.

Além disso, atualmente, os estudantes do ensino EaD não têm, de forma garantida, acesso a uma série de direitos que os estudantes de ensino presencial têm: a meia-tarifa ou passe livre e a meia-entrada em eventos culturais, mais uma vez, reduzindo a educação ao processo de aulas on-line e, quase sempre, sem acompanhamento didático. O tripé de ensino-pesquisa-extensão também é escanteado, visto que muitos desses cursos não se preocupam em oferecer oportunidades de iniciação científica ou extensões.

O avanço do ensino à distância também representa a precarização do trabalho do/a professor/a que, em tese não mais precisa dar aulas diária ou semanalmente, mas é obrigado/a a gravar vídeo-aulas que são repetidas para os estudantes de diferentes turmas. No entanto, o tempo investido na preparação/gravação dessas aulas não é considerado para remuneração, causando uma sobrecarga horária ao docente. A pressão pelo aumento da produtividade do/a professor/a e a perda da autonomia desses profissionais, que precisam seguir estritamente um projeto pedagógico focado apenas na formação de profissionais e não de cidadãos politizados, precariza também o ensino de humanidades. Além disso, esse processo cria situações que estão sendo apontadas como causadoras do aumento do afastamento de professores/as por doenças, em sua maioria, mentais.

O Decreto nº 12.456, conhecido como Novo Marco Regulatório do EaD e comemorado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) como uma vitória do movimento estudantil, apresenta pequenos avanços, mas não representa um passo em direção à democratização do ensino superior de qualidade. É preciso pensar em formas de criação de uma universidade popular, com mecanismos de permanência estudantil e a plena participação da classe trabalhadora e sua juventude na produção de uma ciência focada no desenvolvimento do proletariado e do Brasil. Para isso é necessário pensar também em transporte público qualificado e na redução da jornada de trabalho sem redução salarial, com a valorização da força de trabalho e melhorias das condições laborais como um todo.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Fonte: https://ujc.org.br/o-avanco-do-ead-como-sintoma-da-precarizacao-do-trabalho/