Deixem os venezuelanos viver em paz!

Madalena Santos

Jornal AVANTE! – Partido Comunista Português

Ju­ristas de 35 países reu­niram-se em Ca­racas, nos dias 13 e 14 de no­vembro, em de­fesa da so­be­rania e do Di­reito In­ter­na­ci­onal, num En­contro or­ga­ni­zado sob a chan­cela do Con­selho Na­ci­onal para a So­be­rania e a Paz da Ve­ne­zuela, que re­agiu à es­ca­lada de agressão mi­litar dos Es­tados Unidos da Amé­rica contra o país.

Os ve­ne­zu­e­lanos são um povo pa­cí­fico e an­seiam viver no seu país livre e so­be­rano

A ex­pe­ri­ência am­pla­mente po­si­tiva, para além do con­vívio, troca de im­pres­sões e con­tatos com mais de 100 co­legas ju­ristas pre­sentes, grande parte deles com uma ampla re­pre­sen­tação de cargos ins­ti­tu­ci­o­nais nos países de origem (ad­vo­gados, juízes, ma­gis­trados, de­pu­tados, pro­fes­sores uni­ver­si­tá­rios, ju­ristas na ad­mi­nis­tração cen­tral, local e par­la­mentar) per­mitiu, so­bre­tudo, co­nhecer de forma di­reta os graves pro­blemas com que o povo ve­ne­zu­e­lano se con­fronta atu­al­mente.

Jus­tiça e so­be­rania no centro dos de­bates

Du­rante os dois dias de intensos tra­ba­lhos foi pos­sível abordar os vá­rios as­pectos de âm­bito ju­rí­dico e, so­bre­tudo, res­ponder ao repto com que quo­ti­di­a­na­mente os ju­ristas se con­frontam: a cons­tante luta pela apli­cação da Jus­tiça!

As in­ter­ven­ções dos ora­dores foram de­ter­mi­nantes para cum­prir o ob­jetivo es­sen­cial no sen­tido de es­tudar, pensar e re­fletir sobre o es­tado a­tual da apli­cação efetiva das normas de Di­reito In­ter­na­ci­onal e de­nun­ciar o que se clas­si­ficou como aten­tados e graves crimes contra a so­be­rania na­ci­onal, a au­to­de­ter­mi­nação dos povos e a paz, en­quanto con­ceito abran­gente que im­plica e en­globa o di­reito a viver, o di­reito a ha­bitar, cons­ti­tuir fa­mília, o di­reito ao tra­balho, à saúde, à edu­cação, à plena fruição dos bens eco­nômicos e re­cursos co­letivos do seu ter­ri­tório, ao gozo e de­leite dos bens cul­tu­rais, entre ou­tros.

So­li­da­ri­e­dade in­ter­na­ci­onal e de­núncia da chamada “guerra às drogas”

A feroz e in­qua­li­fi­cável agressão por parte dos EUA, para além dos as­sas­si­natos de pes­soas com ata­ques per­pe­trados contra em­bar­ca­ções que dizem trans­portar droga (mas de que até ao pre­sente não apre­sen­taram qual­quer tipo de prova), con­cre­tiza-se também nos dias que correm com san­ções eco­nômicas im­postas uni­la­te­ral­mente, à re­velia de toda e qual­quer norma de di­reito in­ter­na­ci­onal pú­blico, tra­tados in­ter­na­ci­o­nais ou­tor­gados, e em total des­res­peito à Carta das Na­ções Unidas e sub­se­quentes re­so­lu­ções da As­sem­bleia Geral.

Os ata­ques dos EUA a em­bar­ca­ções que cruzam a Zona Eco­nômica Ex­clu­siva (ZEE) da Ve­ne­zuela, à re­velia da Con­venção das Na­ções Unidas sobre o Di­reito do Mar (1998), foram qua­li­fi­cados por muitos co­legas ju­ristas como exe­cu­ções ex­tra­ju­di­ciais e em di­versas in­ter­ven­ções clas­si­fi­cados como as­sas­si­natos de civis à margem de qual­quer lei.

A pre­sença de mais de uma cen­tena de ju­ristas de di­versos con­ti­nentes per­mitiu ainda ex­pressar de forma muito con­sis­tente a ampla so­li­da­ri­e­dade com o povo ve­ne­zu­e­lano, ba­seada em prin­cí­pios de jus­tiça pro­pug­nados na Carta das Na­ções Unidas e re­lem­brar ou­tros mo­mentos do pas­sado e do pre­sente em que tal afir­mação de so­li­da­ri­e­dade, quantas vezes si­len­ci­adas por al­guns meios de comunicação, cons­titui uma con­signa de luta eficaz em de­fesa do Di­reito In­ter­na­ci­onal Hu­ma­ni­tário, o Di­reito à Paz, contra qual­quer tipo de agressão, como o caso do Vi­et­nã, de Cuba, da Pa­les­tina e do Saara Oci­dental.

O Di­reito In­ter­na­ci­onal em de­fesa da Ve­ne­zuela

Do con­teúdo das di­versas in­ter­ven­ções por parte dos co­legas, quer ve­ne­zu­e­lanos, quer es­tran­geiros, in­te­ressa re­levar não uni­ca­mente o di­ag­nós­tico da brutal agressão, mas so­bre­tudo as formas através das quais no plano ju­rí­dico, no plano do di­reito in­ter­na­ci­onal pú­blico, im­porta en­con­trar as res­postas e as so­lu­ções para parar essa agressão, e afirmar o prin­cípio da so­be­rania e do di­reito à paz por parte do povo ve­ne­zu­e­lano.

Neste quadro de des­mis­ti­fi­cação da pro­pa­ganda em torno da cha­mada “guerra às drogas e ao nar­co­trá­fico”, que mais não passa de um fútil pre­texto, sem qual­quer fun­da­mento quer fático, quer legal – como vá­rias das in­ter­ven­ções dos ju­ristas pre­sentes no En­contro res­sal­taram, com dados e fun­da­mentos his­tó­rico/ju­rí­dicos – o povo ve­ne­zu­e­lano, por via dos seus re­pre­sen­tantes e or­ga­nismos le­gi­ti­mados pelo voto, tem feito um ca­minho no sen­tido do diá­logo, da di­plo­macia e da afir­mação ex­pressa de que as Ca­raíbas são uma zona de paz (De­cla­ração da Co­mu­ni­dade de Es­tados La­tino-Ame­ri­canos e Ca­ri­be­nhos CELAC – 29 de Ja­neiro de 2014). O do­cu­mento pro­clama a re­gião da Amé­rica La­tina e das Ca­raíbas como uma zona de paz, re­for­çando o com­pro­misso com a co­e­xis­tência pa­cí­fica, o res­peito pela so­be­rania e a não in­ter­fe­rência nos as­suntos in­ternos dos Es­tados.

Nicolás Ma­duro en­cerra en­contro com apelo à Paz

O En­contro ter­minou com a par­ti­ci­pação do Pre­si­dente Ni­colás Ma­duro, que en­cerrou o mesmo com uma in­ter­venção na qual agra­deceu a par­ti­ci­pação e de­mons­tração de so­li­da­ri­e­dade dos ju­ristas par­ti­ci­pantes e apelou de forma ve­e­mente à ma­nu­tenção da Paz e res­peito pela so­be­rania dos povos das Ca­raíbas, em par­ti­cular na Ve­ne­zuela.

Neste sen­tido do diá­logo, da di­plo­macia, en­quanto ins­tru­mentos de re­po­sição da ver­dade e no en­con­trar de ca­mi­nhos de com­bate ao im­pe­ri­a­lismo estadunidense, foi re­cen­te­mente criado o Con­selho Na­ci­onal para a So­be­rania e a Paz. Trata-se de um novo or­ga­nismo criado em se­tembro deste ano (2025) que reúne al­gumas cen­tenas de re­pre­sen­tantes de setores di­ver­si­fi­cados, tais como so­ciais, po­lí­ticos, re­li­gi­osos e econômicos, con­si­de­rados es­tra­té­gicos para de­fender a so­be­rania e a paz na Ve­ne­zuela.

Uma ci­dade agi­tada e de­sen­vol­vida

Do con­tato com a po­pu­lação, em diá­logo aberto e li­vre, cir­cu­lando no Metrô, pela mag­ní­fica ci­dade de Ca­racas, com todo o seu pa­tri­mônio his­tó­rico, no qual se res­salta sempre a evo­cação do seu li­ber­tador Simón Bo­lívar (muitos – ho­mens, ho­mens e mu­lheres, jo­vens e idosos – nos si­na­li­zaram com emoção as suas ori­gens por­tu­guesas, pro­ve­ni­entes dos quatro cantos de Por­tugal con­ti­nental e ilhas), res­sal­tamos a afir­mação cons­tante de de­sejo de paz, de de­sen­vol­vi­mento e bem-estar, sempre com a so­li­ci­tação de que trans­mi­tamos que os ve­ne­zu­e­lanos são um povo pa­cí­fico e an­seiam viver no seu país livre e so­be­rano, es­co­lhendo o seu pró­prio des­tino.

Res­pira-se por toda a ci­dade um bu­lício de tra­balho e de­sen­vol­vi­mento, com muitas obras e cons­tru­ções, um in­tenso co­mércio de todo o tipo (em par­ti­cular, o que nos es­pantou, no sector da tec­no­logia e in­for­má­tica), o es­pí­rito na­ta­lício com todas as de­co­ra­ções ati­nentes à época en­con­tram-se por todo o lado (a época na­ta­lícia é pro­mul­gada por de­creto pre­si­den­cial com fun­da­mentos que se re­con­duzem à ale­gria e paz ca­ra­te­rís­ticas da época e ao in­tenso de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico que a mesma acar­reta).

De­cla­ração final

Das con­clu­sões e de­cla­ração final, iden­ti­fi­camos com par­ti­cular im­por­tância a se­guinte: «Afirmar ao mundo que a paz du­ra­doura só pode ser cons­truída sobre os ali­cerces da jus­tiça so­cial, da equi­dade e do pleno res­peito pelos di­reitos hu­manos e pelo di­reito in­ter­na­ci­onal!»

De­cla­ração de Ca­racas

Nós, os mais de cem es­pe­ci­a­listas ju­rí­dicos reu­nidos em Ca­racas nos dias 13 e 14 de no­vembro de 2025, oriundos de 35 países, após um de­bate e in­ter­câm­bios fru­tí­feros, ex­pres­samos as se­guintes con­clu­sões e pro­postas:

1. Con­de­namos ca­te­go­ri­ca­mente todas as formas de in­ge­rência, co­erção, me­didas co­er­ci­tivas uni­la­te­rais ou agressão que vi­olem a so­be­rania e a au­to­de­ter­mi­nação dos povos.

2. Exi­gimos o res­peito ir­res­trito ao Di­reito In­ter­na­ci­onal, aos tra­tados bi­la­te­rais e mul­ti­la­te­rais e à Carta das Na­ções Unidas como o único ca­minho para a re­so­lução pa­cí­fica de con­flitos.

3. Con­cla­mamos a co­mu­ni­dade ju­rí­dica dos nossos países e de todos os que com­põem as Na­ções Unidas a mo­ni­torar e de­nun­ciar pe­rante os ór­gãos com­pe­tentes quais­quer vi­o­la­ções do Di­reito In­ter­na­ci­onal que co­lo­quem em risco a es­ta­bi­li­dade das Ca­raíbas e do mundo.

4. Ex­pressar pro­funda pre­o­cu­pação e con­de­nação pe­rante as re­centes exe­cu­ções ex­tra­ju­di­ciais, to­tal­mente fora dos li­mites dos di­reitos hu­manos, ocor­ridas no Mar das Ca­raíbas por ação uni­la­teral das Forças Ar­madas dos Es­tados Unidos da Amé­rica, as quais cons­ti­tuem, em todos os as­pectos, vi­o­la­ções dos di­reitos hu­manos e do di­reito in­ter­na­ci­onal.

5. Exortar o Go­verno dos Es­tados Unidos da Amé­rica a cessar as suas ope­ra­ções mi­li­tares no Mar das Ca­raíbas e as suas ame­aças contra a re­gião da Amé­rica La­tina.

6. Formar uma ampla ali­ança de ju­ristas em de­fesa do Di­reito In­ter­na­ci­onal, com o ob­jetivo de ava­liar os meios ne­ces­sá­rios para apre­sentar for­mal­mente uma queixa aos ór­gãos in­ter­na­ci­o­nais com­pe­tentes a res­peito da ameaça re­pre­sen­tada pelos Es­tados Unidos da Amé­rica nas Ca­raíbas.

7. Re­vi­ta­lizar for­te­mente o mul­ti­la­te­ra­lismo re­gi­onal em res­posta às graves ame­aças re­pre­sen­tadas pelos Es­tados Unidos da Amé­rica nas Ca­raíbas e exortar a Co­mu­ni­dade de Es­tados La­tino-Ame­ri­canos e Ca­ri­be­nhos (CELAC) a cum­prir a pro­cla­mação de ja­neiro de 2014, que de­clarou a re­gião como zona de paz.

8. Exigir que os go­vernos do mundo as­sumam uma po­sição clara e con­de­na­tória contra a vi­o­lação do di­reito in­ter­na­ci­onal e a es­ca­lada da vi­o­lência im­pe­ri­a­lista contra a Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela e a re­gião.

9. Or­ga­nizar ati­vi­dades de cons­ci­en­ti­zação e de­bates pú­blicos sobre as graves ame­aças que se avi­zi­nham nas Ca­raíbas.

10. Afirmar pe­rante o mundo que a paz du­ra­doura só pode ser cons­truída sobre os ali­cerces da jus­tiça so­cial, da equi­dade e do pleno res­peito pelos di­reitos hu­manos e pelo di­reito in­ter­na­ci­onal.

14 de No­vembro de 2025, Ca­racas, Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela