Um comboio descontrolado rumo à digitalização total da moeda e do trabalho

Um comboio descontrolado rumo à digitalização total da moeda e do trabalhopor Peter Koenig*

Há poucos dias estive num centro comercial à procura de uma máquina multibanco (ATM) para obter algum papel-moeda. Não havia multibanco. Uma semana antes ainda havia ali uma agência de um banco local – agora, desaparecera. O espaço vagado pelo banco fora substituído por um [café] Starbucks. Perguntei por ali – não havia mais caixas automáticas neste centro comercial – e este padrão está a repetir-se cada vez mais por toda a Suíça e Europa ocidental. As máquinas multibanco gradualmente desaparecem, não só dos centros comerciais como também das ruas. Será que a Suíça se tornará o primeiro país do mundo a ter moeda totalmente digital?

Este novo modelo de moeda sem numerário (cash) é progressiva mas brutalmente introduzido aos suíços e europeus – mas não lhes é contado o que está realmente a acontecer nos bastidores. Se dizem algo, é para contar à populaça que o pagamento se tornará muito mais fácil. Você simplesmente passa o seu cartão na máquina – e bingo. Não é preciso mais assinaturas, nem procurar mais por máquinas multibanco – a sua conta bancária é debitada diretamente por qualquer quantia pequena ou grande que esteja a gastar. E naturalmente, de modo gradual, uma “pequena taxa” será cobrada pelos bancos. E você está impotente, pois uma alternativa com cash terá sido eliminada.

O limite superior da quantia que pode gastar da sua conta bancária é estabelecido principalmente por si próprio, na medida em que não exceda a tolerância dos bancos. Mas a tolerância dos bancos é generosa. Se exceder o seu crédito, o saldo da sua conta silenciosamente desliza para o vermelho e no fim do mês você paga um juro substancial; ou juros sobre os juros não pagos – e assim por diante. E isso apesar de as taxas de juro interbancária estarem num nível historicamente baixo. O juro para bancos do Banco Central da Suíça, por exemplo, é até negativo – um dos poucos bancos centrais do mundo com juros negativos, os outros incluem o Japão e a Dinamarca.

Quando recentemente conversei com o gerente de um banco de Genebra ele disse que está a ficar muito pior. “Já estamos a encerrar todas as máquinas multibanco, assim como a maior parte dos outros bancos”. O que significa despedimentos de pessoal – o que naturalmente só aparece seletivamente no noticiário. Empregados de bancos e gerentes devem passar num exame da Comissão bancária suíça, para o qual eles têm de estudar centenas de horas extras em poucos meses para serem aprovados no teste – habitualmente planeado para fins-de-semana. Se você falhar estará fora, juntando-se às fileiras dos desempregados. A tendência é semelhante por toda a Europa. O gerente não revelou o assunto e a razão por trás deste “novo treino” – mas torna-se óbvio a partir da conversação que se seguiu que tinha tudo a ver com a ultrapassagem do povo pelos bancos através da eliminação do numerário. Estas são as minhas palavras, mas ele, um homem a par, estava tão preocupado como eu, se não mais.

A vigilância é omnipresente. Agora, não só os nossos telefonemas e e-mails são espiados como as nossas contas bancárias também. E o que é pior é é que com uma economia sem numerário nossas contas estão vulneráveis a serem invadidas pelo estado, por ladrões, pela polícia, pela autoridade fiscal, por qualquer espécie de autoridade – e, naturalmente, pelos mesmos bancos em que você tem confiado durante toda a sua vida. Recorda-se dos “bail-ins”[1] testados pela primeira em Chipre em 2013? Bail-ins tornar-se-ão uma prática comum para qualquer banco que tiver abusado na sua cobiça pelo lucro e for à bancarrota, se for preciso todos aqueles depósitos dos clientes. Mesmo os acionistas não estão seguros. Isto foi decidido silenciosamente há uns dois anos atrás, tanto nos EUA como também pela máfia não eleita de colarinho banco, a Comissão Europeia (CE).

O caso é “banks über alles” (“bancos acima de tudo”). E que país seria melhor adequado para introduzir a “vida sem numerário” senão a Suíça, o epicentro – juntamente com a Wall Street – da banca internacional? Os bancos darão as ordens no futuro, tanto na nossa economia pessoal como na do estado. Eles estão globalizados, seguem os mesmos princípios da desregulamentação à escala mundial. Eles estão em conluio com corporações globalizadas. Eles decidirão se você come ou será escravizado. Eles são uma das três armas principais dos 0,1% para bater os 99,9% até à submissão. As outras duas ao serviço do mestre hegemônico do impulso para a Dominação Total (Full Spectrum Dominance) são a guerra-indústria da segurança e a cada vez mais insolente máquina de propaganda da mentira. A desregulamentação bancária tornou-se outra pouco divulgada regra da Organização Mundial de Comércio (OMC). Países que queiram aderir à OMC devem desregulamentar seu setor bancário, mantendo-o aberto à intromissão dos tubarões da moeda globalizada, os conglomerados controlados pelo sionismo.

A redução de pessoal no mercado do emprego bancário está a aumentar. As notícias só informam sobre isso seletivamente, quando grandes volumes de empregos estão a ser eliminados. As estatísticas mentem por toda parte, na UE assim como em Washington. Por que assustar as pessoas? Elas ficarão bastante assustadas quando lhes forem oferecidos empregos e salários com os quais mal poderão sobreviver. O que já está a acontecer. Costumava ser uma tática aplicada a países em desenvolvimento. Mantê-los escravizados pela dívida e baixos pagamentos, de modo que não tivessem tempo e energia para ganhar as ruas para protestar – tinham de procurar comida e trabalho, quaisquer que fossem os empregos subalternos que pudessem obter, para alimentar suas famílias. Isto está agora a atingir a Europa, o Ocidente em geral. Alguns países avançam mais neste caminho do que a Suíça.

Experiências sem numerário estão em curso em outros lugares, especialmente em países nórdicos, onde lojas de departamento selecionadas e supermercados já não recebem cash. Uma outra experiência monstruoso foi executada na Índia um ano atrás [2] , no último trimestre de 2016, onde de um dia para o outro 80% das notas de papel-moeda mais populares foram eliminadas e só podiam ser trocadas por novas notas por banco e através de contas bancárias. E isto num país quase de puro cash, onde metade da população não tem conta bancária e onde áreas rurais remotas não têm bancos. O povo foi enganado para que a introdução súbita tivesse o máximo efeito.

A operação provocou fome maciça e milhares de pessoas morreram, pois subitamente deixaram de ter cash aceitável para comprar comida – tudo isso instigado pelo Projeto “Catalyst” da USAID, em conivência com os governantes e o banco central indiano. Era uma experiência. Foi um desastre. Se funcionasse na Índia com 1,3 mil milhões de pessoas, dois terços das quais vive em áreas rurais e a maior parte delas não tem conta bancária, o golpe poderia ser aplicado a qualquer país em desenvolvimento. Ver também India – Crime of the Century – Financial Genocide

O que está em curso na Suíça é uma experiência com o topo superior de populações. Como é que a classe privilegiada receberá mudanças tão radicais na nossa rotina monetária diária? – Até agora não têm sido noticiados muitos protestos. Há um fraco referendo lançado por um grupo de pessoas, as quais querem que o Banco Central da Suíça seja a única instituição que possa fazer moeda, como nos “velhos dias”. Embora seja uma ideia muito respeitável, o referendo não tem possibilidade na banca dos dias de hoje e no ambiente de dívida financeira, onde a juventude está a ser doutrinada com a ideia de que passar um cartão em frente a um olho eletrônico é excelente(cool). Hoje, a maior parte da moeda é feita por bancos privados, como algures na Europa e nos EUA. A desregulamentação bancária à escala mundial, iniciada pela administração Clinton na década de 1990 – hoje uma regra para qualquer membro da Organização Mundial de Comércio – tornou tudo isto possível.

A digitalização e a robotização estão apenas a começar. Balcões de pagamento com pessoal em supermercados estão a minguar; a maior parte deles são automáticos – e isso aconteceu desde o ano passado. – Para onde foram os empregados? – Perguntei a uma assistente que ajudava os clientes no auto-pagamento. “Eles juntaram-se às fileiras dos desempregados”, disse ela com uma cara triste, tendo perdido vários dos seus colegas. “Isto também me atingirá, tão logo eles não precisem mais de mim para mostrar aos clientes como efetuar o pagamento por si próprio”.

Bitcoins

A digitalização também inclui as criptomoedas, as moedas blockchain em torno – das quais a mais famosa é a Bitcoin. Isto traz a digitalização da moeda a um clímax. O sistema é complexo e parece prestar-se só para “peritos”. Criptomoedas são moeda fiduciária (fiat money) [3] , baseadas sobre o nada, nem mesmo sobre o ouro. As criptos são eletrônicas, invisíveis e altamente, mas muito altamente especulativas, um convite para gangsters e autores de fraudes. Com valores especulativos extremos, aparentemente é como se as criptomoedas fossem concebidas para vigaristas e especuladores.

A Bitcoin foi alegadamente inventada por Satoshi Nakamoto o qual poderia ser um pseudônimo de um homem ou um grupo de pessoas, que se suspeita viverem nos EUA. Acredita-se que a identidade de “Nakamoto” tenha origem nacommonwealth [britânica], devido ao vocabulário utilizado nos seus escritos. Um dos seus associados próximos é aparentemente um codificador suíço, o qual é também membro ativo da comunidade da criptomoeda. Diz-se que ele grafou o dispositivo para imprimir data e hora (time stamp) de mais de 500 intervenções de Nakamoto em fóruns. Tais “intervenções em fóruns” existem aos milhares, à escala mundial. Elas formam uma rede elaborada com base em algoritmos.

O Bitcoin foi criado formalmente em Janeiro de 2009 com um montante fixo de 21 milhões de “moedas” (“coins”), das quais mais da metade já estão em circulação e um milhão, ou cerca de 4,75% (do total) podem ser rastreados a Nakamoto – o qual de acordo com o atual valor de mercado corresponde a cerca de US$15 mil milhões. No total de hoje a capitalização de mercado da Bitcoin é de mais de US$315 mil milhões. O mercado é altamente volátil. São comuns flutuações drásticas diárias, especialmente nos últimos 12 meses. Se um dos grandes possuidores de Bitcoin, como Nakamoto, capitalizasse o seu lucro vendendo uma grande porção dos seus haveres, o preço da Bitcoin estaria em queda livre, funcionando de modo quase semelhante ao mercado de ações regular.

Em 24/Agosto/2010, quando a Bitcoin foi pela primeira vez transacionada, o seu valor era de US$0,06. Em 24/Dezembro/2017, a moeda valia US$13.800, um aumento de 230.000%. Nos últimos doze meses, seu valor aumenta de cerca de US$800 em Dezembro/2016 para um pico próximo dos US$20 mil em Dezembro/2017, um aumento de aproximadamente 2.500%. Contudo, nos últimos sete dias, o preço caiu para US$5.160, isto é, em mais de 27%, e a tendência para ser de declínio; talvez um sinal de tomada rápida de lucro? Contudo, isto mostra quão instável é esta criptomoeda, aparentemente muito mais do que transacionar ações corporativas na bolsa.

O número de criptomoedas disponíveis na Internet em 27/Novembro/2017 estava acima dos 1300 e em crescimento. Uma nova criptomoeda pode ser criada a qualquer momento e por qualquer pessoa. Pela capitalização de mercado, a Bitcoin e atualmente a maior rede blockchain (rede de bases de dados, armazenagem de dados em diferentes lugares publicamente verificáveis), seguida pela Ethereum, Bitcoin Cash, Ripple e Litecoin.

A Bitcoin pode ser a próxima bolha, deitando abaixo uma economia paralela que já tem os seus dedos fincados na nossa economia ocidental regular. As criptomoedas estão oficialmente proibidas na Rússia e na China, embora travar operações de criptomoeda por parte de indivíduos dificilmente seja possível. Elas não tocam o sistema bancário tradicional. Esta é a razão porque os grandes bancos as odeiam. Elas contornam os mamões (suckers) bancários, impedindo-os de fazerem lucros ainda mais altos a partir de comissões horrendas, contra as quais as pessoas como um todo são impotentes.

Aqui está o valor positivo da Bitcoin. Ela escapa a controles da banca e do estado. Se economias de países fossem movimentadas com Bitcoins ou outra criptomoeda, elas escapariam a sanções dos EUA, as quais funcionam só porque divisas ocidentais são filhas adotivas do US dólar, sujeitas portanto à hegemonia do dólar; o que significa que todas as transações internacionais têm de passar através de um banco dos EUA. Um caso típico é o de “bloqueios bancários”, quando Washington decide travar todas as transações internacionais de um país até que ele se submeta às vontades do império. Trata-se de chantagem; totalmente ilegal, mas, a menos que haja uma alternativa monetária, o mundo (ocidental) está sujeito a este sistema.

Um caso típico foi a Argentina, quando em Junho/2014 ela foi forçada por um juiz de Nova York a pagar a um Fundo Abutre com sede ali a quantia de US$1,6 mil milhões, uma sentença ilegal segundo uma resolução da ONU. A Argentina recusou-se a pagar, de modo que o juiz, interferindo numa nação soberana, bloqueou mais de US$500 milhões no pagamento da dívida da Argentina a credores, levando a Argentina à beira de uma segunda bancarrota em 13 anos. Finalmente, o neoliberal Macri negociou com os Abutres um acordo para o pagamento em excesso de US$400 milhões.

Esta chantagem estado-unidense não teria sido possível se a Argentina tivesse sido capaz de fazer suas transações externas em Bitcoins ou outra criptomoeda. A Venezuela está atualmente a utilizar uma criptomoeda nacional para algumas das suas transações externas, escapando dessa forma ao estrangulamento das sanções de Washington. Tivessem cidadãos gregos e cipriotas tido uma criptomoeda alternativa ao euro, não teriam sido sujeitos ao controle de cash imposto pelo Banco Central Europeu.

Por outro lado, o financiamento de organizações terroristas, como o ISIS, não pode ser interrompido, se o grupo terrorista negociar em criptomoeda. – Isto mostra, para o bem e para o mal, que Bitcoins, ou criptomoedas são por agora únicas na resistência à censura e à chantagem, ou a qualquer espécie de interferência autoritária externa em transações monetárias eletrônicas.

Viver sem numerário

Se a Suíça – um país onde até há pouco tempo a maior parte da pessoas ia pagar suas contas mensais em cash na agência de correio mais próxima – aceitar a mudança para a moeda digital, então nós, no mundo ocidental, estamos numa rota rápida para a escravização total pelas instituições financeiras. Isto vai a par, naturalmente, com o resto do sistemático e cada vez mais rápido avanço da opressão e robotização dos 99,9% pelos 0,1%.

Estamos atualmente em encruzilhadas, onde ainda podemos tanto decidir seguir o discurso de uma nova era monetária eletrônica, com cada vez menos a dizer acerca do produto do nosso trabalho, nossa moeda; ou, Nós o Povo, resistiremos a um sistema bancário/financeiro que tem pleno controle sobre nossos recursos financeiros e que pode literalmente esfaimar-nos até à submissão ou a morte, se não nos comportarmos. A fim de resistir precisamos de um sistema monetário alternativo ou uma rede monetária, afastada da hegemonia do eurodólar.

Ainda mais importante é a ascensão de uma outra economia, de outro esquema de pagamentos e transferência que já existe no Oriente, o Chinese International Payment System (CIPS), de facto um substituto do SWIFT, que é totalmente privado e ligado ao US dólar e a bancos dos EUA. O mundo precisa de uma economia multipolar, baseada no produto real de um país ou sociedade, como é o caso na China e na Rússia, não um sistema baseado na moeda fiduciária como é a atual economia ocidental.

Será que a Suíça, a fortaleza da finança mundial, juntamente com Nova York, Londres e Hong Kong, resistirá à tentação do aumento de lucro, poder e controle oferecido pela moeda digital? – Nós, o Povo, ainda temos a possibilidade de decidir ou por continuar a apodrecer numa economia da fraude, baseada em guerras e cobiça – para a moeda digital, exacerbada pelas criptomoedas, é uma nova ferramenta para uma nova fonte de maximização de lucros nas costas do povo comum; ou optarmos por um futuro honesto e por uma vida que nos deixe livre para tomarmos decisões políticas e financeiras numa sociedade plena de cash. Para esta última alternativa devemos acordar para ver a propaganda da fraude a desenrolar-se perante os nossos olhos – e resistir ao ataque dos robots e moeda eletrônica que está a ser desencadeado sobre nós.

26/Dezembro/2017
*Economista

NR

1. Sobre o bail-in em Chipre ver: Pensa que o seu dinheiro está seguro numa conta bancária? Pense bem. , Alto risco no sistema financeiro , Crise: algumas perguntas e respostas , O comboio do Euro descarrila , Acerca das taxas de rendimento negativas
2. Acerca da brutal desmonetização efectuada na Índia ver: Desmonetização e taxas de empréstimos bancárias , A desmonetização de notas de dinheiro , Taxas de juro e utilização de papel-moeda , A desmonetização e a questão da inflação
3. Parece discutível classificar a Bitcoin como moeda fiduciária. Esta, por definição, não tem limite máximo de emissão e a Bitcoin tem um limite máximo inscrito no seu próprio algoritmo.

O original encontra-se em thesaker.is/runaway-train-towards-full-digitization-of-money-and-labor/

http://resistir.info/financas/moeda_digital_26dez17.htmlv