A Uberização da Economia – sonho do capital

A Uberização da Economia - sonho do capitalpor Jacques Sapir*

O Diário.info

(…) A UBER pretende ser uma plataforma que relaciona condutores de automóvel, considerados como trabalhadores independentes, e clientes. O instrumento de trabalho, o veículo, pertence ao condutor, mas a aplicação, que permite o estabelecimento da relação com os clientes, é propriedade da UBER. O que, aliás, autoriza esta sociedade a fixar os preços do percurso feito pelo condutor, e a impor uma certa categoria de veículos. A remuneração da UBER consiste numa percentagem que ela retém sobre o preço do trajeto.

Por um lado, o preço é fixado pelas sociedades e não pelos condutores. Deste ponto de vista, está-se numa estranha situação. Por outro lado, os condutores veem-se na necessidade de contrair dívidas para adquirir o veículo que a UBER (ou as outras sociedades) lhes impõe. Este endividamento pesa fortemente sobre o seu equilíbrio financeiro. Então, poderá dizer-se, porque é que esses condutores não se retiram dessas sociedades para operarem como “verdadeiros” independentes? O que é mais fácil de dizer do que de fazer. Para exercer como taxista é necessária uma licença, e estas licenças são estritamente controladas pelas prefeituras. E para trabalhar como VTC independente é necessário dispor de um caderno de endereços e de clientes regulares. Vê-se assim que, por detrás da aparente promessa de uma “liberdade”, se perfila um implacável constrangimento que encurrala os condutores UBER num colete de forças do qual não se podem libertar.

Neste contexto, chegou-nos de Londres uma importante notícia que não foi suficientemente divulgada pela imprensa. É nesta cidade, capital do Reino Unido – como sabem, o país que é descrito como um templo do neoliberalismo e como um inferno em consequência da sua decisão de sais da UE – que foi tomada uma decisão que fará história: a sociedade UBER é intimada a requalificar os condutores que trabalham para ela em «assalariados». Esta decisão (na realidade a primeira etapa de um processo judicial que se prolongará por toda a próxima primavera) vem aliás na sequência de decisões análogas tomadas nas grandes cidades californianas, mesmo no coração daquilo a que se chama a «nova economia».

É uma decisão importante porque põe fim à hipocrisia que reina em torno da UBER, que pretende não ser mais do que uma simples plataforma que coloca em contato trabalhadores independentes e os seus clientes Efetivamente, a UBER pretende não ser uma empresa de transporte. Mas, sendo assim, porque é a UBER quem fixa os preços que os condutores podem pedir? Vê-se bem aqui onde bate o ponto. A UBER pretende impor as regras, mas recusa-se a assumir qualquer responsabilidade. É por isso que esta decisão da justiça londrina, para além das queixas que deverão ser apresentadas na justiça na França no final do mês de março de 2018, convida a que nos debrucemos sobre aquilo que é chamado o «modelo econômico» da UBER.

(…) A ideia que preside a criação desta sociedade é engenhosa, mas não necessariamente moral. Ela incide, segundo o que foi dito, em substituir o contrato de trabalho por um contrato de aluguel (da aplicação UBER) e em pretender que os trabalhadores se tornem «empreendores». Vê-se onde se situa a vantagem para esta sociedade. Deixa de pagar encargos sociais, e desinteressa-se em absoluto da situação em que coloca os seus condutores. Este modelo deu origem ao fantasma de uma economia em que o assalariamento teria desaparecido, e com ele os direitos sociais que lhe estão associados, para ser substituído por uma sociedade de empresários, mesmo de micro-empresários. Entretanto, diversos estudos mostram que esses estatutos de empresário ou de micro-empresário, estatutos tão elogiados pelo nosso Presidente da República Emmanuel Macron, encobrem na realidade uma degradação significativa da situação dos trabalhadores. Cabe aqui convidar os leitores a consultarem a obra Ma Vie d’Auto-entrepreneur de Sophie Vouteau, que acaba de ser publicada.

Em numerosos casos esse estatuto, e em particular no caso dos condutores UBER, não faz mais do que reatualizar um modelo econômico do início do século XIX: o trabalho sob encomenda. O atravessador passava pelos seus trabalhadores distribuindo as matérias-primas e voltava no final da jornada de trabalho para recolher o produto do seu trabalho, pagando portanto à peça, sem contrato nem qualquer obrigação. O “progresso” seria portanto o regresso às mais sombrias condições da Revolução industrial. Aqui, no caso da UBER, pode-se considerar que os inventores ou os detentores dos direitos de uma aplicação estão sobretudo na situação do proprietário de terras que explora, por meio do arrendamento, o camponês que não pode plenamente constituir-se em «pequeno proprietário».

É por isso que a decisão do tribunal de Londres é tão importante. Resta agora aguardar o que irá resultar desse procedimento, e os resultados dos processos análogos que foram empreendidos na França.

(…) A UBER pretende ser uma plataforma que relaciona condutores de automóvel, considerados como trabalhadores independentes, e clientes. O instrumento de trabalho, o veículo, pertence ao condutor, mas a aplicação, que permite o estabelecimento da relação com os clientes, é propriedade da UBER. O que, aliás, autoriza esta sociedade a fixar os preços do percurso feito pelo condutor, e a impor uma certa categoria de veículos. A remuneração da UBER consiste numa percentagem que ela retém sobre o preço do trajeto.

Por um lado, o preço é fixado pelas sociedades e não pelos condutores. Deste ponto de vista, está-se numa estranha situação. Por outro lado, os condutores veem-se na necessidade de contrair dívidas para adquirir o veículo que a UBER (ou as outras sociedades) lhes impõe. Este endividamento pesa fortemente sobre o seu equilíbrio financeiro. Então, poderá dizer-se, porque é que esses condutores não se retiram dessas sociedades para operarem como “verdadeiros” independentes? O que é mais fácil de dizer do que de fazer. Para exercer como taxista é necessária uma licença, e estas licenças são estritamente controladas pelas prefeituras. E para trabalhar como VTC independente é necessário dispor de um caderno de endereços e de clientes regulares. Vê-se assim que, por detrás da aparente promessa de uma “liberdade”, se perfila um implacável constrangimento que encurrala os condutores UBER num colete de forças do qual não se podem libertar.

Neste contexto, chegou-nos de Londres uma importante notícia que não foi suficientemente divulgada pela imprensa. É nesta cidade, capital do Reino Unido – como sabem, o país que é descrito como um templo do neoliberalismo e como um inferno em consequência da sua decisão de sais da UE – que foi tomada uma decisão que fará história: a sociedade UBER é intimada a requalificar os condutores que trabalham para ela em «assalariados». Esta decisão (na realidade a primeira etapa de um processo judicial que se prolongará por toda a próxima primavera) vem aliás na sequência de decisões análogas tomadas nas grandes cidades californianas, mesmo no coração daquilo a que se chama a «nova economia».

É uma decisão importante porque põe fim à hipocrisia que reina em torno da UBER, que pretende não ser mais do que uma simples plataforma que coloca em contato trabalhadores independentes e os seus clientes Efetivamente, a UBER pretende não ser uma empresa de transporte. Mas, sendo assim, porque é a UBER quem fixa os preços que os condutores podem pedir? Vê-se bem aqui onde bate o ponto. A UBER pretende impor as regras, mas recusa-se a assumir qualquer responsabilidade. É por isso que esta decisão da justiça londrina, para além das queixas que deverão ser apresentadas na justiça na França no final do mês de março de 2018, convida a que nos debrucemos sobre aquilo que é chamado o «modelo econômico» da UBER.

(…) A ideia que preside a criação desta sociedade é engenhosa, mas não necessariamente moral. Ela incide, segundo o que foi dito, em substituir o contrato de trabalho por um contrato de aluguel (da aplicação UBER) e em pretender que os trabalhadores se tornem «empreendores». Vê-se onde se situa a vantagem para esta sociedade. Deixa de pagar encargos sociais, e desinteressa-se em absoluto da situação em que coloca os seus condutores. Este modelo deu origem ao fantasma de uma economia em que o assalariamento teria desaparecido, e com ele os direitos sociais que lhe estão associados, para ser substituído por uma sociedade de empresários, mesmo de micro-empresários. Entretanto, diversos estudos mostram que esses estatutos de empresário ou de micro-empresário, estatutos tão elogiados pelo nosso Presidente da República Emmanuel Macron, encobrem na realidade uma degradação significativa da situação dos trabalhadores. Cabe aqui convidar os leitores a consultarem a obra Ma Vie d’Auto-entrepreneur de Sophie Vouteau, que acaba de ser publicada.

Em numerosos casos esse estatuto, e em particular no caso dos condutores UBER, não faz mais do que reatualizar um modelo econômico do início do século XIX: o trabalho sob encomenda. O atravessador passava pelos seus trabalhadores distribuindo as matérias-primas e voltava no final da jornada de trabalho para recolher o produto do seu trabalho, pagando portanto à peça, sem contrato nem qualquer obrigação. O “progresso” seria portanto o regresso às mais sombrias condições da Revolução industrial. Aqui, no caso da UBER, pode-se considerar que os inventores ou os detentores dos direitos de uma aplicação estão sobretudo na situação do proprietário de terras que explora, por meio do arrendamento, o camponês que não pode plenamente constituir-se em «pequeno proprietário».

É por isso que a decisão do tribunal de Londres é tão importante. Resta agora aguardar o que irá resultar desse procedimento, e os resultados dos processos análogos que foram empreendidos na França.

*Economista e sociólogo francês, militante da Frente de Esquerda.

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