Cuba denuncia a política dos EUA e dinamiza o papel da Revolução
Entrevista de Achille Lollo com Luciano Vasapollo
As contínuas pressões políticas e, acima de tudo, as operações de “intensidade limitada” da CIA e do Departamento de Estado dos EUA, realizadas em quase todos os países da América Latina, estão deteriorando a situação política e a estabilidade de muitos países latino-americanos, de forma que a conjuntura política e a econômica do continente são cada vez mais complexas.
A Cumbre das Américas, realizada em Lima, mostrou claramente que os Estados Unidos estão tentando desintegrar tudo o que os governos progressistas criaram nos últimos anos, das reformas sociais aos projetos de cooperação regional (Mercosul, Celac e Unasul). Um contexto que, por analogia histórica, volta a propor a presença e o papel político de Cuba com a função de defensor extremo da soberania e da independência de todos os países latino-americanos. Por esta razão, a eleição de Miguel Diaz-Canel, como presidente da República de Cuba, foi de extrema importância por duas razões. A primeira, porque com ele o processo revolucionário socialista e martiano – que o imperialismo norte-americano gostaria de extinguir – continuará promovendo a evolução econômica e a dinâmica política da Revolução iniciada em 1959. De fato, se trata de um processo revolucionário que, respeitando a lógica do socialismo, ampliou o conceito de democracia popular, vivendo todas as fases da evolução histórica, nas quais tem havido contínuos ensaios para melhor sistematizar o planejamento do bem público e dos elementos programáticos.
A segunda, porque o governo, o Estado e o povo de Cuba começaram a viver a terceira fase de uma Revolução, que é única no tempo e cada vez mais moderna. Para tanto, entrevistamos o professor Luciano Vasapollo (docente da Universidade “La Sapienza” de Roma), para analisar a força ideológica dessa Revolução e compreender a importância e o papel geoestratégico do Estado revolucionário cubano na atual conjuntura política do continente latino-americano.
Achille Lollo — Enquanto os italianos adormeceram diante da novela “Di Maio X Salvini”, Cuba, na VIII Cumbre das Américas, realizada na capital do Peru, Lima, denunciou a escravização da OEA à Casa Branca e os efeitos nefastos da política imperialista dos Estados Unidos na América Latina. A dura intervenção do ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla e depois a posição assumida pelo novo presidente cubano, Miguel Diaz-Canel, são faíscas temporárias ou destacam o papel político que Cuba irá desempenhar na América Latina?
Luciano Vasapollo: «No dia 14 de abril, o ministro Bruno Rodríguez Parrilla provocou um curto-circuito na Cumbre de Lima, acusando publicamente não apenas o Secretário Geral da OEA, Luis Almagro, mas sobretudo o projeto estratégico da Casa Branca, que quer recompor sua esfera de influência em todos os países da América Latina, usando manobras eleitorais sujas, Impeachments ilegais e a sabotagem econômica. Para melhor entender este contexto cito as palavras do Ministro Bruno Rodríguez Parrilla: “… Os recentes acontecimentos mostram que a OSA e especialmente seu Secretário Geral, se tornaram meros instrumentos dos Estados Unidos. Cujo objetivo central, hoje, é a restauração da dominação imperialista, a destruição da soberania nacional através de intervenções não convencionais. Em pratica pretendem derrubar os governos populares, derrotar as conquistas sociais para restabelecer o neoliberalismo selvagem em todo o continente … “. Assim, as duras palavras com que o Ministro Bruno condenou os EUA tornaram-se uma referência política para os governos progressistas da América Latina e para os partidos de esquerda de todo o mundo, especialmente quando ele disse que: “… As ameaças não dobrarão Cuba, muito menos a chantagem do governo dos Estados Unidos. Não queremos o confronto, no entanto, não negociaremos nossos problemas internos e não abandonaremos de um milímetro nossos princípios. O povo cubano fez muitos sacrifícios para defender a Independência, a Revolução e o Socialismo e é por isso que no dia 19 de abril vamos comemorar com grande orgulho a batalha de Playa Giron, onde derrotamos mais uma a agressão mercenária! …”.
Na prática, essas duas frases resumem o futuro político de Cuba, sobretudo depois do que foi feito contra a Venezuela e contra Cuba nesta Cumbre. Frases que ressaltam o comportamento e as posições revolucionárias cubanas que, na lógica política das excelências da Casa Branca, deveriam ter desaparecido, após a reunião de Raul Castro com Obama. De fato, quatro dias depois, no dia 19 de abril, o novo presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, foi ainda mais específico e radical, e para isso quero citar suas palavras: “… Confirmo que a política externa de Cuba continuará inalterada e volto a afirmar que ninguém conseguirá debilitar nossa Revolução, porque Cuba não faz concessões que tocam sua soberania e sua independência […]. Faremos as mudanças necessárias somente com a decisão soberana do povo cubano … “.
Gostaria de lembrar que nesta plenária de governos latino-americanos, a presença da CIA foi vergonhosamente evidente. Especialmente quando um grupo de países propôs de excluir o presidente Maduro, para dar voz aos representantes da oposição venezuelana. Uma operação de propaganda eleitoral autenticamente provocadora, se considerarmos que, no dia 20 de maio, ocorrerão três eleições na Venezuela: para eleger o presidente, para renovar os deputados nos Parlamentos dos estados da federação e a eleição dos membros dos Conselhos Municipais. No fim, o “Show” organizado pelas antenas de Langley prosseguiu com a presença de uma dúzia de opositores cubanos, logicamente vindos de Miami».
Achille Lollo — A eleição de Miguel Diaz-Canel à presidente da República, surpreendeu os observadores e especialmente os críticos, que já haviam anunciado o fim da Revolução. O que representa esse tipo de escolha no contexto político de Cuba?
Luciano Vasapollo: «A eleição de Miguel Diaz-Canel reflete a grande força de expressão que a democracia popular, socialista e participativa, hoje, demonstra ter em Cuba. De fato, Miguel Diaz-Canel representa a continuidade da Revolução Cubana. Ele é um dirigente que se formou dentro desse processo revolucionário e que esteve presente em todas as fases da construção da democracia popular. Gostaria de mencionar que, ainda jovem, Miguel Diaz-Canel participou dessa Revolução, primeiro como militante e depois como líder da juventude comunista universitária. Profissionalmente é engenheiro eletrônico. Foi professor titular na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Central de Las Villas e, em seguida foi nomeado reitor da universidade homônima. Dirigiu o PCC por dez anos na província de Villa Clara e depois na de Holguín. Em 1991, integrou o Comitê Central do PCC e, em 2002, foi chamado para o Birô Político. Em 2009, foi nomeado ministro do Ensino Superior. Então, em 2013, foi indicado pelo Parlamento cubano para exercer o cargo de primeiro vice-presidente no Conselho de Estado e de Ministros.
Gostaria de enfatizar que sua eleição como presidente foi muito transparente, representando a afirmação da terceira geração desse processo revolucionário, perfeitamente integrada na condução política e ideológica de Cuba. Quero também salientar que Miguel Diaz-Canel foi eleito presidente pelos 605 membros do Parlamento com unanimidade, para governar cinco anos até 2023, tendo a oportunidade de ser reeleito até 2028. Posso dizer, com extrema sinceridade, que Miguel Diaz-Canel, além de ser um grande líder e um grande marxista, é também um camarada que conheço como irmão e que considero o melhor continuador da tradição comunista e socialista cubana. Talvez seja por isso que nas capitais do mundo ocidental alguém torceu o nariz! ».
Achille Lollo — Inicialmente a “grande imprensa” do mundo ocidental comentou a eleição de Miguel Diaz-Canel usando adjetivos horríveis. Depois, todos ou quase, de “La Repubblica” ao “New York Times”, tentaram transmitir a idéia de que a Revolução estaria em sua fase final “… Porque a família Castro deixava as salões do poder! …”. Você poderia explicar o porquê desse terrorismo medíocre e cheios de raiva?
Luciano Vasapollo: «Infelizmente, quando se fala de Cuba, a mídia do Primeiro Mundo prefere os chavões no lugar da análise política. Usam as mentiras para esconder a dignidade de um povo. Praticam um contínuo esquema semântico para degenerar a realidade vencedora da democracia socialista e popular, precisamente porque essa realidade continua a viver, resistindo a qualquer tipo de ataque. Estou convencido que se hoje um editor usa pesados adjetivos contra Cuba, como os que foram usados durante a Guerra Fria, tais como “… O regime ditatorial de Castro …”, ou “… O poder da família Castro …”,eles o fazem apenas para respeitar o regras que a lógica do imperialismo estabeleceu para os meios de comunicação.
Na prática, o objetivo do terrorismo midiático é negar, em todos os sentidos, que em Cuba existe um processo revolucionário popular, que envolve o exercício da democracia direta e participativa e a afirmação da igualdade. Em pratica negam todos os fundamentos da democracia socialista. Por exemplo, durante anos eles mencionaram o chamado “…Poder da família Castro...”, porém sempre omitiram que nenhum dos sete filhos de Fidel e dos quatro de Raul, nunca ocuparam cargos no governo!
A verdade é que o povo cubano encontrou nos combatentes da Revolução de 1959 e depois no PCC seus líderes, dos quais tem plena confiança. Fidel Castro, Che Guevara, Raúl Castro, Camilo Cienfuegos e todos os outros militantes da Sierra puseram em marcha uma Revolução que se tornou profundamente popular, anti-colonialista, anti-imperialista, martiana e socialista. Uma Revolução que sem o apoio político e a sustentação moral das massas cubanas, não teria resistido ao longo do tempo a todos os ataques que sofreu desde 1959 até hoje!
Então, aqueles que recorrem à fraseologia da Guerra Fria simplesmente fazem terrorismo midiático. E isso se aplica ao prestigiado editor do “New York Times”, bem como ao, evidentemente, menos prestigioso, de “Libero” ou de “La Repubblica”! Um terrorismo midiático que, de qualquer maneira, não é gratuito, porque é parte integrante do “negócio” da propaganda política, projetada pelas excelências do imperialismo e depois compensada com os contratos de publicidade das multinacionais».
Achille Lollo — Imediatamente após a eleição de Miguel Diaz-Canel, o Secretário-Geral da OEA, Luis Almagro fez uma declaração absurda, desqualificando o sistema eleitoral cubano. Você poderia dar alguns exemplos para explicar o funcionamento do modelo eleitoral de Cuba?
Luciano Vasapollo: «Continuam dizendo que as eleições em Cuba não são democráticas e que seriam limitadas aos membros do Partido Comunista Cubano! … Infelizmente, por ignorância ou por maldade, esquecem que dos oito milhões de eleitores, apenas 800.000 têm o cartão do PCC e, somente, 400.000 são membros da juventude do PCC, isto é, a UJC. Isso significa que 85% dos eleitores, ou seja, aproximadamente 6.800,00 não são membros do PCC. Nas últimas eleições, onde a participação popular foi maciça, com 86,5% dos eleitores, foram eleitos 605 deputados para o Parlamento, dos quais 293 deputados (ou seja, 48,5%) não são membros do PCC! Sem esquecer que dos 605 deputados, 322 são mulheres (53%) e 338 (56%) foram eleitos pela primeira vez. Além disso, 40% dos parlamentares eleitos são negros ou mestiços, a idade média é de quarenta e nove anos e um grupo de oitenta novos deputados tem entre dezoito e trinta e cinco anos! Os que combateram na Sierra Maestra são apenas sessenta, ou seja, 9,5%!
No entanto o argumento mais importante que os analistas do “Grande Mídia” esquecem quando criticam o modelo eleitoral cubano é que o Partido Comunista Cubano “por lei” não pode apresentar candidatos. Estes são selecionados e eleitos pelas bases populares nas eleições municipais, depois nas provinciais e finalmente nas legislativas. Não é como aqui na Itália, onde os candidatos do PD ou de Forza Itália, que não foram eleitos por falta de votos, depois são recuperados entrando na “lista do partido”!
Quanto às declarações de Luis Almagro são o resultado do ressentimento que ele traz para com a esquerda e com tudo o que se relaciona com a esquerda da América Latina. De fato, ele sempre foi um “Blanco”, ou seja, um militante do “Partido Nacionalista” uruguaio. Porém, para fazer carreira como diplomata no governo uruguaio, ele entendeu que devia pertencer à Frente Ampla. Assim, se matriculou no MPP, tornando-se o primeiro conselheiro de José Mujica para as questões internacionais, quando Mujica era ministro da agricultura no governo de Tabaré Vasquez. Depois foi nomeado embaixador na China. Com Mujica presidente, Luis Almagro foi nomeado ministro das Relações Exteriores porque na Frente Amplia era o único com a experiência de embaixador. Mais tarde, foi sempre Mujica que propôs seu nome para ser o novo Secretário Geral da OEA. Infelizmente, uma vez livre da tutela política da Frente Amplia, Almagro voltou a ser o “Blanco” de um tempo, atacando acima de tudo a Venezuela, Cuba e a Bolívia.
De fato, o jornal uruguaio “El Observador”, no dia 20 de novembro de 2015, publicou a carta com a qual o ex-presidente José Mujica chamou Luis Almagro de “traidor”. Em Washington, Almagro é chamado de “Mr. Panqueca”, porque Antonio Mercader de “El Pais” escreveu:“… Almagro muda suas idéias políticas mais rápido do que a fritura de uma panqueca e seu zig-zag político tem sido uma constante em sua carreira diplomática”. Então, o que Almagro disse contra a eleição de Miguel Diaz-Canel é, apenas, parte do glossário de um … Mr. Panqueca! ».
Achille Lollo — Segundo as excelências da Casa Branca, hoje, tudo o que se move fora dos conceitos da democracia burguesa ou que questiona a lógica do imperialismo e denuncia os efeitos da dependência geoestratégica e econômica, deve ser considerado um inimigo. Voltamos, então aos dias da Doutrina de Segurança Nacional?
Luciano Vasapollo: «As aparências e as morfologias da mídia mudaram, mas o conceito de ”Estado Canalha” é o mesmo. Para a Casa Branca, Cuba continua a ser considerado um “Estado Canalha”, como a Síria, o Irã, e como, no passado aconteceu com Angola, Nicarágua, Etiópia, a Líbia e todos os países com governos revolucionários. Por exemplo, basta folhear os anais dos jornais norte-americanos para ler as absurdas declarações de Chester Croker quando, em 1982, o exército do regime racista sul-africano invadiu, pela segunda vez, o sul de Angola. Ou reler os controvertidos editoriais dos principais jornais europeus quando os ocupantes sul-africanos foram finalmente derrotados, em maio de 1988, na batalha de Cuito Cannavale, graças à valente participação dos combatentes internacionalistas cubanos ao lado do exército angolano (FAPLA).
Infelizmente, a lógica do imperialismo, com o democrata Barak Obama ou com o super-conservador Donald Trump, é uma lógica de poder que se repete ao longo dos anos. Mudam apenas a linguagem e os aspectos externos. A verdade é que a concepção geoestratégica das excelências que se sucederam na Casa Branca nunca mudou, desde a Operação Fênix no Vietnã até a Operação Condor na América Latina. Desde a invasão de Granada até a da Nicarágua com os “Contras”. Desde o ataque ao Iraque até os bombardeios na Líbia. Por exemplo, entre o Bloqueio econômico contra Cuba e as sanções contra a Venezuela, a diferença está apenas nas normas técnicas, porque em termos políticos eles correspondem aos mesmos princípios geoestratégicos e ideológicos! ».
Achille Lollo — O pedido do senador americano, Marco Rubio, para um maior endurecimento do Bloco econômico e a pressão de Donald Trump no governo canadense, para tentar reduzir a presença das 85 empresas canadenses, algumas das quais garantem o refino do níquel, são iniciativas políticas pessoais ou representam a concepção geoestratégica dos Estados Unidos?
Luciano Vasapollo: «Infelizmente, nos Estados Unidos, importantes questões geoestratégicas são usadas para alimentar campanhas eleitorais ou para fortalecer a liderança dentro de um partido. De fato, o senador de Miami Marco Rubio, já disse aos patrocinadores do Partido Republicano que o próximo presidente dos EUA terá que ser de origem “hispânica”. Assim, para promover sua campanha eleitoral dentro do Partido Republicano, o senador Marco Rubio – além de reivindicar a origem cubana de seus pais – defende o endurecimento do Bloco econômico e o rompimento das relações diplomáticas com Cuba. Ao mesmo tempo, o presidente Donald Trump faz pressões políticas sobre o governo canadense, querendo impor o “comando imperialista” e, assim, tentar de satisfazer a burguesia estadunidense e as excelências de Wall Street.
No entanto, o Bloco econômico tem sido e continua sendo o principal impedimento do desenvolvimento econômico e social de Cuba, de forma que o presidente Miguel Diaz-Canel, em seu discurso na Assembléia Nacional do Poder Popular, enfatizou: ““… Nenhum país tem resistido por muitos anos, sem se render, ao cerco econômico, comercial, militar, político e midiático como foi ao caso de Cuba […] Para isso, continuaremos a enfrentar as ameaças do poderoso vizinho imperialista. Mesmo assim, estaremos sempre dispostos a conversar e cooperar com aqueles que, por sua vez, o querem, mantendo sempre o respeito e uma relação de igualdade […] Nesta legislatura não haverá espaço para aqueles que aspiram a uma restauração capitalista. Esta legislatura defenderá a Revolução e continuará a perfeiçoar o socialismo. Por isso, em termos muito simples podemos dizer que a Revolução Cubana continua com a camisa do Verde Olivo, pronta para enfrentar qualquer tipo de conflito …».
Achille Lollo — Com o presidente Raul Castro, o governo cubano programou uma série de mudanças no seu sistema econômico. Por isso a presença do Estado ficou concentrada nos setores estratégicos, ou seja, o planejamento socialista, o desenvolvimento energético e a defesa da soberania. As reformas do Modelo Econômico Cubano continuarão?
Luciano Vasapollo: «O drama e as dificuldades do ”Período Especial“ obrigaram o governo cubano a definir uma nova metodologia para aperfeiçoar o modelo econômico socialista. Por isso, desde 1995, os índices econômicos cubanos começaram a melhorar. Posteriormente, em 2000, o desenvolvimento da economia se estabilizou entre 4% e 5% e, em seguida, em 2006, registrou-se um repentino crescimento, chegando até 11%. Portanto, em 2010, o governo de Raul Castro decidiu reduzir a presença do Estado na economia, permitindo que uma série de atividades e de serviços comerciais fossem gerenciados por particulares, que se tornaram proprietários e administradores.
Foi, então, nesta fase que se realizou a verifica de todas as medidas tomadas pelo governo com vista sistematizar os novos projetos e as inovações do modelo econômico socialista cubano, incluindo a melhoria das atividades do setor privado. O que muitos não entendem é que em Cuba as decisões políticas e sobretudo as econômicas dependem do acúmulo de experiências vividas. Ou seja, toda decisão corresponde a uma fase específica do processo de desenvolvimento e, por isso, cada projeto é estudado e analisado coletivamente.
Miguel Diaz-Canel esteve presente em todos os debates e em todos os programas de pesquisa realizados para definir as mudanças que foram introduzidas no processo de desenvolvimento. O que significa que a Revolução Cubana, mais uma vez, terá um presidente que conhece os mecanismos e as dificuldades para aperfeiçoar o modelo de planejamento, que sempre teve uma dinâmica própria. Tanto é que o planejamento da economia foi redefinido nove vezes, não só para dinamizar os novos setores, mas também para corrigir a evolução limitada daqueles que encalharam, devido ao Bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos.
Gostaria de lembrar que, em abril de 2011, foi lançado o plano de atualização do modelo de planejamento socialista, que, de fato, trouxe uma série de pequenas, médias e grandes mudanças na economia cubana. Então, em 2016, por ocasião do 7º Congresso do Partido Comunista, essas mudanças foram objeto de uma análise completa para determinar a continuação e a possível ampliação. Ou seja, foi feita uma verificação do que foi realizado, para definir o que terá que ser implementado no futuro. Portanto, é nessa base que se está lançando o novo modelo de planejamento, que se estenderá até 2030, ou seja, um processo de atualização do planejamento socialista em todas suas dimensões».
Achille Lollo — O presidente Raul Castro conseguiu abrir um canal de diálogo com o presidente Barak Obama. No entanto, o sucessor, Donald Trump logo o interrompeu. Para retomar este diálogo, teremos que esperar pela saída de Trump da Casa Branca? Enquanto isso, o que Miguel Diaz-Canel poderá fazer?
Luciano Vasapollo: «Os eventos internacionais não dependem de indivíduos, mas dos diferentes relacionamentos e das relações de força que se desenvolvem ao nível internacional. Reitero que Miguel Diaz-Canel tentará mostrar a posição pacífica de Cuba, tentando, assim, de criar relações equilibradas com os Estados Unidos. Quero então frisar que as tentativas de iniciar um processo de negociação com os Estados Unidos, sempre foram uma decisão política do povo cubano. Raúl Castro, enquanto Presidente, representou e coordenou essa decisão coletiva do povo. Um processo que se tornou concreto graças, também, à multiplicação das iniciativas de intermediação de muitas entidades internacionais, em primeiro lugar Papa Francisco.
Nesse contexto, as manifestações de solidariedade, realizadas em todo o mundo, foram muito importantes, inclusive porque contribuíram para a libertação definitiva dos cinco heróis cubanos. Infelizmente, depois desse bom começo, Obama quis impor condições impossíveis, enquanto a grande imprensa tentava encurralar o governo cubano, fazendo crer que a normalização das relações entre os dois países já havia sido sancionada, de maneira que em breve o capitalismo poderia voltar em Cuba!
A verdade é que Obama e seus conselheiros nunca deram espaço e nunca aceitaram discutir as principais questões relacionadas com a normalização. De fato, houve, apenas um tímido passo inicial com a reabertura das embaixadas. Porém, o governo dos Estados Unidos nunca se manifestou sobre a questão do Bloqueio econômico e sobre a ocupação do território de Guantánamo. Argumentos que para Cuba são questões centrais “sine qua non”. Portanto, enquanto os Estados Unidos não decidem mudar suas posições, é impossível falar da normalização das relações entre Cuba e os Estados Unidos.
Com Trump, o processo de negociação terminou definitivamente, não porque ele seja um reacionário mau e colérico, mas porque ele representa os interesses de uma parte da burguesia predominante dos EUA. Por outro lado, a Casa Branca pretende endurecer o Bloqueio econômico contra Cuba, porque quer estendê-lo contra a Venezuela se o presidente Maduro ganha novamente as eleições. É, portanto, uma decisão que se enquadra no quadro das ações geoestratégicas que os Estados Unidos estão adotando para voltar a dominar a América Latina, eliminando todos os governos progressistas.
Uma estratégia que, em primeiro lugar impõe a ruptura com Cuba: de fato, para o imperialismo, o processo de negociação com Cuba tornou-se politicamente incompatível com o Impeachment no Brasil, no Paraguai e no Equador e com a sabotagem da economia e as tentativas subversivas na Venezuela. Portanto, tudo depende da vontade dos Estados Unidos!
De fato, a este respeito, o ex-presidente Raúl Castro disse: “… Há um sentimento majoritário na população dos Estados Unidos e também na comunidade cubana no exterior, que é contrário à continuação do Bloqueio econômico e, portanto, favorável a recuperar e a melhorar as relações bilaterais. Infelizmente, os indivíduos e os grupos que exercem grande influência nas decisões do Presidente Trump, estão ligados à programas e projetos hostis e agressivos contra Cuba. […] Hoje, o imperialismo dos EUA cria conflitos, pratica políticas repressivas. […] Usa suas multinacionais e plataformas tecnológicas hegemônicas para impor o “Pensamento Único”, para manipular a conduta dos homens, invadir nossas culturas, apagar a memória e a identidade nacional e também controlar e corromper os políticos e sobretudo manipular as campanhas eleitorais “.
Por isso tudo, dizer que as negociações recomeçarão somente quando os Estados Unidos aceitarem as seguintes regras: 1) Respeito e igual dignidade entre as partes contratantes; 2) Nenhuma renúncia por parte de Cuba em relação a seu projeto de sociedade socialista; 3) Fim imediato do Bloqueio econômico; 4) Devolução integral do território cubano de Guantánamo, onde os EUA construíram a base militar e a penitenciaria».
Achille Lollo — Os primeiros presidentes a encontrar Miguel Diaz-Canel foram o venezuelano Nicolas Maduro e o boliviano Evo Morales. Foi um simples encontro diplomático ou estamos diante de um fortalecimento de uma aliança política, econômica e geoestratégica?
Luciano Vasapollo: «Fiquei encantado ao ver Miguel Diaz-Canel se reunir com Nicolás Maduro, imediatamente após sua eleição e, depois, graças à Telesur, participar do encontro com o presidente boliviano, Evo Morales. Duas reuniões que não são apenas encontros diplomáticos. Eles representam o fortalecimento de uma aliança, política, econômica e geoestratégica. Quer dizer trata-se do fortalecimento da ALBA, da CELAC e da UNASUL, no momento em que o imperialismo norte-americano, depois de ter conseguido desarticular o Mercosul explorando a crise econômica na Venezuela e a política no Brasil com o Impeachment contra Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Lula, agora tenta de quebrar as restantes organizações regionais, criadas pelos países progressistas.
Um fortalecimento que acontece no momento de importantes decisões na América Latina. Refiro-me não só às próximas eleições na Venezuela, onde o PSUV e os partidos que integram a Frente Popular irão certamente vencer, confirmando Nicolas Maduro como presidente e chefe de um governo, cada vez mais determinado em reforçar a soberania nacional e as decisões do povo. Refiro-me também às eleições no Paraguai, onde a oposição, reunida na Frente do GANAR, registrou 47,8%, impedindo assim à direita de ter a maioria absoluta no Parlamento. Refiro-me à situação na Nicarágua, onde as antenas de Langley tentaram pôr em marcha um processo subversivo, manipulando algumas controvérsias com o governo sobre a reforma da lei para as novas contribuições previdenciárias.
Refiro-me à situação do Brasil, onde para dar continuação ao projeto de privatização de todas as riquezas naturais e estruturais em favor das multinacionais, o ex-presidente Lula foi preso e injustamente condenado para impedir sua vitória nas eleições presidenciais de outubro. Refiro-me à situação da Argentina, onde o governo conservador de Mauricio Macri novamente caiu no pântano da recessão. Enfim, refiro-me à situação da Colômbia, onde o acordo de paz com as FARC começa a ser questionado e aquele com o ELN permanece cada vez mais incerto e distante ».
Achille Lollo, (Roma, 1951) é um jornalista e videomaker italiano. Foi correspondente na Itália do jornal brasileiro “Brasil de Fato”. Com o professor Luciano Vasapollo realizou os documentários temáticos sobre Cuba, Venezuela, Argentina e Bolívia. Atualmente está preparando a trilogia “Tupamaros-Montoneros-PRT / ERP” e a longa metragem “Operação Condor, em nome do God Money”. Traduziu o livro sobre Ernesto Che Guevara “Vámonos, nada más …”.