EUA x OMS: mais uma agressão imperialista

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A atitude do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de retirada do apoio financeiro dos EUA à OMS reafirma a postura isolacionista e antimultilateralismo dos Estados Unidos. Demonstra, no fundamental, o seu profundo descaso para com a promoção de políticas mundiais de saúde pública e a recusa em participar de ações internacionais de combate à COVID-19, buscando desqualificar e impor obstáculos às organizações multilaterais como a OMS, as quais podem vir a desempenhar papel mais destacado no cenário pós-pandemia.

A pandemia da Covid-19 revelou a enorme dimensão da desigualdade e da exclusão social do sistema capitalista, agravadas ainda mais pela vigência das políticas liberais vigentes na maioria dos países. Nos Estados Unidos, a chegada do Novo Coronavírus mostrou, com clareza, a precariedade em que vivem dezenas de milhões de trabalhadores que se somam aos milhões de desempregados, muitos dos quais vivem em condição de rua. O Estado americano não dispõe de um sistema público de seguridade social, com previdência, saúde e assistência social. Para quem não dispõe de um plano de saúde, restam apenas as ações de caridade para o acesso ao tratamento. Os elevadíssimos números de infectados e de mortos pela Covid-19, que já superaram os da guerra do Vietnã, são a consequência dessas condições e também, seguramente, do negacionismo inicial de Trump em relação à gravidade da pandemia, seguido pela sua resistência à adoção das medidas necessárias, como o isolamento social, e da precariedade do Estado americano na implementação de procedimentos como a testagem da população, a instalação de hospitais de campanha em larga escala, o provimento da renda mínima e o financiamento das micro e pequenas empresas para a garantia da vida.

A atual explosão de revoltas e protestos massivos em todo o território dos EUA contra o assassinato pela polícia de George Floyd, além de escancarar uma vez mais a enorme indignação de trabalhadores e trabalhadoras norte-americanas contra o racismo estrutural existente no país, demonstra também, neste momento, a insatisfação generalizada da população, com destaque para as camadas mais populares, com a ausência de políticas públicas de combate efetivo à pandemia, de cuidados com a saúde das pessoas e de garantias de emprego e da sobrevivência de todos, à exceção apenas dos grandes empresários e banqueiros.

AMERICA FIRST = LUCROS EM PRIMEIRO LUGAR

A retirada do apoio à OMS repete ações similares do governo estadunidense em esferas multiraterais. Os EUA se retiraram, já no início do governo Trump, do acordo de Paris, de 2015, assinado pela imensa maioria dos países, que estabelece metas para a contenção e a redução das emissões de gás carbônico – CO2 – e outros gases causadores do aquecimento global. A atitude deve-se ao menosprezo e mesmo à negação da gravidade da questão ambiental e, é claro, pelos interesses de setores do empresariado que dão suporte a Trump, como o dos produtores e usuários de carvão, que seriam afetados diretamente por qualquer medida voltada para a redução das emissões. O lema de fato é “America First”, ou, mais precisamente, “Profits First”! (primeiro a América, primeiro os lucros). A vida? Bem, essa vem depois.

O sistema das Nações Unidas foi criado ao final da II Guerra, tendo como fundamentos a garantia da paz e a tentativa de propor um padrão de desenvolvimento econômico e social mais equilibrado para todos os países, conforme Carta elaborada pelos representantes de 50 países presentes à Conferência sobre Organização Internacional, em junho de 1945, ratificada meses depois por China, Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética, bem como pela maioria dos signatários. Os EUA saíram da guerra com enorme poderio econômico e bélico, liderando os países capitalistas. Com este papel hegemônico no interior do bloco capitalista, davam o tom nas instituições multilaterais recém-criadas, que refletiam, também, a nova ordem mundial de então. Essa ordem, marcada logo a seguir pela Guerra Fria, se fazia presente, por exemplo, na formação do Conselho de Segurança da ONU, onde os vencedores da II Guerra, membros natos, detinham o direito de veto. Mais tarde, entretanto, com a ativação da presença da antiga União Soviética nesses espaços, da formação do movimento dos países não-aliados e outros elementos, ocorreu uma alteração na correlação de forças nesses organismos, que passaram a ser mais efetivos nas suas ações pelo voto de significativas maiorias, que derrotaram, em várias ocasiões, os Estados Unidos e seus aliados.

O caso da Unesco é o grande exemplo. Derrotados sistematicamente pela soma dos votos do bloco socialista e o dos não alinhados, além de outros países em desenvolvimento e mesmo de alguns desenvolvidos, a organização passou a realizar ações mais efetivas de alfabetização e apoio à Ciência e à Cultura, com mais recursos nos países em desenvolvimento e com destaque nos países mais pobres da África e Ásia. A reação dos EUA foi a retirada de apoio financeiro à Unesco.

Com o fim da URSS, o sistema Nações Unidas perdeu substância, dada a aparente superação da ameaça de uma nova guerra mundial e a supremacia quase absoluta exercida pelos EUA no início da década de 90, acompanhada pela hegemonia liberal que se alastrava pelo mundo. No entanto, à medida que a Rússia se recompunha, que a União Europeia se consolidava e experiências reformistas-progressistas na América Latina se apresentavam como alternativas ao liberalismo e ao imperialismo estadunidense, um novo quadro de multilateralidade começou a se desenhar, e iniciativas como as conferências ambientais internacionais ganharam força. Os EUA progressivamente foram perdendo influência no cenário internacional, razão pela qual intensificaram as ações militares de agressão a países como Iraque e Síria para tentar garantir seus interesses de acesso a recursos naturais e impor sua presença política.

A ONU, no caso geral, se encontra em estado de ostracismo relativo, não mais dispondo de efetividade na definição dos rumos no planeta. Suas deliberações, em geral, são recomendações e condenações simbólicas, como nos casos das políticas expansionistas de Israel e do bloqueio a Cuba, em que os EUA são constantemente derrotados e contam com poucos votos, inclusive, lamentavelmente, com o voto brasileiro, sob o atual governo ultrarreacionário de Bolsonaro. As demais organizações do sistema fazem um trabalho de auxílio aos países mais pobres, como nos exemplos da Unesco, FAO, OMS e outras, ainda que em escala claramente insuficiente para a superação da miséria, da fome e da falta de perspectivas que predominam em muitas regiões do planeta.

Ao auto-isolamento dos EUA no plano político internacional, imposto pelo governo Trump, se soma o crescimento econômico da China e seu avanço no comércio mundial, onde se impõe frente aos interesses estadunidenses. Com o avanço da Covid-19 e o enorme desgaste para os EUA causado pela revelação de suas debilidades sociais, somado ao papel fundamental que a OMS vem desempenhando na orientação científica e técnica provida para todos os países no enfrentamento à pandemia, comprovando a importância de sua existência, os EUA se isolam ainda mais e tentam se livrar dessa organização, da qual eram os maiores financiadores, com o corte das verbas a ela destinadas. Em resposta à atitude do governo Trump, a China, que era o segundo maior contribuidor à OMS, prometeu doar US$ 2 bilhões nos próximos dois anos para ajudar a combater a Covid-19, especialmente nos países em desenvolvimento. A quantia totaliza quase o orçamento anual inteiro da OMS para um ano, compensando largamente a interrupção do repasse dos EUA, que era de US$ 400 milhões por ano.

Ao mesmo tempo, o enorme sucesso da China no combate à pandemia e sua atitude de assumir um papel mais forte nas relações internacionais podem levar à criação de condições para o avanço da multilateralidade no cenário mundial pós-pandemia, com a reconfiguração do sistema das Nações Unidas que reflita essas mudanças.

Secretaria de Relações Internacionais do PCB