A mulher e o trabalho em Cuba

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Por Carollee Bengelsdorf e Alice Hageman, traduzido por Nicolas de Oliveira Farias

Trecho do livro “Patriarcado capitalista e o caso em favor do feminismo socialista” (Capitalist Patriarchy and the Case for Socialist Feminism, 1978, Monthly Review Press, inédito em português).

Colonialismo e neocolonialismo, por definição, devem impor distorções tanto nas estruturas da sociedade subjugada quanto nas mentes e pessoas que nela vivem. Se a estrutura de classe que existe em qualquer sociedade colonizada é pervertida para refletir os interesses do colonizador, da mesma maneira, a estrutura patriarcal é distorcida similarmente. A maneira pela qual o imperialismo tem empregado tradicionalmente a estrutura patriarcal dos países vítimas para seus próprios interesses é um estudo que ainda precisa ser realizado. Se, no entanto, nós aceitarmos a noção de que “a mulher é o produto mais deformado da sociedade baseada em classes,” então a situação da mulher na sociedade colonizada e neocolonizada é ainda mais deformada, ainda mais complexa [1].

Essa complexidade é a herança da mulher na Cuba revolucionária. Que a chegada da revolução, a destruição sistemática das estruturas econômicas e políticas criadas pelo neocolonialismo para se sustentar, significou uma mudança profunda nas vidas das mulheres está além da dúvida. É preciso apenas olhar para as estatísticas para pensar o que o cuidado médico gratuito, educação gratuita, moradia gratuita e um sistema legal moldado e crescendo a partir das necessidades específicas significaria para suas próprias vidas. É preciso apenas conversar com qualquer mulher cubana de quarenta e cinco anos, para observar seus olhos enquanto ela examina a diferença entre sua vida antes de 1959 e sua vida agora, enquanto ela descreve seu orgulho pelo que ela e seus vizinhos viram passar por eles, moldado pelas suas próprias mãos e seus esforços. É preciso apenas passar tempo com qualquer mulher Cubana de vinte anos para entender que ela é completamente livre de áreas de conflitos (a ansiedade da dependência econômica do homem, por exemplo) que nós mesmas nunca iremos superar totalmente.

Que a opressão ainda existe está além de dúvidas, é óbvio em quase todo aspecto da vida da mulher cubana. A mesma mulher que dirige um trator ou estuda em uma escola de engenharia de açúcar deve confrontar diariamente a imposição possessiva de uma dúzia de machos comentando cada vez que ela anda na rua. Uma Heroína Nacional do Trabalho, quem cortou mais de um milhão de libras de cana de açúcar, irá sofrer com a forma e a condição de suas unhas. O aniversário do ataque em Moncada, o ataque que lançou a fase final da luta revolucionária cubana, ainda é celebrado como algo parecido com um concurso de beleza para escolher a “estrela” feminina da celebração e sua corte.

A sociedade socialista é, por sua definição, uma sociedade em transição: é o período durante o qual os vestígios da estrutura de classe que a precede devem ser destruídos. E em um país subdesenvolvido como Cuba, deve ser também, o período durante o qual a abundância material na qual o comunismo se baseia é criada. Mas a opressão que continua a existir em Cuba não é simplesmente o resultado da transição ao socialismo em um país subdesenvolvido. A experiência cubana demonstra para nós, na prática, que a destruição sistemática das bases do capitalismo não significa por si só, o fim do nexo patriarcal que sustentou essas bases. Isso demonstra, em termos humanos, a complexidade do processo de erradicar a parafernália do patriarcado. E isso demonstra, também, que apenas quando os fundamentos do capitalismo se forem pode ser lançado um ataque frontal à opressão da mulher. Nas páginas que se seguem, nós tentamos examinar de perto as mudanças que tomaram lugar em um aspecto das vidas das mulheres: sua participação na força de trabalho [2].

Em 1969 e 1970, durante o período das dez milhões de toneladas de colheita de açúcar, painéis publicitários e paredes proclamavam, em negrito, “Mulheres: A Revolução dentro da Revolução!” e “A Revolução das Mulheres é Maior do que a própria Revolução”. Esses cartazes foram parte de um esforço massivo, liderado pela Federação das Mulheres Cubanas (FMC), para encorajar as mulheres a incorporarem a si mesmas na força de trabalho. Os cartazes, e mais fundamentalmente o próprio esforço, refletiu muitas correntes complementares de pensamento e ação do processo revolucionário cubano.

Houve e há escassez de mão de obra em Cuba. Durante a colheita de 1970 foi abundantemente claro que cada par de mãos era essencial. No entanto, o objetivo da colheita não foi simplesmente acumular dez milhões de toneladas de açúcar: nenhuma das grandes mobilizações empreendidas desde a revolução possuía um objetivo único. O propósito desse esforço, em outro nível, foi precisamente usar a colheita para começar a atrair mulheres de suas casas para locais de trabalho em grande número. Por quê? Aqui algumas das premissas centrais do processo revolucionário cubano se tornam claras.

Cuba ainda está lutando uma maneira de sair do subdesenvolvimento. Nessa batalha de criar abundância material, seu principal recurso é seu povo. Uma mulher, ou qualquer ser humano em Cuba, não pode se sentir totalmente parte dessa sociedade, a menos que ela esteja totalmente engajada, física e mentalmente, na árdua luta diária e coletiva para superar o subdesenvolvimento. Tampouco pode superar um tipo de subdesenvolvimento pessoal em se sua vida estiver limitada pelas quatro paredes de sua casa, ou mesmo pelos limites mais amplos de sua vizinhança. Os cubanos mantêm uma crença fundamental, emergindo da prática, de que os seres humanos somente podem realizar-se através do trabalho, criativo e produtivo, apenas através do uso e do desenvolvimento da capacidade que reside dentro de si. Sob o socialismo, Che escreveu, o trabalho adquire “uma nova condição”. É através do trabalho, através “de uma contribuição para a vida da sociedade em que ele reflete … que o homem alcança total consciência do seu ser social, o que é equivalente a sua completa realização como ser humano.” [3] As mulheres representam 49% da população em Cuba. A revolução não pode prosperar em criar abundância material e transformar a consciência humana a menos que esteja totalmente integrada nesses esforços para criar uma nova pessoa e uma nova sociedade. As mulheres precisam crescer com a revolução, ou tanto a Revolução cubana e as mulheres cubanas irão sofrer.

As barreiras para essa realização social e individual são formidáveis, e elas não são todas no passado. Elas abrangem não apenas a posição histórica da mulher cubana antes da revolução, mas também o fato material do subdesenvolvimento e a persistência de atitudes profundamente embutidas na sociedade colonial e neocolonial, atitudes mantidas tanto por homens como mulheres.

A miséria e a privação que as mulheres cubanas sofreram tanto dentro da força de trabalho como fora antes da revolução, eram parte da miséria sofrida pela sociedade como um todo. Em toda parte do país em 1958 mais de 600.000 pessoas, ou 28% da força de trabalho, estava desempregada ou subempregada [4]. Elas formavam uma oferta permanente de mão de obra para as grandes empresas estrangeiras que dominavam a economia da ilha.

De acordo com o senso de 1953, apenas uma a cada sete mulheres trabalhavam fora de suas casas. Aquelas que o faziam era sem necessidade. As esposas e filhas de desempregados e subempregados, de trabalhadores e camponeses, trabalhavam quando a sobrevivência da família dependia disso. Os trabalhos que elas poderiam obter eram extremamente limitados. As mulheres na Cuba pré-revolucionária, como em qualquer lugar no mundo capitalista, preencheram os níveis mais baixos do exército de trabalhadores de reserva. De fato, as mulheres entraram pela primeira vez na força de trabalho industrial apenas com o desaparecimento da escravidão. Como um etnologista cubano Fernando Ortiz notou:

Foi no fim da guerra dos Dez Anos que pela primeira vez a mulher foi trabalhar em uma fábrica em Havana… A partir desse momento as mulheres passaram a formar parte do proletariado fabril. Quando a escravidão, que foi abolida em 1880, estava dando seus últimos suspiros, a ganância industrial, incapaz de depender mais do trabalho escravo, mas incapaz de pagar os salários de homens livres, criou o proletariado feminino, que é mais barato [5].

Em 1953, os principais setores industriais abertos ao emprego feminino eram tabaco (onde as mulheres constituíam 35% dos trabalhadores) e têxtil (onde as mulheres eram 46%) [6]. Muitas mulheres—70.000—poderiam conseguir emprego apenas como trabalhadoras domésticas. Essas mulheres eram pagas entre cinco e trinta pesos por mês (um peso era equivalente a um dólar).

Como resultado dos baixos salários, o trabalho doméstico era frequentemente o prelúdio para a prostituição. C. Wright Mills reportou a observação de um revolucionário cubano que ninguém sabia quantas de suas irmãs foram prostitutas em Cuba durante os últimos anos da tirania Batista. Em Havana [em 1957] havia cerca de 270 bordéis superlotados, havia dezenas de hotéis e motéis alugando quartos por uma hora, e havia mais de 700 bares congestionados com meseras — ou recepcionistas — o primeiro passo para prostituição. Havia cerca de 12 meseras para cada bar e cada uma ganhava do bar cerca de $2.25 por dia. Os empregadores e os distribuidores do Governo ganhavam cerca de $52 por dia [7].

A manutenção de um exército de trabalhadores requeria pouca contribuição educacional. As mulheres, no nível mais baixo desse exército, requeriam ainda menos. O nível em que a educação era fornecida para as mulheres assegurava que elas não deixariam seus papéis designados. O censo de 1953 registrou que mais de uma a cada cinco mulheres não sabia ler nem escrever: nas áreas rurais, esse número saltava de duas a cada cinco. Um terço das garotas de dez anos não estavam na escola no momento do censo, e apenas uma a cada cem possuía alguma educação universitária.

O colonialismo e o neocolonialismo haviam equipado as mulheres para serem servas ignorantes em suas casas e nas casas de outros.

As mulheres que se rebelaram contra seu destino, que incorporaram a si mesmas dentro do longo processo revolucionário ajudaram a derrubar essa estrutura de exploração e opressão. Mas foi apenas com a destruição da velha ordem política e econômica, começando em escala nacional em 1959, que a possibilidade para a mudança concreta na posição de todas as mulheres começou a emergir.

As mulheres em Cuba entraram na revolução como pessoas que eram duplamente exploradas; como trabalhadoras e como mulheres. O seu nível de educação e treinamento era mínimo. Tabus antigos as instruíram a permanecer em casa. A calle, ou a rua, era considerada a província do homem e a casa o lugar da mulher. Finalmente, havia uma suposição de que todo trabalho relacionado ao lar e às crianças precisava ser feito pelas mulheres. Durante os primeiros cinco anos da revolução, de 1959 a 1963, muita atenção centrou-se na superação dos efeitos dessa dupla exploração. Esforços para elevar o nível das mulheres em conhecimento geral, habilidades básicas e consciência política levaram ao desenvolvimento de novos programas [8]. Cerca de 20.000 empregadas compareceram às Escolas Especiais para o Avanço das Empregadas Domésticas, que foram estabelecidas em Havana em 1960; muitas foram para o Centro de Assistência à Infância. Outras fizeram cursos de educação geral em escolas noturnas, que incluíam taquigrafia e digitação, e cursos preparando para tarefas específicas na administração e comércio. A Escola Ana Betancourt para Garotas Camponesas trouxe milhares de mulheres de áreas remotas de Cuba para Havana por um ano para aprender habilidades básicas de costura e educação básica.

Embora algumas mulheres foram treinadas durante esse período para empregos tradicionalmente não femininos, como condução de ônibus, as mulheres no geral foram canalizadas dentro de áreas e tipos de trabalho historicamente associada às mulheres. Esses esforços, no entanto, não podem ser descartados imediatamente. A revolução estava concentrando recursos escassos e muito esforço dentro da alteração, o mais rápido possível, diante dos preconceitos existentes, que mulheres ou suas famílias aceitassem prontamente tipos de trabalhos radicalmente diferentes. Não obstante, os padrões da divisão sexual na força de trabalho não foram desafiados fundamentalmente naqueles primeiros anos.

Por volta de meados de 1960, o objetivo de fornecer às mulheres educação básica estava perto de ser alcançado. A Escola Ana Betancourt foi transformada em 1963 em uma escola unificada de nove séries. As Escolas para Empregadas Domésticas foram substituídas por programas educacionais operados pela FMC com base na vizinhança ao invés de uma ocupação pré-revolucionária. Durante este mesmo período, as velhas estruturas da discriminação em todo o sistema educacional estavam sendo sistematicamente derrubados, fornecendo acesso para mulheres que sempre estiveram em casa em treinamento e conhecimento que poucas, se houver, poderiam ter aspirado antes da revolução. Durante a Campanha de Alfabetização de 1961, que reduziu o analfabetismo de 23% para 3.7%, 56% daquelas que aprenderam a ler e escrever eram mulheres. As mulheres foram então encorajadas a continuar com seus estudos. Meninas que, antes da revolução, podiam aspirar pouco mais do que habilidades literárias básicas foram incorporadas em todos os níveis do sistema educacional. Em 1970, as mulheres compunham 49% de estudantes da escola elementar de Cuba, 55% de estudantes do ensino médio e 40% de estudantes do ensino superior [9].

A criação em 1964 de uma Secretária de Produção na FMC marcou uma mudança de ênfase. Como os meios para proporcionar às mulheres desfavorecidas educação básica e/ou novas habilidades se tornaram cada vez mais difundidos, foram realizados esforços sistemáticos para incorporar as mulheres dentro da força de trabalho. Embora tenha havido algum progresso lento, mas constante nessa área ao longo da década de 1960, foi através dos preparativos da colheita de 1970 que aconteceu uma mudança qualitativa na orientação para as mulheres e o trabalho.

Durante o período 1969-1970, centenas de milhares de mulheres participaram como voluntárias na mobilização de todo o país. Para algumas, esse foi seu primeiro trabalho fora de casa; para outras, essa experiência forneceu a ponte entre trabalhar fora de casa temporariamente e ser incorporada dentro da força de trabalho por tempo integral.

De 1969 em diante, as lideranças revolucionárias planejaram recrutar cerca de 100.000 mulheres dentro da força de trabalho a cada ano.

No começo da década de 1970, ficou clara a suposição por trás desse esforço para aumentar amplamente o recrutamento de mulheres: eventualmente, todas as mulheres seriam trazidas de suas casas para o trabalho socialmente produtivo. Essa expectativa foi articulada na lei da ociosidade, que entrou em vigor em março de 1971. Vale a pena citar seções relevantes da lei:

Artigo 1: Todos os cidadãos que são física e mentalmente capazes têm o dever social de trabalhar.

Artigo 2: Todos os homens de 17 a 60 anos e todas as mulheres de 17 a 55 anos são presumivelmente capazes de trabalhar.

Artigo 3: Todos os cidadãos do sexo masculino em idade ativa que estão aptos a trabalhar e não frequentam nenhuma das escolas de nosso sistema nacional de ensino, mas que são completamente divorciados de qualquer centro de trabalho, são culpados do crime de vadiar.

A lei deixa de torná-lo um crime se as mulheres não trabalham. mas sua direção é clara e as discussões que provocou tornaram isso óbvio. O Granma de 14 de março de 1971 relatou que durante as discussões da lei, uma das mudanças propostas, mas não adotadas, era “que seja aplicado às mulheres solteiras que não nem estudem nem trabalhem”. Alguns centros de trabalho recomendaram que o peso total da lei seja aplicado as mulheres.

No começo da década de 1970, a força de trabalho feminina cubana podia ser caracterizada por vários traços. Primeiro, cresceu enormemente em número. Em 1974, as mulheres compunham 25,3% de um total que trabalhavam, mas não tinham estudo. Alguns centros de trabalho recomendam que todas se envolvam em trabalhos assalariados fora de casa [10]. 70% das mulheres cubanas tinham se juntado à força de trabalho nos anos posteriores ao triunfo da revolução.

Segundo, as mulheres tendiam a se concentrar nesses setores em que elas geralmente trabalhavam antes: em particular, educação, saúde, administração e indústria leve [11]. Em geral, então, muito do trabalho que as mulheres estavam fazendo podia ser visto como uma extensão das funções femininas dentro de casa. Havia, é claro, exceções. Uma grande quantidade de publicidade havia sido dada para as mulheres que trabalhavam em empregos que eram tradicionalmente trabalhos do homem, como o corte de cana. Entretanto, a divisão sexual do trabalho recebeu reforço em vários níveis. Em certas áreas, como a creche, o que tinha sido uma necessidade nos primeiros anos da revolução foi para escalado para o nível da teoria. O fato de que aqueles que trabalhavam diariamente em contato direto com crianças eram mulheres começou a ter uma justificativa “científica”: as crianças precisavam de nutrição feminina. Era “apenas natural” que as pessoas que principalmente cuidavam das crianças nas creches deviam ser mulheres.

A divisão sexual do trabalho recebeu reforço da lei com as resoluções 47 e 48 emitidas pelo Ministério do Trabalho em 1968. As resoluções reservaram cerca de 500 categorias de trabalho especificamente para mulheres e proibiram as mulheres de entrarem em igual número de profissões. As resoluções foram justificadas pelas lideranças revolucionárias com várias bases. Essencialmente, foi argumentado que eles trabalhavam para combater o preconceito contra a contratação de mulheres, garantindo-lhes que certas áreas de trabalho estariam abertas a elas. Ao mesmo tempo, na época crítica da colheita de dez milhões de toneladas, eles liberaram os homens para fazer outros, presumivelmente mais exigente fisicamente, trabalhos em outras áreas da economia. Foi ainda afirmado por alguns que as resoluções ajudaram psicologicamente a facilitar a entrada das mulheres na força de trabalho, garantindo-lhes que não seriam solicitadas a fazer certos tipos de trabalho. Qualquer que seja a justificativa, pelo menos um efeito das Resoluções 47 e 48 foi o de sublinhar e fortalecer as noções de uma divisão sexual “natural” do trabalho.

Finalmente., embora as mulheres estivessem em grande número deixando suas casas e entrando na força de trabalho, elas também estavam deixando a força de trabalho a retornando para suas casas em uma taxa alarmante. Por exemplo, durante os três últimos meses de 1969, 140.000 mulheres foram incorporadas na força de trabalho. Cerca de 110.000 dessas mulheres ainda estavam trabalhando até o fim de 1960. Isso representou um ganho líquido de, no entanto, apenas 27.000 para aquele período, já que, ao mesmo tempo, outras 80.000 mulheres haviam deixado o trabalho [12]. Para o período inteiro de 1969 a 1974, foi estimado que mais de 700.000 mulheres haviam sido recrutadas para a força de trabalho a fim de obter um ganho líquido de quase 200.000 mulheres trabalhadoras [13].

Uma das razões para esse alto índice de evasão é que os vestígios dos tabus antigos não foram erradicados completamente. No Décimo Terceiro Congresso dos Trabalhadores Cubanos em novembro de 1973, Fidel apontou que:

custa muito treinar uma enfermeira! custa muito treinar uma professora! Todos esses anos de ensino fundamental, ensino superior. E que necessidade nós temos de professoras! Mas se um jovem ganhava um bom salário e se casava com a professora, dizia a ela: “Não vá trabalhar, não precisamos do dinheiro”. E o país perde uma boa professora. Perde uma boa enfermeira. Claro, quando o país perde uma professora ou uma enfermeira não foi só razões econômicas, é todo o resíduo masculino chauvinista e machista e todas essas coisas que ainda fazem parte de nós.

Mas como um fenômeno muito difundido, a flutuação nos padrões de trabalho das mulheres deve ser atribuída à existência de um “segundo turno”. Algumas mulheres interpretaram a afirmação de Fidel em 1966 de que “as mulheres em uma revolução social deveriam ser duplamente revolucionárias”, significando que deveriam assumir o duplo papel de trabalhadora e dona de casa, e de fato descreviam a si mesmas orgulhosamente como “duplamente revolucionárias”. Outras ficaram desanimadas ou vencidas pelo cansaço e deixaram seus empregos. Em uma fábrica de sapatos de plástico próximo de Havana, por exemplo, muitas mulheres pararam de trabalhar; sua principal queixa era a depressão. Seus maridos recusavam-se a ajudar com as tarefas domésticas e elas estavam preocupadas com o cuidado que seus filhos estavam recebendo [14].

Apesar do esforço para aumentar o número de mulheres na força de trabalho, é claro que não houve nenhum esforço correspondente para colocar os homens na cozinha. Embora houvesse referências dispares ao longo dos anos à questão das responsabilidades no lar por parte da liderança revolucionária (esmagadoramente masculina), não havia nenhum desafio real para a suposição de que lavar roupa, cozinhar e cuidar de crianças eram trabalho exclusivamente feminino. A expectativa era firme de que as mulheres seriam dispensadas das “mil trivialidades sem importância” na medida em que o Estado poderia assumir e coletivizar essas responsabilidades [15]. Em condições de subdesenvolvimento, isso inevitavelmente significou um “segundo turno” de fato para a maioria das mulheres que trabalham. Dado a escassez de recursos, os serviços completos necessários para aliviar as mulheres das tarefas domésticas não poderiam ser simplesmente providenciados.

Essa situação tornou-se cada vez mais óbvia com um exame das posições de liderança, tanto no local de trabalho como na vanguarda e organizações de massas. No local de trabalho, era evidente que se as mulheres precisassem pegar as crianças na creche, ir às compras ou lavar as roupas, ir para casa cozinhar a janta e cuidar de outras tarefas domésticas, elas teriam dificuldades em permanecer horas extras em seus locais de trabalho para comparecer a assembleias ou cursos de aperfeiçoamento ou realizar trabalho voluntário. Medidas internas, como a decisão tomada no Décimo Terceiro Congresso do Sindicato Cubano para conceder automaticamente as mães trabalhadoras um trabalho de mérito, não vai de nenhuma maneira ao cerne do problema [16]. As mulheres trabalhadoras tiveram menos chance tanto para desenvolver e demonstrar atitudes e habilidades que levavam a promoção de posições de liderança. Essas dificuldades são demonstradas amplamente pelo número de mulheres trabalhadoras em posições de liderança, mesmo em setores da economia onde as mulheres são concentradas. Em nenhum dos nove principais setores empregando mulheres a porcentagem de mulheres em posições de liderança chega perto da porcentagem de mulheres que trabalham nesse setor.

Dentro dos ramos de diversas indústrias, há também uma subrepresentação das mulheres em posições de liderança. No Ministério de Indústrias Leves, por exemplo, as mulheres representam 77,6% da força de trabalho nos ramos produzindo artigos prontos. No entanto, elas compreendem apenas 51,9% das lideranças nestes ramos. Em Artes Gráficas, 24,6% da força de trabalho e apenas 7,9% das lideranças são mulheres [17].

O Partido Comunista em Cuba toma as decisões fundamentais sobre a direção da revolução. As dificuldades que as mulheres têm em entrar e permanecer na força de trabalho, e então participar completamente em seus centros de trabalho, inibe muito suas chances de se tornar membros do Partido e, portanto, participar nos níveis mais altos, na tomada de decisões críticas. O Partido em Cuba representa, como os cubanos o veem, a vanguarda da classe trabalhadora, a grande maioria da população. Seus membros são aqueles julgados com o maior grau de “consciência” revolucionária. Portanto, é nos locais de trabalho que são nominados os potenciais membros do Partido em Cuba. Claramente, se 25,3% da força de trabalho são mulheres, a possibilidade para filiação partidária feminina refletindo população feminina total já é limitada. E se as mulheres trabalhadoras são limitadas em suas habilidades para engajar totalmente em seus locais de trabalho, é improvável que a filiação partidária reflita até mesmo essa força numérica na força de trabalho. E de fato, apenas 13,23% dos militantes do Partido são mulheres [18].

Quando as posições de liderança das organizações de vanguarda são examinadas, uma desproporção ainda mais severa é evidente. No Partido, 2,9% das lideranças municipais nacionais são mulheres. Não há mulheres no bureau político, nem no secretariado, dois órgãos que dão continuidade ao trabalho diário do Partido. De 112 membros do Comitê Central, cinco são mulheres (quatro dos doze suplentes são mulheres) [19].

Pode ser suposto que a subrepresentação desproporcional das mulheres, tanto como membros e como lideranças, seria menor na União da Juventude Comunista (UJC), já que a maioria dos membros nasceram dentro da revolução e se formou dentro de suas estruturas, ao invés de dentro das estruturas do passado. É de fato menor, mas a organização ainda é dominada por homens: cerca de 29% dos membros da UJC são mulheres; as mulheres compreendem 22% das lideranças municipais e 10% das lideranças nacionais. Mesmo nas organizações de bairro—os CDRs, que são formados por aqueles que residem em uma área delimitada—as mulheres representam 50% dos membros, mas compreendem apenas 7% da liderança municipal do CDR e 19% da liderança nacional.

Problemas com a promoção das mulheres a posições de liderança são evidentes até mesmo dentro da Federação das Mulheres Cubanas (o FMC). Quando a promoção envolve uma mudança de residência, especialmente no caso de mulheres casadas, surge toda uma série de dificuldades, que tem, de acordo com a fontes do Partido, provado ser “verdadeiramente insolúvel”. Esses problemas decorrem da incapacidade do marido, da família ou do centro de trabalho do marido de levar a sério a importância do trabalho das mulheres em questão [20].

Em uma tentativa de compreender mais precisamente as razões para essa alta subrepresentação das mulheres entre as lideranças de todas as organizações importantes da sociedade, uma pesquisa foi feita, sob os auspícios da Confederação dos Trabalhadores Cubanos (CTC), em 211 centros de trabalho por todo o país. Ao todo, 5.168 trabalhadores, tanto homens como mulheres, foram convidados a citar os principais fatores inibindo maior participação feminina [21]. Cerca de 85.7% citaram as obrigações domésticas das mulheres como fator principal (É interessante notar que 51.5% viram o “baixo nível cultural” das mulheres como um fator. No entanto, de acordo com os cálculos feitos pelo Congresso do Partido, as mulheres trabalhadoras em Cuba alcançaram, em média, um nível educacional maior que os homens) [22].

Segue-se logicamente que, quando se tratava de nomear e eleger candidatos para as estruturas governamentais recém organizadas, as mulheres seriam subrepresentadas. As novas estruturas foram criadas primeiro na província de Matanzas em 1974. A porcentagem das mulheres nominadas, nas reuniões de bairro foi 7.6%, a porcentagem eleita foi 3%. Quando as mulheres em Matanzas foram questionadas se estariam dispostas a servir caso fossem eleitas, 54,3% disseram que não. A maioria citou “tarefas domésticas e cuidado das crianças e marido” como obstáculo fundamental [23].

A revolução não se preocupou com esses problemas. No local de trabalho, diversas estruturas foram criadas para aliviar as tensões associadas com a mudança da coso para a calle. Organizações e seções de organizações emergiram desde 1969 cujo objetivo é confrontar o problema de manter as mulheres no local de trabalho. Em 1969, o Fronte Feminino foi incorporado dentro da estrutura sindical. No final daquele ano, “Comissões de Resgate” em diversos locais de trabalho foram constituídas através do esforço conjunto do CTC, o Ministério do Trabalho e do FMC. Essas comissões têm a responsabilidade de providenciar ajuda, tanto material quanto psicológica, para mulheres que foram designadas para cargos inferiores em seus locais de trabalho devido ao seu nível de escolaridade. Em novembro de 1970 a Comissão de Incorporação e Permanência, composta de representantes do Partido, do Ministério do Trabalho, do CTC e do FMC, foi estabelecida com atividades visando, também, alcançar a permanência das mulheres na força de trabalho [24].

Além disso, o número e a variedade de instalações que atendem às famílias das mulheres trabalhadoras têm aumentado constantemente em quantidade e variedade. Em 1974 haviam 642 creches em operação, cuidando de mais de 55.000 crianças. O número de centros é ainda insuficiente. O plano econômico para 1976-1980 contém provisões para construção de cerca de mais 400 creches, o que permitirá uma capacidade e 150.000 crianças [25]. Mesmo isso não atenderá ao nível da necessidade. As vagas nas creches são destinadas exclusivamente aos filhos das trabalhadoras. Em 1973 apenas 16% dessas crianças poderiam ser acomodadas e havia uma lista de espera de 19,000 [26].

A maioria das mulheres que trabalham e cujos filhos ainda não têm acesso à creche faz uso de várias estruturas de tipo de família extensa: avós, outras parentes mulheres ou mulheres amigas próximas que não trabalham. Em algumas dessas áreas rurais onde as creches não estão prontamente disponíveis, as mulheres organizaram por si mesmas “creches de guerrilha”. Os grupos de mulheres alternam a responsabilidade de cuidar das crianças ou designam uma delas para assumir a responsabilidade, de modo que as restantes ficam livres para participar no trabalho agrícola.

O Plano Jaba ou Plano Jaba de Compras concede a qualquer membro da família de uma mulher que trabalhe serviço prioritário em sua mercearia local, desde que não haja nessa família adultos sãos que não trabalhem nem estudem. Em 1974, 144,934 famílias de trabalhadoras beneficiavam-se do plano. As famílias tinham duas opções. Elas podiam escolher o plano “pré-despacho”, o que significa que eles deixam uma lista em sua loja local pela manhã e pegam suas compras naquela noite. Ou elas podem optar por um “despacho intermediário,” o que significa a pessoa fazendo compras tem o direito de ir para a frente da linha em cada balcão. O Plano Jaba foi organizado e é operado pelos membros da FMC, que é por mulheres e está constantemente sujeito a revisões. A cada dois ou três meses, os CDRs realizam reuniões de controle da comunidade para criticar e sugerir mudanças nos serviços públicos, incluindo o Plano Jaba.

Um número cada vez maior de locais de trabalho está oferecendo serviços de lavanderia para seus trabalhadores. Serviços de lavanderia sugere mais do que máquinas e espuma de sabão. Isso implica a construção de construções, a provisão de caminhões para o transportar a lavanderia e o emprego de trabalhadores para operar o serviço. Embora a qualidade do serviço esteja melhorando constantemente, operações regulares ainda são difíceis, especialmente fora de Havana. Em Santiago, por exemplo, o tempo desde a entrega até a devolução pode variar até cinco ou dez, ou quinze dias, devido principalmente a escassez de veículos para transporte. Em uma sociedade onde nenhum possui um armário cheio de roupas, um serviço de lavanderia que pode levar quinze dias não elimina a lavanderia das tarefas domésticas, e desse modo do trabalho das mulheres.

Mulheres trabalhadoras têm acesso preferencial a uma variedade de outros bens e serviços. Dias especiais unicamente para mulheres trabalhadoras são parte da libreta regular, ou livro de racionamento, cronograma. Esses são os dias quando novas seleções mercadorias vai a venda; desse modo, as mulheres trabalhadoras recebem primeira escolha. Muitas vezes passa vitrines contendo mercadorias marcadas “esses artigos estão a venda apenas para mulheres trabalhadoras.” Lojas são abertas por todo o dia e noite, para que as mulheres possam comprar independente das horas de trabalho.

Mais e mais refrigeradores, panelas de pressão e eletrodomésticos pequenos que ajudam nas tarefas domésticas estão sendo distribuídos através dos sindicatos nos locais de trabalho, com prioridade dada as mulheres trabalhadoras. As mulheres trabalhadoras recebem acesso preferencial em lavanderias, sapatarias, alfaiates, cabeleireiros e consultas médicas, assim reduzindo ainda mais a quantidade de tempo que elas devem gastar esperando na fila.

Esforço também foram feitos para facilitar a acessibilidade ao local de trabalho, para reduzir a distância que as mulheres devem viajar. Novos projetos habitacionais foram construídos ou têm planos para construir, centros de trabalho facilmente acessíveis predominantemente para as mulheres. Uma fábrica de sapato de plástico composta por 400 trabalhadores, 245 dos quais são mulheres, foi construída próxima do Distrito Jose Marti em Santiago; 85% das 245 trabalhadoras vivem em Jose Marti. Uma fábrica têxtil para ser operado principalmente por mulheres está em processo de construção na nova cidade de Alamar.

Diversas considerações emergem claramente de um exame desses esforços. Primeiro, não há dúvidas que a revolução está comprometida em providenciar, o mais rápido possível, as instalações para aliviar ao máximo a carga individualizada das tarefas domésticas. Mas os recursos materiais têm estado extremamente limitados. Por exemplo, no começo da década de 1970, os cubanos lançaram grandes campanhas para construir novas casas e escolas. Os resultados já são impressionantes. Em 1974, foram construídas habitações para 13.000 pessoas na nova cidade de Alamar e 150 escolas estavam em operação no interior. Mas esses projetos recorrem fortemente a recursos físicos, como cimento ou equipamento pesado, os mesmos recursos necessários para construir creches ou lavanderias. A escassez de habitação é severa. Escolas no interior fornecem a consolidação para uma socialização mais revolucionário da próxima geração, tanto de homens como mulheres. Como alguém pode dizer que as creches ou melhores serviços de lavanderia devem ter prioridade maior agora?

Além disso, enquanto a coletivização das tarefas domésticas no setor público é necessária e potencialmente libertadora, enquanto as mulheres continuarem a suportar o fardo opressor das tarefas restantes, o fato de que elas podem ir agora para a frente da fila da mercearia dificilmente resolve o problema. Enquanto a noção de que o Estado está libertando as mulheres deste trabalho, em vez de pessoas, as tarefas que restarem descoletivizadas irão recair inevitavelmente nas mãos e nos ombros das mulheres. Ademais, se essas velhas ideias sobre o que é responsabilidade das mulheres não forem erradicadas e destruídas, as pessoas que irão realizar essas tarefas domésticas que o Estado presumivelmente assumirá serão provavelmente mulheres. Desse modo, a coletivização das tarefas reforça ao invés de destruir a divisão sexual do trabalho.

Nesse contexto, a série recente de eventos e empreendimentos no que diz respeito à posição da mulher assume um significado particular. Esses eventos parecem indicar que a liderança revolucionária (ainda predominantemente masculina) deu um salto qualitativo e, pela primeira vez, deu início a uma campanha conjunta em nível nacional contra alguns dos aspectos mais fundamentais da herança do patriarcado. O primeiro grande evento relacionado dizia respeito às Resoluções 47 e 48. Em 1973, no Décimo Terceiro Congresso do Sindicato Cubano, foi afirmado que nem as mulheres nem os homens devem ser impedidos de fazer qualquer tipo de trabalho exigido pela revolução (dentro dos limites das considerações de saúde) e que, portanto, as resoluções deveriam ser “reconsideradas.” Essa posição foi reenfatizada no Congresso Nacional da Federação das Mulheres (a FMC), em dezembro do ano seguinte. A FMC emitiu uma chamada para o estudo da resolução 48, a resolução que proibia a mulher de ocupar certos trabalhos:

Nós consideramos que o conceito “proibição” implica discriminação tanto para homens como para mulheres; desse modo, nós propomos, no caso de tais empregos, que sejam explicadas à mulher as condições e riscos que acarretam e que seja dela a decisão de ocupar ou não o posto de trabalho [27].

O principal impulso sistematizado de esforços, no entanto, centrou-se na questão do “segundo turno”. A emissão do Código da Família no verão de 1974 precisa ser examinado nessa estrutura. O Código da Família afirma claramente e inequivocamente, que em lares onde ambos os parceiros trabalhem, ambos devem compartilhar igualmente a responsabilidade das tarefas relacionadas ao cuidado da casa e a criação das crianças. Desse modo, dá força de lei à noção de responsabilidade compartilhada.

Mas o significado do código também tem dimensões mais amplas. Em Cuba, toda lei proposta é primeiramente discutida e modificada nas reuniões de cada organização de massa, tanto no local de trabalho como nos bairros, antes de entrar em vigor. De acordo com vários relatos, as discussões do Código da Família foram interessantes pelo que não foi dito, bem como pelo que foi dito. Nenhum homem se levantou para se opor às partes que estipulam igual responsabilidade no lar. Isso, é claro, não significa que todos os homens cubanos concordaram com isso. O que isso significa é que os homens reconheceram publicamente a justiça social das disposições, mesmo que, em sua vida privada, não tivessem intenção de cumpri-las. O Código da Família tornou-se lei no Dia Internacional das Mulheres em 1975. A leitura dessas seções que lidam com a responsabilidade igual no lar e com respeito às crianças agora é procedimento padrão nas cerimônias de casamento.

Ao mesmo tempo que o Código da Família estava sendo considerado, as mulheres por toda Cuba estavam se organizando para o Congresso de 1974 da FMC, mencionado acima. Esse esforço envolveu inúmeras discussões de questões relacionadas às mulheres na força de trabalho. Dessas discussões surgiu uma série de sugestões para expandir e melhorar os serviços assumidos pelo estado, que não desafiam intrinsecamente a noção de segundo turno. As resoluções do Congresso exigem:

1. Aumentar a participação das mulheres trabalhadoras em cursos de qualificação e requalificação, montando aulas durante o horário de trabalho sem prejuízo de remuneração.

2. Ampliar e melhorar instalações de lavanderia e lavagem a seco.

3. Ampliar o sistema de vendas para mulheres e estudar horário de abertura e fechamento de lojas comerciais.

4. Aumentar o número de fábricas que produzem roupas sob medida.

5. Desenvolver planos para a produção de comida preparada e semi preparada.

6. Implementar turnos de quatro e seis horas e outros horários de trabalho especiais onde permitido por considerações econômicas [28].

Mas em um nível mais fundamental, o Congresso da FMC reafirmou com firmeza e repetidamente a necessidade de um fim ao segundo turno, por um compartilhamento das responsabilidades domésticas: “É tarefa de toda a sociedade resolver ou compartilhar os problemas e dificuldades que impedem a incorporação total da mulher” [29]. Essas resoluções incluíram propostas de ações conjuntas com sindicatos e outras organizações de massas a fim de combater o que se denominou “atitudes cômodas” no que diz respeito à distribuição das tarefas domésticas no lar [30].
De longe, a declaração mais forte de que a revolução deve alcançar a plena igualdade entre homens e mulheres saiu do Primeiro Congresso do Partido Comunista Cubano, em dezembro de 1975. O documento que trata das mulheres afirma inequivocamente que “na prática, a completa igualdade das mulheres ainda não existe…,” que “uma batalha fundamental precisa ser travada no campo da consciência, porque é aí que os conceitos retrógrados que travavam nós no passado continuam a subsistir.” [31]

O documento traz ainda à atenção do público as pesquisas citadas acima tratando das mulheres na força de trabalho e das mulheres em relação aos cargos de liderança que revelam a profundidade do problema e, em suas próprias declarações, a profundidade do entendimento das lideranças cubanas sobre o problema. As resoluções do Congresso do Partido geralmente reafirmam e elaboram aquelas emitidas no Congresso da FMC no ano anterior. Mas o Partido reconhece firmemente, também, a recusa de homens em participar completamente na execução do cuidado do lar e tarefas do cuidado infantil como uma manifestação principal dos conceitos retrógrados. Afirma que “é um dever revolucionário, no presente inevitável, alcançar uma distribuição equitativa das tarefas domésticas inevitáveis.” [32]

Quais conclusões nós podemos tirar sobre a posição presente das mulheres trabalhadoras em Cuba? Algumas são claras e se aplicam geralmente a todas as mulheres em Cuba. Primeiro e mais importante, o enorme contraste entre o destino da mulher na Cuba pré-revolucionário e suas possibilidades na Cuba pós-1959 deve ser enfatizado. Sem dúvida, as principais estruturas que garantiam a opressão e exploração das mulheres foram destruídas. Isso é manifestado em diversas maneiras; sua imagem visual é refletida em qualquer sala de aula, qualquer centro de trabalho, qualquer reunião, em qualquer rua. O fato de que o número de divórcio em Cuba cresceu de 2.500 em 1958 para 25.000 em 1970 dá uma indicação sucinta de uma enorme mudança: as mulheres não estão mais presas em uma prisão de casamento opressivo pela necessidade econômica. [33]

O que é claro, também, sobre as mulheres em Cuba é que as contradições continuam a existir. O ataque nacional e estruturado ao sexismo, relacionado à capacidade das mulheres de trabalhar, começou realmente apenas nos últimos anos. Muito pouco tempo passou-se para fazer mais do que declarações provisórias sobre onde as coisas estão, mas há várias indicações de direções e problemas. O humor é frequentemente um índice excelente da efetividade de uma dada medida e desde 1974, muitas histórias engraçadas, muitas vezes altamente defensiva em natureza, circularam em Cuba. Uma dessas histórias é contada de um membro do partido (masculino) que concordou, depois de muita resistência, em compartilhar parte do fardo doméstico. Ele consentiu em lavar as roupas, com a condição de que sua esposa levasse para fora para pendurar – para que seus vizinhos nunca soubessem.

Em outro nível, membros da mais recente (1977) Brigada Venceremos noticiaram que as mulheres estavam de fato se aproximando das organizações de massa às quais elas pertenciam, mais particularmente a FMC e o CTC, buscar ajuda para fazer com que seus maridos cumpram o decreto do Código da Família de igual responsabilidade no lar. Não há relatos de mulheres que levaram seus maridos à Justiça por descumprimento do código, ação que teoricamente se tornou possível com a promulgação do Código da Família como lei. No entanto, uma pesquisa tentando descobrir o número total de horas que as mulheres trabalhavam foi conduzida entre 251 trabalhadoras em abril de 1975—um mês após o Código da Família ter se tornado lei. Como reportado no Congresso do Partido, a pesquisa encontrou que as mulheres trabalham em seus centros de trabalho e em suas casas uma média de treze horas diárias, de segunda à sexta, e onze horas e meia aos finais de semana “devido ao acúmulo de tarefas domésticas” [34]. Obviamente, o problema não desapareceu apenas com a emissão do Código da Família.

Além disso, os cubanos continuaram a afirmar diferenciação biologicamente “científica” entre homens e mulheres, uma espécie de raciocínio que tem foi historicamente a causa e/ou justificação para a divisão sexual do trabalho. Fidel Castro, em seu discurso ao fechamento do congresso da FMC, explicou porque é que as mulheres devem ser tratadas com que ele chamou “cortesia proletária”:

“É verdade com as mulheres e deve ser assim com as mulheres porque elas são fisicamente mais fracas e porque elas têm tarefas e funções e responsabilidades humanas que os homens não têm” [35]. A aceitação geral em Cuba desse determinismo biológico tem se refletido e continua a se refletir dentro da força de trabalho.

A sua encarnação mais recente e talvez a mais controvérsia, vem na forma da Resolução 40, emitida pelo Ministério do Trabalho (MINTB) em junho de 1976, na conclusão do seu estudo das Resoluções 47 e 48. A nova resolução restringe as mulheres de pegar 300 empregos (ao invés de 500). A justificativa cita razões de saúde das mulheres—isso a despeito da chamada da FMC para ser uma escolha própria de cada mulher. A lista contém alguns empregos nos quais há evidências científicas de perigo potencial para as mulheres que pretendem ter filhos, mas não para os homens (ao menos até onde a pesquisa foi). Trabalho com chumbo, por exemplo, tem demonstrado colocar em perigo a saúde de um feto nos primeiros estágios da gravidez. Outros, no entanto, parecem indicar claramente a operação de velhos preconceitos em torno da “fragilidade” da mulher. Categorias gerais de ocupações proibidas incluem trabalho de baixo d’água e trabalho a alturas de mais de cinco andares [36].

Houve algumas tentativas de explicar as novas restrições emitidas. Marifeli Perez Stable, em seu artigo, “Rumo à Emancipação das Mulheres Cubanas”, apresente o que ela chama de uma “suposição educada” de que a emissão das restrições neste ponto tem a ver com o esforço da revolução para reorganizar a estrutura econômica e governamental. Ela sugere que “pode muito bem ser que a razão econômica por trás da resolução de 1976 seja liberar empregos ocupados ou que poderiam ser ocupados por mulheres para que os homens que foram racionalizados fora de seus empregos possam ser novamente empregados. Mulheres sem empregos, afinal, não apresentam o mesmo tipo de problemas sociais que os homens desempregados.” [37]

É a nossa impressão, derivada de visitas a cerca de quinze centros de trabalho em junho e julho de 1974, que em geral as mulheres não estavam trabalhando nos tipos de áreas citadas na nova resolução. A razão dada, em local de trabalho após local de trabalho, quando nós perguntamos por que as mulheres não trabalham nessa ou naquela máquina ou nessa ou naquela área, foi “considerações de saúde”. Pode ser assumido que, como com as resoluções 47 e 48, haverá exceções com a nova regra. Mas o fato permanece que a Resolução 40 da força de lei para uma divisão sexual do trabalho sistematizada.

Essas contradições existentes não deveriam ser surpreendentes. As raízes do patriarcado são profundas, os problemas do subdesenvolvimento severo e o processo de transição ao socialismo têm acontecido em apenas vinte anos. Ao mesmo tempo, o grau com que os cubanos resolvem essas contradições será a medida do sucesso de seus esforços para alcançar uma sociedade verdadeiramente liberada e verdadeiramente igual.

Notas:

[1] Isabel Larguia and John Dumoulin, “Toward a Science of Women’s Liberation,” NACLA ‘s Latin American and Empire Report 4, no. 10 (December 1972): 4.

[2] Os cubanos utilizam o termo “força de trabalho” para exprimir todos aqueles engajados em trabalho assalariado.

[3] Che Guevara, “Man and Socialism in Cuba,” em Venceremos: The Speeches and Writings of Ernesto Che Guevara, ed. John Gerassi (New York: Macmillan, 1968).

[4] James O’Connor, Origins of Socialism in Cuba (Ithaca: Cornell University Press, 1970), p. 333. Para mais informações sobre as condições em Cuba antes da revolução, veja também Fidel Castro, “His­tory Will Absolve Me,” in Revolutionary Struggle, ed. Rolando Bonachea and Nelson Valdes (Cambridge: M.I.T. Press, 1972).

[5] Fernando Ortiz, Cuban Counterpoint: Tobacco and Sugar (New York: Vintage, 1970), p. 84.

[6] Cifras tomadas do Censo Populacional de 1953

[7] C. Wright Mills, Listen Yankee: The Revolution in Cuba (New York: Ballantine, 1960), p. 15.

[8] Para mais infromações sobre esses esforços empreendidos por metade das mulheres nos primeiros anos da revolução, veja Margaret Randall, Cuban Women Now (Toronto: Canadian Women’s Educational Press, 1974) e Elizabeth Sutherland, The Youngest Revolution: A Personal Report on Cuba (New York: Dial Press, 1969).

[9] Alberto Pozo, “Female Labor Force of Cuba,” em Prensa Latina Feature Service, Direct from Cuba , 1 June 1974.

[10] Fidel Castro, “Speech at the Closing Session of the Second Congress of the FMC,” 29 November 1974 (Havana: Book Institute), p.11.

[11] Memories: Second Congress of Cuban Women ‘s Federation (Havana: Editorial Orbe, 1975), p. 33.

[12] Ana Ranos, “Women and the Cuban Revolution,” Cuba Resource Center Newsletter 2, no. 2 (March 1972): 8.

[13] “Sobre el Pleno Ejercicio de la Igualdad de Ia Mujer” em Tesis y Resoluciones: Primer Congreso del Partido Comunista de Cuba (Havana: DOR), p. 574.

[14] Anne Sterling and Martha Vicinus, “Women in Revolutionary Cuba” (Providence, 1973).

[15] De Clara Zetkin, “Lenin on the Woman Question,” em The Woman Question: Selections from the Writings of Karl Marx, Frederick Engels, V.I. Lenin, Joseph Stalin (New York: International Publishers, 1951), p. 93.

[16] Stasia Madrigal, “The Feminists of Cuba,” Off Our Backs (May 1974).

[17] Memories : Second Congress, p. 19.

[18] “Sobre el Pleno Ejercicio,” p. 585.

[19] Granma Weekly Review (4 January 1 976), p. 12.

[20] “Sobre el Pleno Ejercicio,” p. 585.

[21] Ibid., p. 586.

[22] Ibid., p. 589.

[23] Ibid., p. 584.

[24] Ibid., p. 584.

[25] Castro, “Speech at the Closing Session,” p. 17.

[26] Madrigal, “Feminists of Cuba,” p. 10.

[27] Memories: Second Congress, p. 37.

[28] Ibid., pp. 39, 175.

[29] Ibid., p.39.

[30] Ibid., p.54.

[31] ” Sobre el Pleno Ejercicio.” pp. 563, 571.

[32] Ibid., p. 596

[33] Heidi Steffens, “A Woman’s Place.” Cuba Review 4, no. 2, p. 29.

[34] “Sobre el Pleno Ejercicio,” p. 573.

[35] Castro, ” Speech at the Closing Session,” p. 45.

[36] Granma, 1 June 1976.

[37] Marifeli Perez Stable, “Toward the Emancipation of Cuban Women” forthcoming, Latin American Perspectives.