Crianças Negras têm direito à VIDA plena em DIREITOS!
Nota Política do PCB em Duque de Caxias-RJ
Na última sexta-feira, dia 04/12/2020, fomos surpreendidos com a notícia de que duas crianças, as primas Emilly Victoria, de 4 anos, e Rebecca Beatriz, de 7 anos, foram baleadas e mortas na comunidade de Santo Antônio em Duque de Caxias-RJ. Apesar de revoltante e inadmissível, a morte de crianças negras baleadas em bairros marcadamente populares do Estado do Rio de Janeiro, em consequência de operações das forças policiais, está longe de ser um caso isolado. Só no ano de 2020, doze crianças morreram baleadas no nosso estado, nas mesmas condições, marcando um modus operandi do estado brasileiro que desumaniza a população trabalhadora, pobre, preta e periférica, inclusive as crianças.
É impossível conhecer o Brasil sem um extenso capítulo sobre a exploração colonial do trabalho escravo e a consequente desumanização de milhões de pessoas não brancas (indígenas, negros e negras) que permite, até os dias de hoje, a superexploração dos trabalhadores (principalmente negros e negras) e subordinação dessa parcela da população a condições de vida extremamente precárias, sem direitos básicos como saúde, educação e moradia de qualidade garantidos.
Esse quadro, extremamente violento, vem se agravando nos últimos anos. O nível de desemprego só aumenta, chegando a 13,8 milhões de desempregados em todo o país, e outros mais de 31 milhões de pessoas trabalhando na informalidade, sem qualquer tipo de segurança legal ou garantias de direitos, e mais da metade dos trabalhadores brasileiros com renda inferior a um salário mínimo. Os dados nos autorizam a afirmar que está em curso o aprofundamento da miséria entre os trabalhadores brasileiros, em especial, a da parcela não branca dessa população. Tal processo é acompanhado de uma escalada da violência do estado e de grupos paramilitares, que visam impor a ordem e a manutenção da exploração e dos privilégios de uma pequeníssima elite, porém, extremamente poderosa. Para se ter uma ideia, os cinco maiores bilionários brasileiros concentram, juntos, a riqueza equivalente à da metade mais pobre da população do país.
Além disso, uma série de instrumentos legais e institucionais foi criada nos últimos anos, visando ampliar a repressão e a impunidade dos agressores, principalmente dos crimes cometidos pelas forças do estado. A Lei 13.491/17, que amplia as competências da Justiça Militar, a conhecida lei da impunidade, impede que militares que cometeram crimes (forças armadas e policiais) sejam julgados na justiça comum; a autorização, dada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que integrantes de todas as guardas municipais do país possam portar armas de fogo durante o horário de trabalho e de folga; a revogação, pelo presidente Jair Bolsonaro, das portarias que tornavam mais rígidos o rastreamento, a identificação e a marcação de armas e munições provocou uma verdadeira explosão no registro de armas na Polícia Federal, um aumento de 205% em 2020.
O resultado é claro: uma escalada de violência, seja pela perda e precarização de direitos básicos (é preciso lembrar que os trabalhadores foram abandonados à própria sorte em meio a maior pandemia da história do país, sem nenhum plano de ação médico-sanitário em escala nacional), seja pelo aumento da violência das forças do estado nas periferias e favelas de todo o país.
Em claro alinhamento com a política de escalada de violência bancada pelo presidente Jair Bolsonaro, o prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis, assinou um convênio com a Polícia Rodoviária Federal para treinamento dos agentes da Guarda Municipal. Além disso, a PRF entregou 50 pistolas calibre 40, três de calibre 12 semiautomática e 7.500 munições para uso na cidade. Mortes como as de Emilly e Rebecca no município estão longe de ser um acidente.
As crianças filhas dos trabalhadores, em especial as não brancas, moradoras das periferias, merecem um capítulo especial nessa seara de violência e opressão.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, em seu art. 3º, “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. E completa, no art. 4º, “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
As doze crianças baleadas e mortas em operações policiais, só este ano, no Estado do Rio de Janeiro, são provas cabais de que os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e à proteção integral das crianças estão sendo negligenciados, ou melhor, deliberadamente substituídos por uma política de desumanização e abandono. O próprio presidente Jair Bolsonaro declarou em 2018, ainda como candidato à presidência, que “esse ECA/90 tem que ser rasgado e jogado na latrina. Este ECA/90 é o estimulo à vagabundagem, malandragem infantil no nosso país […] você não pode triscar numa criança que o ECA/90 proíbe. Ele presta um desserviço a sociedade” (Texto extraído de declaração contida no youtube).
E o desrespeito aos direitos das crianças não para no discurso. A deliberada intenção de reduzir os recursos destinados à educação através do FUNDEB, a falta de uma política nacional que oriente a reorganização do currículo e do calendário de 2021 para garantir a reposição dos conteúdos de 2020, a falta de recursos para garantir os meios necessários para o acesso ao ensino remoto durante o necessário isolamento social, os cortes nos recursos e a desorganização do SUS que afetaram diretamente os programas de vacinação que, por sua vez, promoveram o retorno de doenças como o sarampo são alguns exemplos de políticas que afetam diretamente a vida de milhões de crianças e adolescentes de todo o país.
No município de Duque de Caxias a história não é diferente. A família de Emilly e Rebecca teve que lidar com o completo abandono no contexto da pandemia. A prefeitura garantiu apenas dois meses de auxílio alimentação para os alunos da rede, através do cartão PicPay, nenhum tipo de auxílio econômico e uma precária rede de saúde com os maiores índices de contaminação do estado fora da capital.
Vidas pretas importam! Os filhos e filhas da classe trabalhadora, em especial negros e negras, têm direito à vida em sua totalidade, e só podemos garantir esse direito lutando contra um sistema que desumaniza a grande maioria da população, organizado para explorar ao máximo o trabalhador, negligenciar as condições de vida mais básicas da população e reprimir com o máximo de violência aqueles que já são tão oprimidos e violentados no seu dia a dia.