GUERRA ÀS DROGAS OU À PERIFERIA?

imagemReprodução: The Intercept

Por Giovani Damico

Jornal O Momento – PCB da Bahia

Guerra às Drogas ou à Periferia? – Violência, desumanização e pobreza são três produtos incontornáveis do capitalismo. Encarar tal fato quebra uma barreira que parece intransponível, a de entender como as mortes cotidianas somadas à carestia se tornam cada vez mais visíveis e escancaradas a cada olhar desfechado. Mas tal realidade não é produto de uma moral, ou de uma falta de moral, mas sim de um modelo de sociedade organizado a partir de violências sistematizadas, nas quais o próprio Estado assume um papel de destaque.

O Estado da Bahia vem vivenciando uma crescente assustadora nos índices de violência urbana nos grandes centros, mas também nas cidades médias e pequenas. Tal cenário já denunciado n’O Momento, aponta como 2020 foi marcado pelo aumento da letalidade policial na Bahia mesmo durante pandemia. Fato que persiste no quotidiano perene de 2021, e que atinge sobremaneira uma parcela específica da população, aquela periférica e em maioria negra. Ainda, como apontado aqui, 97% das vítimas das ações armadas do Estado são a população negra e periférica.

A chamada “Guerra às Drogas” não pode ser pensada sem olharmos suas duas faces mais visíveis: a violência do Estado e das Facções; e sua terceira face mais oculta: a pobreza e a exploração. Tal fenômeno tomou conta de boa parte das periferias das cidades brasileiras, se associando diretamente com as mazelas sociais mais latentes. Uma sociedade onde o baixo acesso à educação, o desemprego e subemprego sistemáticos, a carestia, a exploração, as opressões e violências quotidianas, pincelam juntos um quadro tenebroso, uma verdadeira Guerra à Pobreza e à Periferia.

A pandemia instaurada no Brasil desde 2020 veio para aprofundar as fissuras sociais mais arraigadas em nossa sociedade. Ao mesmo tempo em que famílias se veem obrigadas a se expor no dia a dia do trabalho informal, do desemprego, sem direito a auxílio emergencial e medidas que protejam a vida e a sua subsistência, são criadas ainda condições para elevação da criminalidade. A juventude passa a ser recrutada sistematicamente pelo mundo do crime e das facções. As respostas do Estado não são outras senão o reforço da ostensividade em seu braço armado, com “megaoperações” que se tornam palco de assassínio quotidiano de jovens ligados ou não ao mundo do crime, sem direito à defesa, sem direito às garantias legais. As tais megaoperações, como a realizada ano passado no Nordeste de Amaralina em Salvador, mobilizam frações enormes da polícia militar (PM-BA), onerando os cofres públicos, mas ao mesmo tempo promovendo falsas soluções, que em sua maioria não arranham nem a superfície do problema, sendo, em verdade, ela própria parte integrante do problema da criminalidade.

A crescente onda de confrontos vem invadindo diversos bairros da Cidade, desde a Valéria, até Saramandaia, desde Pernambués até o Nordeste de Amaralina. Junto aos confrontos aumentam as cifras das vítimas inocentes. Salvador presencia assim assassinatos brutais de sua juventude, seja nas balas trocadas entre as facções, como nos recentes confrontos entre facções da Saramandaia e Pernambués, seja nas “megaoperações” da Polícia militar, que é ao mesmo tempo alvo e também perpetradora de uma violência sistemática. O quotidiano da PM se tornou ele próprio uma máquina de violências para dentro e para fora, por um lado os próprios policiais tem adoecido, cometido suicidio e, por outro, são responsáveis por centenas de mortes violentas que vitimam diversas crianças inocentes, destruindo o futuro de famílias inteiras, como mais recentemente no caso do pequeno Ryan Andrew, aos nove anos de idade e com toda uma vida e história por construir. Mais uma criança negra que entra para as estatísticas assustadoras – mas rotineiras – de nosso estado e nosso país.

No plano imediato, entender a relação íntima entre a Guerra às Drogas e uma verdadeira Guerra à População Pobre significa entender que a parcela mais pauperizada desta sociedade é vista como descartável e indesejável. O aprofundamento da agenda neoliberal, pautada no rentismo dos bancos e na agroexportação, esgarça as contradições sociais, eleva o desemprego crônico, desestabiliza parques produtivos, joga para fora do mercado de trabalho a juventude periférica, além de operar um desmonte das parcas ferramentas de seguridade social ainda presentes no Estado brasileiro.

Noticiar e denunciar essas violências sistemáticas seguem sendo tarefa imperativa da mídia popular e de todos aqueles e aquelas engajados nas lutas sociais. No entanto, transformações sistemáticas no fenômeno da violência no Brasil só poderão ser obtidas atacando as origens fundantes de tal problema social, olhando para as entranhas de uma sociedade que se sustenta na violência e na exploração do homem pelo homem, movida às custas do sangue de inocentes.