Novo aumento dos juros, uma aberração econômica

Foto: Marcello Casal Jr – Agência Brasil

Edmilson Costa*

O Comitê de Política Monetária do Banco Central aumentou em um ponto percentual a taxa básica de juros (de 11,25% para 12,25%), percentual acima do que o próprio mercado previa, no maior aumento realizado durante o governo Lula. Trata-se de uma espécie de despedida do vampiro do presidente do BC, Campos Neto, que deverá deixar o cargo no final do ano e vai entregá-lo ao sucessor, Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Lula. Para quem possa imaginar que haverá grande mudança na política monetária com a substituição do atual presidente, um bolsonarista raiz, pode ir tirando o cavalinho da chuva, pois todos os nomeados por Lula para a diretoria do Banco Central, inclusive Galípolo, votaram a favor do aumento dos juros. Com um agravante cruel: para blindar o futuro presidente, o comunicado do Bacen ainda indica que os juros deverão subir na mesma magnitude nas próximas reuniões do Copom.

A justificativa para esse aumento cavalar da taxa de juros é típica do que há de mais retrógado na teoria econômica, mas este é o mantra da política neoliberal, tipicamente submissa à ordem neoclássica dos países centrais. Para o BC, o ambiente externo permanece desafiador, o que levanta dúvidas sobre a desaceleração da inflação nos Estados Unidos, bem como sobre a postura do FED. Além disso, os bancos centrais das principais economias permanecem dispostos a promover a convergência das taxas de inflação, o que exige cautela nos países emergentes. Ou seja, toda a política econômica está influenciada pelas ações das autoridades econômicas dos Estados Unidos, sem que o Brasil possa realizar nenhuma ação autônoma em sua política interna.

Mas a nota do Bacen se mostra mais bizarra quando trata da política interna, uma vez que, para o BC, os indicadores da política econômica, como o aumento do PIB além daquilo que previa as aves de agouro do mercado financeiro e o dinamismo do mercado de trabalho, são fatores que estão colocando a inflação acima da meta. Por isso, o Copom avalia que o cenário está mais adverso que em sua última reunião, o que deve se refletir num cenário de aumento da inflação. Além disso, o BC também avalia que o recente pacote fiscal não foi suficiente para se alcançar a meta de inflação, não tendo agradado os agentes econômicos (leia-se a oligarquia financeira e rentistas em geral) e influiu sobre o preço dos ativos, as expectativas de inflação e as taxas de câmbio.

Vamos então tentar destrinchar o que os neoliberais buscaram dizer com esse comunicado. Primeiro, o Brasil está proibido de crescer porque apresentou um aumento do Produto Interno Bruto maior do que o mercado financeiro previa. Só num ambiente inteiramente envenenado por uma teoria econômica envelhecida, o crescimento econômico de um país é considerado uma coisa nociva. Ora, qualquer estudante de economia sabe que uma nação só se desenvolve com o crescimento econômico porque, quanto mais cresce a economia, mais aumenta o emprego. O aumento do emprego gera crescimento da renda que, por sua vez, aumenta o consumo das famílias, emergindo assim um ciclo virtuoso na economia.

Aparentemente, achar que o crescimento econômico, além daquilo previsto pelos abutres financeiros, é ruim para o país parece uma maluquice, mas a turma do mercado tem alguma racionalidade nessa postura. Qual é a racionalidade? É o seguinte: com o crescimento econômico há um dinamismo do mercado de trabalho, que gera maior poder de barganha para o movimento sindical e para os trabalhadores, reduzindo assim a taxa de mais-valor da burguesia. Em contrapartida, com baixo crescimento e aumento do desemprego, intensifica-se a concorrência entre os próprios trabalhadores por uma vaga no mercado de trabalho, o que diminui seu poder de barganha, retrai os movimentos grevistas, abrindo espaço para a burguesia reduzir os salários e o mercado financeiro justificar a aplicação das políticas de austeridade contra os trabalhadores e as trabalhadoras, num ambiente em que seu poder de mobilização está bastante reduzido em função do desemprego.

O argumento de que o país não pode crescer muito é um absurdo. Vale lembrar que o Brasil cresceu, de 1946 a 1980, a um ritmo anual médio de 7%, o mundo não se acabou nem o país entrou em parafuso. Pelo contrário, mesmo levando em conta que esse crescimento foi realizado com grande concentração de renda e desigualdade regional, o Brasil realizou um processo de industrialização robusto, em tempo recorde, tendo se transformado em uma das dez maiores economias do mundo e também foi um dos poucos países que conseguiu se industrializar no continente americano. Essa conversa mole de que crescimento econômico e aumento do emprego geram inflação é uma aberração que só serve para transferir recursos do fundo público para os rentistas.

Outra discussão que já fizemos em artigo anterior, mas que é importante repetir, é o fato de que tanto o diagnóstico da conjuntura brasileira quanto as medidas tomadas pelo governo em relação à inflação estão incorretas. A inflação não tem origem apenas na relação entre oferta e demanda. Avaliar apenas por essa ótica é de um primarismo primitivo, pois a inflação pode se originar de vários fatores como, por exemplo, secas ou enchentes nas regiões produtoras; pode ainda aumentar em função da questão cambial quando há elevado coeficiente de importações de insumos e produtos acabados, além de outros fatores externos à oferta e a demanda. Ora, se a inflação não é resultado apenas desse fator, elevar a taxa de juros não vai resolver o problema, serve apenas para levar o país à recessão e encher os bolsos da oligarquia financeira.

Como também já enfatizamos anteriormente, somente com este aumento de um ponto percentual na taxa Selic, o Brasil pagará a mais cerca de R$ 70 bilhões em função da dívida interna, que é a mesma quantidade de recursos que o ministro da Fazenda diz que vai economizar com o pacote econômico. Essa é a verdadeira sangria que deve ser contida, pois se torna impossível qualquer projeto de crescimento econômico com distribuição de renda com essa política monetária. Para se ter uma ideia, o Brasil pagou de juros, entre 2021 e 2024 (até outubro), a astronômica quantia de cerca de R$ 2,8 trilhões (Tabela abaixo). Toda essa riqueza, que deveria estar sendo investida em infraestrutura, saúde, educação e melhoria das condições de vida da população, está sendo drenada para a oligarquia financeira. Portanto, qualquer ajuste deve ser realizado em relação à especulação e não contra a classe trabalhadora e o povo pobre.

Com o aumento dos juros, o Banco Central mais uma vez chancelou as reivindicações da rapinagem financeira, que vinha chantageando a partir de um poderoso lobby nos meios de comunicação e do aumento artificial do dólar, com o agravante de que está programado aumento semelhante nas próximas reuniões do Copom. Parece que a ganância da oligarquia financeira brasileira não tem limites. Além de estarem praticando uma das mais altas taxas de juros do mundo, eles ainda querem mais aumento de juros para engordar suas carteiras financeiras.

Enquanto isso, o governo subserviente resolve fazer o ajuste atingindo os setores mais miseráveis da população, justamente os que ganham o salário mínimo, os pensionistas e aqueles que estão nos programas sociais. Para quem prometeu colocar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda, essa conjuntura com certeza deverá levar à frustração a maioria daqueles que votaram pelas mudanças e abre mais espaço para a extrema-direita seguir crescendo com o discurso antissistêmico.

Vale lembrar que foi exatamente a frustração da população no governo anterior do PT que forneceu o caldo de cultura para as grandes manifestações de 2013. E o governo, em vez de aproveitar a movimentação das massas nas ruas para mudar a correlação de forças e cumprir as promessas de campanha, o que se viu foi a repressão contra os manifestantes. O resultado desse processo todos conhecemos. Recorde-se ainda que naquele período a economia estava crescendo, assim como o emprego e os salários. Mesmo assim isso era insuficiente para aqueles milhões de manifestantes que saíram às ruas.

Não está descartada a emergência de fenômeno semelhante, pois as medidas positivas tomadas pelo governo são mais rebaixadas que no período anterior, portanto mais insuficientes. Enquanto isso, o estoque de problemas denunciados pelos manifestantes em 2013 só aumentaram, justamente num país urbanizado em que mais de 80% da população vive nas cidades, especialmente nas grandes metrópoles, e onde a pobreza e a opulência dos milionários convivem muito próximas. Em algum momento esse caldeirão de frustrações e de indignação latente poderá chegar à superfície.

Espero que não sejamos pegos de surpresa como em 2013.

*Edmilson Costa é doutor em economia e secretário geral do PCB