A guerra está batendo à porta
Kemal Okuyan – Secretário-Geral do TKP (Partido Comunista da Turquia)
Israel quer provocar um conflito em grande escala. Os seus interesses e o fanatismo que alimenta constantemente exigem isso. Acredita que aproveitou uma oportunidade favorável para consolidar e expandir os territórios que ocupou.
Pode não aparecer como um consenso no período que antecede as eleições, mas há amplas provas de que os Estados Unidos, calculando quebrar a influência crescente do Irã e da Rússia na região, estão também encorajando Israel a travar uma guerra mais ampla. As forças especiais e a inteligência dos EUA já estão diretamente envolvidas na guerra em Gaza. A força aérea e a marinha dos EUA atacam periodicamente as milícias xiitas no Iraque e alvos Houthi no Iêmen, e as tropas dos EUA continuam presentes como força de ocupação na Síria, que está em guerra com Israel desde 1948.
Ao reforçar a solidariedade com a resistência do povo palestino, é importante lembrar que as tensões e os conflitos não podem ficar confinados à questão palestina. O Oriente Médio é uma das regiões onde a concorrência e a crise dentro do sistema imperialista se intensificaram e o levaram à beira de uma grande ruptura. O fato de os habitantes de Gaza estarem pagando o preço mais elevado deste conflito não altera o fato de ontem termos enfrentado o mesmo problema pesado no Iraque e mais tarde na Síria.
Com o colapso da União Soviética, os movimentos estratégicos dos EUA desenvolveram-se em linha com o objetivo de se instalarem nas regiões onde o socialismo tinha recuado e de incluir os países que puderam antes desfrutar de um certo espaço de movimentação, apoiando-se no equilíbrio existente de um mundo dividido por dois blocos sob suas influências. O Iraque foi invadido por esta razão, a Iugoslávia foi desmembrada para este fim, o Irã foi sitiado com estes objetivos, a Síria foi encharcada de sangue de acordo com estes cálculos, e os antigos países socialistas foram inscritos na OTAN um após outro com esta lógica.
Na verdade, nas décadas de 1990 e 2000, o imperialismo estadunidense estava se esforçando para alcançar mais do que a sua superioridade econômica em declínio poderia suportar. Em alguns casos atingiu o seu objetivo, noutros bateu num muro. Por um lado, a resistência dos referidos países, por outro, o sentimento anti-EUA que se manifestou de diversas formas entre as massas pobres. Por um lado, a recuperação gradual do capitalismo russo, que, depois de ter tentado “cooperar” com os EUA, percebeu que isso era impossível e, por outro lado, a crescente competitividade da China, que sabe que o tempo atua a seu favor e tornou-se uma ameaça à hegemonia dos EUA.
O que os EUA estão tentando fazer hoje é quebrar esta resistência no ponto mais fraco e empenhar-se mais fortemente no próximo confronto com a Rússia e, mais particularmente, com a China. A história do imperialismo, especialmente do imperialismo estadunidense, está cheia de erros de cálculo. Além disso, a administração dos EUA está ciente de que o bloco que enfrenta não age com certos princípios e ideais e consistência ideológica como fez no caso da União Soviética.
Na verdade, não há bloco algum. Muitos países capitalistas, grandes e pequenos, que pensam que a constante abertura de novas áreas de intervenção por parte dos EUA e da OTAN em todo o mundo ameaça os seus interesses, uniram-se entre si e com diferentes orientações ideológicas criaram forças armadas a partir do recrutamento de pessoas pobres que estão indignadas com a agressão dos EUA e dos seus aliados. Deve-se reconhecer que, embora o islamismo pareça ser a força do Irã, o Hamas e o Hezbollah são também o seu ponto fraco.
Então, o que vai acontecer hoje? E quais são as dimensões da questão que preocupa a Turquia? Vamos ponto por ponto.
1. O Irã, que sofreu uma sucessão de duros golpes e graves fraquezas na sua estrutura institucional, não tem outra escolha senão tentar compensar a perda de prestígio causada pela incapacidade de proteger um convidado importante em Teerã. Isto é o que Israel também quer.
2. Da mesma forma, o Hezbollah, que há muito tempo é questionado devido à crise econômica no Líbano, não tem mais hipóteses de ignorar as provocações israelenses.
3. Por outro lado, Israel decidiu utilizar todas as capacidades da sua máquina de guerra e da sua extensa rede de inteligência. Deve-se ter em conta que isto terá um efeito dissuasor sobre alguns elementos e poderá até criar graves problemas internos em alguns países.
4. Israel está determinado a não tolerar qualquer autoridade palestina, para não mencionar um Estado palestino independente. Portanto, o que estamos assistindo é uma operação de expansão da fronteira de Gaza para a Cisjordânia, das Colinas de Golã para o Sul do Líbano. É impossível que esta operação tenha sucesso através de conflitos de baixa intensidade e massacres de civis.
5. Para os países árabes (e a Turquia), que têm defendido uma política de aproximação com Israel, entrar hoje numa tal distensão com Israel, quando a Palestina está em chamas, representaria um enorme risco político interno. Israel não receberá qualquer apoio significativo, mesmo dos países regionais mais cooperativos.
6. Por outro lado, apesar de todas as reivindicações de um novo eixo, o Irã está tão isolado como Israel. A China e a Rússia não pretendem intervir diretamente num conflito israelo-iraniano. A Turquia, que tomou uma posição contra Israel em Gaza, está em concorrência tanto com o Irã como com Israel.
7. Israel, por outro lado, pode contar com o peso militar e político dos EUA na região, com as bases em Chipre, que o Reino Unido e os EUA utilizam como desejam, e com a sua relação profundamente enraizada com o KDP (Partido Democrático do Curdistão) no Iraque. A estreita cooperação do KDP com a Turquia também deve ser destacada.
8. Além disso, qualquer força na Síria que mantenha o governo de Damasco e as forças pró-Irã sob pressão é valiosa para Israel. Quem são essas forças? O PYD (Partido da União Democrática), que os EUA continuam a apoiar, é um deles. Mas não termina aí. Israel também está associado a alguns grupos jihadistas na Síria e fornece-lhes apoio logístico. O Exército Nacional Sírio, orgulhosamente patrocinado pelo AKP, está em parceria com Israel na luta contra o exército sírio e as milícias pró-iranianas.
9. Israel deseja aproveitar todas as oportunidades nos países da região caso a guerra se amplie.
10. A rivalidade entre o Irã e a Turquia é uma dessas oportunidades. Neste sentido, o Hamas sunita, uma extensão do movimento Ikhwan, afastando-se da influência do AKP e ficando sob a influência do Irã xiita é um dos maiores fracassos das políticas neo-otomanistas.
11. Na Turquia, alguns meios de comunicação e organizações oficiais ligadas ao governo, que iniciaram uma corrida para insultar o Irã após o acidente de helicóptero em que Reisi foi morto, demonstraram a mesma atitude após o assassinato de Haniyeh e iniciaram uma guerra psicológica contra o Irã. Independentemente do estranho quadro do Irã, que foi arrastado para problemas profundos pelo regime dos mulás, é necessário deixar isso de lado.
12. Neste quadro, precisamos compreender que não é a vontade do Irã de arriscar um tal conflito que levanta a possibilidade de uma guerra em larga escala, mas o objetivo de Israel de espalhar a guerra e expandir as suas fronteiras.
13. Precisamos saber que a Turquia corre o risco de ser arrastada para novos conflitos e muito mais graves, a fim de resolver os problemas acumulados como resultado das políticas do AKP numa possível guerra regional com Israel no seu centro.
14. A mentalidade neo-otomanista pode querer transformar a expansão do âmbito da guerra numa oportunidade na Síria, em Chipre e até no Iraque. É útil avaliar os discursos recentes de Erdoğan nesta perspectiva. Embora o perigo de guerra esteja mais uma vez batendo à nossa porta, deixemos a questão do que deve ser feito contra o imperialismo dos EUA, a agressão israelense e o perigo do envolvimento da Turquia numa guerra em grande escala para o próximo artigo.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)