Capitalismo, Racismo e Violência Policial
Por Victor Ferreira Dias Santos e Pedro Magalhães
JORNAL O MOMENTO – PCB da Bahia
“Meu filho foi morto com fome”: Capitalismo, Racismo e Violência Policial no Cenário Baiano
Desde a década de 1980, o conjunto dos movimentos negros organizados vêm denunciando e mostrando a condição do Brasil, pautando a superação do mito de democracia racial, essa cortina de fumaça criada pelas elites brancas para que não enxerguemos a dimensão racial dos conflitos interclasses. E foram muitas vitórias, como aponta Sueli Carneiro, principalmente nas pautas voltadas para a educação. Contudo, essa mesma militante histórica destaca que cada vez mais surgem mecanismos subjetivos da burguesia para minar alguns avanços e creditar outros a essa própria classe e não às denúncias e às construções do movimento negro.
Outro intelectual negro que aponta para esses novos mecanismos sobre a questão racial é Silvio Almeida, sinalizando principalmente para a forma como a negritude de nosso país foi sendo “inserida” na atual forma organizativa do sistema capitalista. Tanto Sueli Carneiro e Silvio Almeida apontam para as armadilhas do consumo, normalmente caracterizadas como Black Money, e uma representatividade vazia. Sueli inclusive ousa em apontar para um momento de uma espécie de tentativa de uma neodemocracia racial, indicando a tendência de retomada desse mito na forma de conter os movimentos negros organizados, eliminando a possibilidade de esses militantes atuarem politicamente em prol de seus interesses enquanto classe trabalhadora negra.
Essa tentativa vem causando diversos impactos em nossas próprias mobilizações e projetos de uma nova sociedade. Principalmente pela falsa sensação de que agora estamos aparecendo, que uma estética (que busca o nível da padronização) agora existe e que nesse momento deixamos de ser invisíveis e passamos a ter destaque. Será mesmo que a Rede Globo colocar um ou outro ator ou atriz negra resolve a repressão em torno de nós? O mesmo para os comerciais de TV, como no caso da Natura, que cada vez mais vem utilizando desses mecanismos, mas, ao mesmo tempo, continua explorando de forma hegemônica a força de trabalhadora da população preta (em sua maioria, feminina) em seus trabalhos mais precarizados?
Esses são questionamentos importantes para refletirmos no conjunto do movimento político negro e no seio da classe trabalhadora, pois cada vez mais vamos nos afastando do entendimento das estruturas e composição dessa sociedade e caindo em uma armadilha que nos prende, sujeitos políticos, à aparência imediata de uma situação que aflige de forma direta nossa condição enquanto próprios seres humanos.
A situação enfrentada pela população negra e pobre é alarmante. Segundo dados do IBGE, em 2018, 75,7% das mortes por homicídio foram de pessoas negras. Esse dado apresenta apenas um reflexo da forma como o nosso país foi moldado: nas bases de um sistema – capitalista e escravista – que tem as pessoas pretas à mira para defender a sua propriedade. Dessa forma, o racismo, na particularidade brasileira, não se resume apenas a formas de comportamento ou atitudes individuais. Para a estrutura capitalista sobreviver, é necessário que se mantenha o racismo, super-explorando a fração negra da classe trabalhadora, sendo mais uma razão para explorar o conjunto da classe trabalhadora, condenando-a às piores mazelas.
Nesse cenário, o Estado segue perpetuando índices altíssimos de assassinato da população preta com os objetivos de defesa da propriedade privada e conciliação dos conflitos entre trabalhadores e patrões. Contudo, dentro dessa função, a burguesia e as elites assumem o poder e ditam as regras e mecanismos objetivos-subjetivos para que se mantenham no poder e conservem a sociabilidade capitalista na sua essência.
Lênin e Engels já apontavam para a necessidade dessa superação do Estado, no horizonte de superação das próprias classes antagônicas e rumando para a única classe ao lado da verdade, os trabalhadores e as trabalhadoras. Essa necessidade histórica torna-se mais pulsante para a população preta do Brasil e da cidade de Salvador, que continuamente sofre com a morte, a repressão e as condições precárias de sobrevivência. As diversas operações que ocorrem nas favelas e periferia são recorrentes, tornando-se cotidianas na vida desses trabalhadores e trabalhadoras.
Esta mesma população tem sofrido com a guerra às drogas, que não tem como objetivo acabar com o consumo, mas sim avançar no extermínio da população negra e periférica, especialmente jovens. Sabemos que os principais comandantes e articuladores do tráfico encontram-se principalmente em locais de luxo, sendo muitos políticos, como foi o caso incógnito do senador Aécio Neves e seus cem quilos de pasta base para cocaína que até hoje não houve um culpado sequer.
A violência policial não ocorre de vez ou outra. O Atlas da Violência do ano passado revela que o homicídio de pessoas negras cresceu cerca de 34% na década de 2008-2018, com números assustadores no Acre (373%), Roraima (316%) e no Ceará (225%). Na Bahia e no Rio de Janeiro, essas porcentagens também são maiores que a média nacional, além de representarem quantidades numericamente maiores que no Acre, Roraima e no Ceará.
Muitos e muitas jovens negro-brasileiros/as tombaram pela mão do Estado nesses lugares. No Rio, o Estado capitalista-racista ceifou a vida da sorridente menina-maravilha Ágatha Vitória Sales Félix (8 anos). Um ano depois, mais de 28 crianças foram baleadas na Grande Rio, dentre elas, o João Pedro Mattos Pinto (14 anos), que brincava com amigos antes de receber uma bala na barriga e não resistiu. Mais recentemente, uma operação policial durante a pandemia da COVID-19 tirou a vida de 29 trabalhadores negros, alvejados muitas vezes na frente de seus familiares durante um massacre na comunidade do Jacarezinho no início desse mês.
Na Bahia, a realidade não é muito diferente. Uma realidade que foi moldada pelas teorias racistas, colocando o negro como essencialmente marginal, criadas pelo médico negro Nina Rodrigues e postas em prática pela política matadora do carlismo. Essa política de morte levou a vida de muitas crianças e jovens negros e negras baianas, sendo críticos e extremamente cruéis casos como a chacina do Cabula, na qual, a mando de Rui Costa, a Polícia Militar da Bahia (PM-BA) executou doze jovens negros em nome da guerra às drogas. Um outro caso problemático foi o dos jovens Bruno Barros (29 anos) e Yan Barros (19 anos), torturados e mortos nas dependências do Atakarejo Salvador por tentarem furtar quatro pacotes de carne para saciar a fome enfrentada. Os movimentos não deixaram de se articular ante esses casos não pontuais de violência. Muitos atos, especialmente motivados pela chacina do Jacarezinho, ocorreram em todo o país. Todos eles ocorreram no dia 13 de maio de 2021, denunciando a falácia que foi a abolição da escravatura e a necessidade constante do movimento negro de se massificar para fazer esse embate com a classe dominante branca com mais força.
É inegável que, ao vermos nossa juventude sendo massacrada, busquemos soluções e respostas para essa situação, mas essas não podem ser ditadas pela própria burguesia e seu aparato midiático. Devemos buscar na coletividade e com as experiências de nossos irmãos, irmãs e camaradas, que resistiram e ousaram mudar em outros períodos históricos, como Angela Davis, Samora Machel, Assata Shakur, Carlos Marighela, Pedro Domiense, Minervino de Oliveira, Lélia Gonzalez, Astrojildo Pereira e outros que não esmoreceram em momentos semelhantes ao que vivemos atualmente.