As FARC-EP e a defesa do meio ambiente

imagemUma história pouco conhecida

Mayerli Andrea Pinilla (*)

PACOCOL – Partido Comunista Colombiano

É preciso analisar o caráter protetor e de conservação do meio ambiente assumido pelas FARC-EP e a liderança que exerciam junto às comunidades rurais para controlar ao desmatamento, o extermínio de espécies silvestres e a contaminação dos afluentes naturais.

É preciso chamar a atenção para a derrubada indiscriminada de montanhas e à deterioração dos parques naturais nacionais (como La Serranía de La Macarena, Tinigua, a Cordillera de Los Picachos e a Sierra de Chiribiquete); a contaminação de rios e riachos (como Caño Cristales, Caño Perdido, Caño Cabras, Caño Rojo, Guayabero, Leiva, Platanillo, Lozada, Guaduas); o aumento das plantações de coca e a degradação do meio ambiente em todas as suas dimensões (nos departamentos de Meta, Guaviare e Caquetá) após o Acordo de Paz e a consequente saída da guerrilha das FARC-EP desses territórios.

Embora esta organização tenha percorrido toda a geografia colombiana, neste artigo me referirei principalmente à Orinoquia, à Amazônia e parte da Região Andina, onde estive durante o tempo em que fui integrante de suas fileiras. É que para as FARC-EP “a selva era algo mais do que uma imensa estepe verde”. Ela era nossa casa.

Os rios representavam vida, e não só para nós, mas também para as comunidades que neles viviam. Os animais selvagens eram nossos amigos, a companhia mais fiel. Adorávamos chegar a locais onde as árvores tivessem 20 ou 30 metros de altura (1), e não só porque nos protegiam da vista aérea e dos bombardeios posteriores, mas porque, como bons habitantes da floresta, conhecíamos o valor da flora e da fauna para toda a humanidade.

Sabíamos, como os camponeses nativos, que árvore alimentava que tipo de animais. Conhecíamos as plantas medicinais, que muitas vezes nos ajudaram a curar nossas próprias feridas e doenças tropicais, como malária, dengue, leishmaniose e tantas outras que ocorrem na floresta tropical.

Habituamo-nos a conviver entre micos noturnos, perus, marimbas, preguiças, antas, macacos, chigüiros, veados, pajuiles, guacharacas, tentes, chilacos, garças, corocoras, papagaios, periquitos, araras e inúmeros animais que habitam a Amazônia e o Orinoquia colombiana. Devo dizer que alguns dos guerrilheiros, quando entraram, tinham medo desses animais, mas com o tempo aprenderam a conviver com eles. Por isso me dói saber que aquela selva, desde que saímos dos territórios, se deteriorou cada vez mais.

Todos esses anos, a partir de 2015-2016, os números do desmatamento aumentaram a taxas alarmantes. Por exemplo, segundo o IDEAM, no Parque Tinigua (localizado no departamento de Meta) foram perdidos 3.285 hectares de mata nativa em 2017 e, em 2018, 10.000. Isso significa que, em um ano, o desmatamento aumentou 200% (2).

As FARC-EP dedicam grande parte de sua atividade política e social à proteção e conservação do meio ambiente. Prova disso são as normas ecológicas construídas com as comunidades dos territórios, pelas quais a caça de animais silvestres era explicitamente regulamentada, bem como a derrubada de árvores para o plantio de alimentos, queimadas, percentual de reserva natural que deveria ter cada fazenda (que, em muitos casos, era de 40 ou 60%), e até mesmo a franja de montanha que devia ser deixada de lado perto de córregos e rios para sua conservação, manejo de resíduos e conservação de terrenos baldios.

Havia espécies de flora e fauna protegidas por serem consideradas em risco de extinção, como a árvore da vaca ou perillo, que fornece alimento para várias espécies. Protegemos animais como o porquinho-da-índia, a anta, as toninas (boto rosa da Amazônia), o cerrillo e o gurre-trovão, entre outros.

Também foi levada a cabo a constituição de comitês ecológicos por aldeia, para garantir o cumprimento das referidas normas, e houve multas financeiras para quem não cumprisse. Por exemplo: quem derrubasse mais hectares de montanha do que os estipulados pela comunidade a cada ano pagava um milhão de pesos por hectare e esses hectares passavam para as mãos da comunidade, o que mais tarde permitia que fossem usados ​​como um corredor biológico.

Mas algumas ações político-militares das FARC-EP também produziram danos irreversíveis à natureza, como a dinamitação dos oleodutos. Oleodutos foram dinamitados para gerar prejuízos para as multinacionais, que se dedicam a extrair recursos naturais de países subdesenvolvidos (como é o caso da Colômbia), expulsar comunidades de seus territórios, destruir o tecido social, roubar suas terras com artimanhas e, em muitos casos, a formação de grupos paramilitares para poder cumprir suas tarefas e dominar regiões inteiras, sem parar até provocar a expulsão e o assassinato de camponeses nativos, como aconteceu em Caño Jabón, Puerto Elvira, Mapiripán, Puerto Gaitán, Meta, Magdalena Medio e muitas outras regiões (casos devidamente documentados); tudo isso, sem deixar lucro para o país e suas regiões, mas também poluindo (irreversivelmente e irracionalmente) a natureza como um todo.

Em muitos dos territórios onde estivemos, não proibimos os cultivos para uso ilícito, pois consideramos que esse fenômeno que atinge o país não se resolve com a proibição. Não com a erradicação forçada, com a fumigação com glifosato ou outros agentes químicos (que só causam danos e degradação do meio ambiente), mas com mudanças estruturais que oferecem possibilidades reais para as comunidades. Muitos dirão que não proibimos as lavouras de uso ilícito nos territórios porque serviam de forma de financiamento, mas devo esclarecer que nos financiamos com o que se produzia no território onde estávamos, fosse milho, banana, gado ou outras culturas que faziam parte da economia da região. Nossas propostas e nosso ponto de vista para resolver este problema estão registrados nos pontos 1 e 4 da agenda de Havana e em várias das exceções que propomos como organização guerrilheira nas negociações de paz (3).

Com a política de erradicação pela força, os direitos dos camponeses são violados, e o meio ambiente é destruído. É por isso que nunca concordamos com isso e pensamos que as comunidades camponesas, que sofreram o abandono histórico do Estado, devessem ter outras oportunidades de vida. São comunidades que não têm como plantar outros produtos, porque se os cultivam ninguém compra, não têm vias de transporte ou ninguém vai aos seus territórios para comprar os seus produtos (como fazem para comprar um quilo de folha de coca).

Entendemos que a discussão sobre os cultivos ilícitos não deva se concentrar no produtor da folha de coca (para quem esse produto só produz miséria e, aliás, é o elo menor da cadeia do narcotráfico), mas sim nos verdadeiros traficantes de drogas. Deve-se também buscar para onde vai o dinheiro do narcotráfico, na procura de quem enriquece com tudo isso, para acabar com a demanda e oferecer outras possibilidades de produção e comercialização aos camponeses e camponesas para que possam substituir gradativamente esses cultivos.

Não é como foi feito historicamente, e como aconteceu nos últimos meses no bairro Tercer Milenio de Vista Hermosa, Meta: “Seis camponeses foram feridos em confrontos com a força pública no bairro Tercer Milenio de Vista Hermosa (Meta) em consequência de operações para erradicar plantações para uso ilícito (El Tiempo, 5 de junho de 2020)”. E em Guaviare, onde os camponeses foram historicamente massacrados: “Um confronto entre camponeses e erradicadores de coca ocorreu neste fim de semana no departamento de Guaviare. No evento, um camponês foi ferido por um projétil de arma de fogo na perna” (El Tiempo, 26 de maio de 2020).

Há algo que devo mencionar e que nossos dirigentes reconheceram: em muitas unidades das FARC-EP as consequências que as ações militares iam produzir no meio ambiente não foram bem calculadas. Por exemplo, quando dutos de óleo foram dinamitados, entre outras ações que contradiziam nossa política ambiental.

Mas devo dizer também que na organização o cuidado e a proteção da natureza eram uma orientação geral. Fomos até informados de quantas folhas poderiam ser cortadas por pessoa para uma caleta (4), quantas árvores poderiam ser derrubadas (e elas tinham que ser árvores secas na maioria dos casos). Nem as vinhas, palmeiras ou árvores altas podem ser cortadas. Quando estritamente necessário, apenas as pequenas árvores eram derrubadas. Era proibido jogar lixo nos rios, sempre tínhamos que fazer buracos para o lixo e, quando saíamos dos acampamentos, eles tinham que estar completamente limpos, sem deixar vestígios de lixo.

Tudo isso para conservar a natureza e não fazer tanta trilha (5) que serviria de informação à inteligência inimiga. Por outro lado, o Estado parecia ter declarado guerra ao meio ambiente, como se fosse um dos atores que se propunha derrotar: com o plano do Escudo, no período de 2003 a 2008, foi realizada uma fumigação aérea que atingiu 26.045 hectares.

De acordo com um Relatório da Comissão de Verificação de Fumigação do Departamento de Arauca recolhido pelo Centro de Memória Histórica, “a maior parte das áreas fumigadas não tinha plantação de coca, (…) outro fenômeno constatado é aquele onde existiam lavouras de uso ilícito que eram fumigadas, afetando principalmente as lavouras de alimentos sem afetar diretamente o cultivo da coca” (Publicado em ¡Pacifista!, Em 7 de junho de 2019).

A Aeronáutica realizou bombardeios indiscriminados que causaram a demolição de hectares inteiros de montanhas, destruindo tudo em seu caminho, por exemplo, quando caças descarregaram até sete toneladas de explosivos dentro dos parques em um único bombardeio (como o mesmo Exército reconheceu publicamente em várias declarações) (6). Em La Serranía de La Macarena houve uma temporada em que bombardeavam quase todos os dias sem nenhum objetivo específico.

Em várias ocasiões, quando os guerrilheiros monitoravam as comunicações da aviação, percebemos que estavam fazendo um polígono dentro do parque. Eles também bombardearam lugares onde nunca tínhamos estado, onde havia rebanhos de porcos do mato ou suínos; talvez porque quando detectaram o calor dos animais pensaram que eram campos de guerrilha.

Os guerrilheiros (apesar de terem cometido alguns erros que não podem ser ignorados, no sentido de não medir as consequências de algumas de suas ações militares contra o meio ambiente) preservaram por muitos anos grandes áreas de selva do país, como os municípios de Uribe, Mesetas, Lejanías, San Juan de Arama, Vista Hermosa, El Castillo, La Macarena, El Dorado, San Vicente, El Retorno e Concordia, apenas para citar alguns municípios do sul do país. Também ajudaram, junto com as comunidades camponesas, a cuidar e preservar muitos parques naturais nacionais, como o parque Tinigua, a cordilheira Chiribiquete, a cordilheira dos Picachos e a cordilheira La Macarena. Isso pode ser verificado com os camponeses e camponesas das respectivas zonas e com os relatórios de alguns institutos reconhecidos, que mencionamos anteriormente.

As FARC e os camponeses cuidaram desses territórios, não só estabelecendo normas para controlar o desmatamento, a degradação florestal e evitar a extinção de espécies da flora e da fauna, mas também evitando a entrada de multinacionais mineradoras e petrolíferas, além de grandes latifundiários e especuladores da terra.

Deve-se notar que “uma boa porcentagem das áreas protegidas pelo Sistema de Parques se sobrepõe a territórios de povos indígenas, comunidades afrodescendentes, camponeses e povos originários, que foram os guardiões da biodiversidade por muitos anos” (Washington Office for Latin American Affairs -WOLA-, 2008).

Para concluir, quero chamar a atenção para os seguintes aspectos:

1. Para erradicar as plantações ilícitas, devem ser atacadas as causas e não as consequências. A expansão dessas lavouras está ligada a todos os problemas do meio rural (posse da terra, violação dos direitos humanos, abandono do Estado, violência generalizada, estigmatização, políticas econômicas, entre outros). Portanto, para que haja soluções verdadeiras, as causas estruturais devem ser revistas e, em consequência, devem ser adotadas soluções que sejam abrangentes, sistemáticas e sustentáveis, que tenham em conta o ambiente, as comunidades, a sua cultura e as suas necessidades econômicas e sociais. E, claro, com as quais concordem as comunidades e organizações sociais, camponesas e ambientais que há muitos anos cuidam desses territórios.

2. Deve haver uma verdadeira política de conservação ambiental para parques nacionais naturais e outros ecossistemas frágeis. Uma política coerente, porque atualmente, enquanto atacam os camponeses por supostos danos ambientais, ao mesmo tempo, estão dando concessões a mineradoras e petroleiras.

Como sempre aconteceu e como ocorreu no ano de 2016. Por exemplo, quando a Autoridade Nacional de Licenciamento Ambiental (ANLA) concedeu licença ambiental à empresa HUPECOL OPERANTE para a exploração e aproveitamento de 150 poços de petróleo no projeto denominado “Área de Interesse de Perfuração Exploratória Serrana”, projeto localizado na jurisdição dos municípios de La Macarena e La Uribe, no departamento de Meta, e San Vicente del Caguán, em Caquetá. Essa licença ambiental foi concedida por meio da resolução 0286 de 18 de março de 2016.

Trago esse caso para deixar claro o que realmente aconteceu nesses territórios. Muitas pessoas não sabem que esta licença ambiental concedida à Hupecol foi suspensa porque as comunidades de Cormacarena (7) prepararam um Plano Integral de Gestão Ambiental (PIMA) para o sítio Caño Perdido, onde a empresa beneficiária pretendia desenvolver o projeto petrolífero. O PIMA foi assinado em 30 de dezembro de 2015 pela Cormacarena e o respectivo documento publicado no Diário Oficial da Companhia desde 5 de abril de 2016. Portanto, a ANLA teve que suspender a referida licença ambiental. E isso não aconteceu apenas no departamento de Meta. Aconteceu em Putumayo, no Norte de Santander, Guaviare, Cauca, Caquetá, Nariño … aconteceu em todo o país.

Enquanto as comunidades organizadas em associações camponesas, associações ambientais, mulheres, câmaras municipais, conselhos comunitários e uma miríade de formas de organização existentes no campo conservam, administram, defendem a terra e o território, ao mesmo tempo têm de enfrentar alguns camponeses que não cumprem as normas estabelecidas pela comunidade, mas também pelos proprietários que os espoliam e assassinam. Até o próprio Estado, que só está presente por meio de suas forças militares e policiais, perseguindo-os em suas operações de extermínio, violando seus direitos, capturando-os e, em muitos casos, assassinando-os.

Diante de tudo isso, a resposta do Estado é culpar o narcotráfico, os dissidentes, as gangues, a máfia, a guerrilha … a todos. Em vez de reconhecer que enfrentamos um governo comandado pelas elites, incapaz de resolver as causas dos problemas políticos, econômicos, sociais e culturais do país. Um Estado que governa para si mesmo, um sistema econômico extrativista que causa formas de superexploração das pessoas e da natureza.

Notas:
(1) Algumas destas árvores têm sido nomeadas criativamente pela comunidade: cabo de hacha, macacos deslizantes, leite de cabra, marfim, sanguíneo, cedro caoa, balanta, lagunero, ceiba tolua, cachicamo, caimo, achapo cedro, carrecillo, flor roxa, cuyubí, defumado, granadillo, caracol, cedro macho, entre outros.

(2) Retirado de: Rico, G. (2018, 18 de maio). A selva na Colômbia depois do conflito com as FARC. Mongabay Latam.

(3) As exceções recolhem opiniões e propostas de organizações sociais, camponesas e cívicas, entre outras. São pontos e propostas que o Governo não quis abordar nas discussões da mesa de Havana, Cuba.

(4) Caleta é onde algo está escondido ou guardado. É por isso que a cama dos guerrilheiros também era chamada de caleta; eram feitas de folhas de palmeira, paus, guaduas, madeira ou outros materiais.

(5) Trilha é o que se abre ao passar por um lugar; podem ser pegadas, lixo, cortes de vegetação ou qualquer outra coisa que avise da presença de alguém ali.

(6) Fonte: https://www.elespectador.com/noticias/judicial/siete-toneladas-de-explosivos-se-usaron-para-dar-de-baja-al-mono-jojoy/

(7) Corporação que administra e gerencia os recursos naturais renováveis e o meio ambiente no Departamento de Meta.

Dezembro de 2020

(*) Ex-guerrilheira das Farc-ep, firmante do Acordo de Paz. Foi combatente por quase duas décadas. É feminista e ambientalista, e em janeiro de 2021 inicia estudos no curso de Geografia da Universidade del Valle.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro – PCB

Fonte: https://www.pacocol.org/index.php/noticias/nacional/13792-una-historia-poco-conocida-las-farc-ep-y-su-defensa-del-medio-ambiente