Centenário da União Soviética
KKE – Partido Comunista da Grécia
Τeleconferência da Ιniciativa Comunista Europeia sobre o 100º aniversário da URSS
Discurso do Secretário-Geral do Comitê Central do KKE, Dimitris Koutsoumbas
Estimados camaradas:
Os eventos internacionais e nacionais 100 anos após a fundação da URSS confirmam a necessidade de enriquecer nossa percepção programática sobre o socialismo, incorporando todas as experiências positivas e negativas do próprio curso da construção socialista no século XX, extraindo conclusões valiosas acerca da vitória da contrarrevolução, sobretudo na URSS.
Temos plena consciência de que a revitalização da fé no socialismo está ligada tanto à elaboração de uma estratégia revolucionária para a transição ao socialismo, à avaliação objetiva de todo o percurso da construção socialista, quanto à interpretação das causas do predomínio da contrarrevolução e, em última instância, da restauração capitalista. Consideramos este dever imperativo e maduro para o nosso Partido, como para qualquer Partido Comunista. Há um século, os ataques burgueses contra o movimento comunista, muitas vezes na forma de elitismo intelectual, concentram seu fogo no núcleo revolucionário do movimento operário. Há uma postura reacionária, em geral, contra a necessidade da revolução e sua consequência política, a ditadura do proletariado, que é o poder revolucionário da classe trabalhadora. E, em particular, contra o resultado da primeira revolução vitoriosa, a Revolução de Outubro na Rússia, opondo-se ferozmente a todas as fases em que a Revolução desmascarou e repeliu ações contrarrevolucionárias e obstáculos oportunistas, que, em última análise, enfraquecem, direta ou indiretamente, a Revolução no nível social e político.
Há um século, toda e qualquer corrente que nega, rejeita ou abandona a necessidade da luta revolucionária assume o termo “socialismo democrático”, em oposição ao chamado comunismo “totalitário”, “ditatorial” ou “golpista”. Conhecemos bem esses ataques e calúnias contra o comunismo científico, contra a luta de classes, que se referem não apenas às condições do capitalismo, mas também, sob diferentes formas e condições, ao processo de formação de novas relações sociais, bem como sua expansão e transformação em relações comunistas. Por isso, na discussão da “democracia socialista” são utilizados diferentes critérios para julgar os acontecimentos ocorridos em um ou outro período, com o objetivo explícito de eliminar a contribuição da construção socialista. Em alguns casos nega-se totalmente os 70 anos da história da URSS, em outros ataca-se especificamente o período em que se estabeleceram as bases socialistas. Em todo caso, sempre se apoiam nas práticas políticas que constituíram desvios do rumo socialista.
O KKE segue firme na defesa da contribuição da via socialista na URSS, em geral durante a construção socialista no século XX, da luta pelo progresso social e pela abolição da exploração do homem pelo homem. Hoje o nosso Partido está ideologicamente mais armado e tem mais experiência política para refutar as intervenções ideológicas dos centros burgueses. Temos estudado e continuamos refletindo e estudando cada vez mais o curso inexorável da luta de classes pela transição para a nova sociedade, sua fundação e desenvolvimento, a expansão e aprofundamento das novas relações de produção e distribuição e de todas as relações sociais para a formação do novo homem. Apontamos as contradições, os erros e desvios ocorridos sob pressão e correlação internacional de forças, sem anular a contribuição da URSS e do socialismo.
Examinamos os acontecimentos de forma crítica e autocrítica para que o KKE, como parte do movimento comunista internacional, se fortaleça na luta pela derrubada do capitalismo, pela construção do socialismo. Ao mesmo tempo, acreditamos que nossas próprias fragilidades, deficiências teóricas e erros de análise também faziam parte do problema do MCI. Estamos conscientes de que os futuros estudos históricos realizados pelo nosso Partido e internacionalmente pelo movimento comunista lançarão, sem dúvida, ainda mais luz sobre questões relacionadas com a experiência da URSS e do resto dos países socialistas. De todo modo, o desenvolvimento da teoria do socialismo-comunismo é uma necessidade, um processo vivo, um desafio para o nosso Partido e para o movimento comunista internacional, hoje e no futuro.
AS SEIS DÉCADAS DE EXISTÊNCIA DA URSS (1922 – 1956 e 1956 – 1991) E OS TRINTA ANOS DA BARBARIDADE CAPITALISTA CONTEMPORÂNEA APÓS A DISSOLUÇÃO DA URSS (1991 – 2022)
A data de 30 de dezembro de 2022 marca o 100º aniversário da fundação da URSS, que ocorreu em 30 de dezembro de 1922. Esses 100 anos que se passaram desde aquele momento histórico terão que ser abordados respondendo a algumas perguntas cruciais. Primeiro: a fundação da URSS após a Grande Revolução Socialista de Outubro teve um efeito positivo para os povos e nacionalidades da própria União Soviética, assim como para os outros povos do mundo? Segundo: foi um percurso ascendente, positivo em todos os seus aspectos, sem erros, fraquezas, deficiências, retrocessos? Se não, a que se devem os aspectos negativos, onde foram encontrados, o que os causou? Foram estes que tiveram impacto e acabaram por levar à dissolução da URSS, à derrubada do sistema socialista? Terceiro: o mundo melhorou ou piorou após a dissolução da URSS? Os povos ao redor do mundo se beneficiaram ou perderam com este primeiro grande revés da humanidade, que se transformou de um “ataque aos céus” em um trágico deslize para as “profundezas do Hades”?
A periodização em geral está longe de nossa lógica. Mas permitam-me não evitá-lo, fazendo uma avaliação objetiva destes 100 anos que se passaram desde então (1922 – 2022). Claro, antes de tudo isso, precedeu todo um período durante o qual o desenvolvimento do capitalismo e a luta de classes inevitavelmente trouxeram o comunismo para o primeiro plano histórico. Do “Manifesto do Partido Comunista” de Marx-Engels em 1848, e a primeira revolução proletária da Comuna de Paris em 1871, até o triunfo da Revolução Socialista de Outubro na Rússia em 1917. A revolução de 1917 foi o ponto de partida de uma das maiores conquistas da civilização na história da humanidade: a abolição da exploração do homem pelo homem. A revolução prevaleceu através da liderança do Partido de Lênin na Rússia, enfrentando os fortes estados imperialistas articulados na aliança da Entente e uma intervenção voltada a sufocar o movimento revolucionário, por meio de uma feroz guerra civil dos donos de riquezas pelo antigo poder. A conquista da vitória e o domínio final da contrarrevolução possibilitaram o estabelecimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em fins de 1922. Assim começou o novo rumo histórico da URSS, de 30 de dezembro de 1922 a 26 de dezembro de 1991, quando a bandeira vermelha com a foice e o martelo desceu do Kremlin. A esperança então migrava da União Soviética, o farol que iluminou o caminho dos povos durante todas aquelas décadas, e voltou a repousar exclusivamente na luta de classes!
A contribuição do socialismo nos anos de existência da URSS
Nos 69 anos de existência da URSS, apesar dos problemas, o sistema socialista demonstrou a superioridade do socialismo sobre o capitalismo, as enormes vantagens que proporciona ao trabalho e à vida dos trabalhadores. A União Soviética e o sistema socialista mundial forneceram o único contrapeso real à agressão imperialista. O papel da União Soviética na Vitória Antifascista dos Povos, na Segunda Guerra Mundial, foi decisivo. As vitórias do Exército Vermelho propagaram significativamente o desenvolvimento dos movimentos antifascistas e de libertação nacional, liderados pelos partidos comunistas. Nos países da Europa Central e Oriental, a luta antifascista, com a contribuição decisiva da URSS, esteve ligada à derrubada do poder burguês. Os estados socialistas deram exemplos históricos de solidariedade internacionalista para com os povos que lutavam contra a exploração, a ocupação estrangeira e a intervenção imperialista. Contribuíram decisivamente para a liquidação do colonialismo e para a limitação dos conflitos e confrontos militares.
Os avanços dos trabalhadores nos Estados socialistas, por muitas décadas, foram uma referência e contribuíram para as conquistas obtidas pelo movimento operário e popular nas sociedades capitalistas. A correlação internacional de forças que se formou após a Segunda Guerra Mundial obrigou os Estados capitalistas, em certa medida, a recuar e manobrar para tentar conter a linha revolucionária de luta e criar condições para a cooptação do movimento operário. A abolição das relações capitalistas de produção libertou as pessoas dos grilhões da escravidão assalariada e abriu caminho para a produção e o desenvolvimento das ciências com o objetivo de satisfazer as necessidades populares. Dessa forma, toda a população tinha garantia de trabalho, saúde pública e educação gratuitas, prestação de serviços a preços acessíveis pelo Estado, moradia e acesso à criação intelectual e cultural. A completa erradicação da terrível herança do analfabetismo, combinada com o aumento do nível geral de educação e especialização, e a abolição do desemprego, constituem conquistas únicas do socialismo.
Na União Soviética, a jornada de trabalho era uma das mais curtas do mundo. Todos os trabalhadores tinham dias de descanso garantidos e férias anuais pagas. O tempo livre foi ampliado e seu conteúdo modificado, tornando-se um tempo para o desenvolvimento do nível cultural e educacional dos trabalhadores, para o aumento de sua participação no poder operário e no controle administrativo das unidades produtivas. A Previdência Social dos trabalhadores era prioridade absoluta do Estado socialista. Um sistema abrangente de benefícios de aposentadoria foi criado com a importante conquista de baixas idades de aposentadoria (55 anos para mulheres e 60 anos para homens). O poder socialista lançou as bases para a abolição da desigualdade das mulheres, superando as grandes dificuldades que existiam objetivamente. O socialismo assegurou na prática o caráter social da maternidade e dos cuidados infantis.
A ditadura do proletariado, o poder operário revolucionário, como Estado que expressava os interesses da maioria dos explorados e não da minoria dos exploradores, revelou-se uma forma superior de democracia. Pela primeira vez na história, a unidade produtiva tornou-se o núcleo da democracia, com a participação representativa dos trabalhadores no poder e na administração, a possibilidade de escolher dentre eles mesmos e revogar os mandatos dos representantes nos níveis superiores do poder. O poder operário tirou as massas da marginalidade e desenvolveu-se um grande número de organizações de massas: sindicais, culturais, educativas, femininas, juvenis, onde se organizou a maioria da população. A propaganda burguesa e oportunista, falando da falta de liberdade e dos regimes antidemocráticos, projeta os conceitos de “democracia” e “liberdade” com seu conteúdo burguês: identifica a democracia com o parlamentarismo burguês, a liberdade com o individualismo burguês e a propriedade privada capitalista. A verdadeira essência da liberdade e da democracia sob o capitalismo é a coerção econômica da escravidão assalariada e a ditadura do capital na sociedade em geral e nas empresas capitalistas em particular.
A Revolução de Outubro iniciou um processo de igualdade entre nações e nacionalidades, no quadro de um grande Estado multinacional e definiu o rumo para a resolução dos problemas nacionais ao abolir a opressão nacional em todas as suas formas e manifestações. Esse movimento, no entanto, foi minado ao longo do processo de erosão das relações socialistas e foi completamente encerrado com os eventos contrarrevolucionários dos anos 1980. As conquistas indubitavelmente alcançadas nos Estados socialistas, tendo em conta o seu ponto de partida e também o nível de vida dos trabalhadores no mundo capitalista, mostram que o socialismo tem um potencial intrínseco para a melhoria significativa e contínua da prosperidade social e do desenvolvimento da personalidade humana. A contribuição e a superioridade da construção socialista na URSS devem ser julgadas em relação à estratégia do cerco imperialista, que gerou grandes desastres e contínuos obstáculos e ameaças.
O primeiro período de construção socialista até a Segunda Guerra Mundial enfrentou o problema básico e principal da abolição da propriedade capitalista e a gestão planejada dos problemas sociais e econômicos herdados do capitalismo e exacerbados pelo cerco e pela intervenção imperialista. Durante este período, o poder soviético reduziu drasticamente a profunda desigualdade que a revolução havia herdado do império czarista. No período 1917-1940, o poder soviético alcançou principalmente sucessos. Promoveu a eletrificação e a industrialização da produção, a expansão dos meios de transporte, a mecanização de grande parte da produção agrícola. Deu início à produção planejada, e níveis impressionantes foram alcançados no desenvolvimento da produção industrial socialista. As capacidades produtivas domésticas foram desenvolvidas com sucesso em todos os ramos industriais. Cooperativas de produção (kolkhozes) e fazendas estatais (sovkhozes) foram criadas, estabelecendo assim a base para a expansão e o domínio das relações socialistas na produção agrícola. A “revolução cultural” aconteceu. Começou a formação de uma nova geração de especialistas e cientistas comunistas.
A conquista mais importante foi a abolição completa das relações capitalistas de produção, com a abolição da venda da força de trabalho, lançando assim as bases para a nova formação sócio-econômica. Até a Segunda Guerra Mundial, foram criadas as bases para a nova sociedade. A luta de classes que levaria à abolição das relações capitalistas e à supremacia do setor socializado da produção com base no Planejamento Central estava sendo realizada com sucesso. Resultados impressionantes foram alcançados em termos de crescimento da prosperidade social. Após a Segunda Guerra Mundial e a reconstrução do pós-guerra, a construção socialista entrou em uma nova fase. O Partido enfrentou novas demandas e desafios. O XX Congresso do PCUS (1956) é um ponto de viragem, pois nesse congresso foi adotada uma série de posições oportunistas sobre questões econômicas, sobre a estratégia do movimento comunista e sobre as relações internacionais. A correlação de forças na luta existente durante todo o período anterior foi alterada, consolidando-se uma viragem a favor das posições revisionistas-oportunistas no XX Congresso, pelo que o Partido foi gradualmente perdendo as suas características revolucionárias.
A resistência social (dos camponeses kolkhozes, dirigentes da produção agrícola e da indústria) à necessidade de alargar e aprofundar as relações socialistas de produção expressou-se, em nível político e ideológico, numa luta interna partidária no início da década de 1950. O duro debate que terminou com a aceitação teórica da lei do valor como lei do socialismo levou a decisões políticas com consequências imediatas e fortes para o curso do desenvolvimento socialista, em comparação com o período pré-guerra, quando o atraso material fez com que o efeito dessas posições teóricas fossem menos prejudiciais. Estas forças expressaram-se politicamente através das posições assumidas nas resoluções do XX Congresso do PCUS, que se revelou o congresso da supremacia do desvio de direita oportunista. Foram adotadas decisões políticas que ampliaram as relações mercadoria-dinheiro (potencialmente capitalistas), em nome da correção das fragilidades do Planejamento Central e da administração das unidades produtivas socialistas.
Para resolver os problemas que surgiam na economia, utilizavam-se meios e vias que pertenciam ao passado. Com a promoção de políticas de “mercado”, em vez do reforço da propriedade social e do Planeamento Central, da homogeneização da classe trabalhadora (com o alargamento das capacidades de multiespecialização, a alternância na divisão técnica do trabalho), da participação na organização do trabalho, controle operário de baixo para cima, a tendência oposta começou a se fortalecer. Sob tais circunstâncias, o nível de consciência social gradualmente começou a diminuir. A experiência anterior e a eficácia da indústria soviética no controle de qualidade, na organização e administração mais eficazes, nas intervenções para a conservação de material e tempo de trabalho, etc. foram perdidas. Este deslize teórico e o correspondente retrocesso político na URSS ocorreram numa nova fase em que o mais alto nível de desenvolvimento das forças produtivas necessitava de um correspondente desenvolvimento da Planificação Central. Estava madura a necessidade do aprofundamento das relações socialistas.
Na década de 1980, o oportunismo através da perestroika se transformou totalmente em uma força contrarrevolucionária traiçoeira. Uma nova opção oportunista foram as resoluções do XXVII Congresso (1986). Em seguida, promoveu-se a contrarrevolução com a aprovação da lei (1987) que legitimou institucionalmente as relações capitalistas, sob a aceitação de diversas formas de propriedade. As forças comunistas coerentes que reagiram à fase final da traição, no XXVIII Congresso do PCUS, não conseguiram denunciar adequadamente essas posições nem organizar a reação revolucionária da classe trabalhadora. Consideramos que a linha de “coexistência pacífica”, tal como foi desenvolvida no pós-Segunda Guerra Mundial, em certa medida no XIX Congresso (outubro de 1952) e principalmente no XX Congresso do PCUS (1956), reconheceu a brutalidade e a agressão imperialista dos EUA e da Grã-Bretanha e de certos setores da burguesia e suas respectivas forças políticas nos estados capitalistas da Europa Ocidental, mas não como elemento integrante do capitalismo monopolista, do imperialismo. Dessa forma, permitiu-se o desenvolvimento de visões utópicas, como a de que é possível ao imperialismo aceitar a coexistência a longo prazo com forças que romperam com sua dominação mundial.
A estratégia unificada do capitalismo contra os estados socialistas e o movimento operário nos países capitalistas foi subestimada. As contradições entre os Estados capitalistas que indubitavelmente contêm o elemento de dependência, como é inevitável na pirâmide imperialista, não foram devidamente analisadas. A atitude de muitos partidos comunistas em relação à social-democracia fazia parte dessa estratégia. A visão de que a social-democracia estava dividida em uma ala “esquerda” e uma ala “direita” era dominante nos partidos comunistas, enfraquecendo seriamente a luta ideológica contra a social-democracia. Em nome da unidade da classe trabalhadora, os partidos comunistas fizeram uma série de concessões ideológicas e políticas, enquanto as declarações de unidade vindas do lado da social-democracia não visavam à derrubada do sistema capitalista, mas à separação da classe trabalhadora da influência das ideias comunistas e sua alienação como classe.
Na Europa Ocidental, nas fileiras de muitos partidos comunistas, a pretexto das peculiaridades nacionais de cada país, dominava a corrente oportunista do “eurocomunismo”, que negava as leis científicas da revolução socialista, da ditadura do proletariado e em geral a luta revolucionária. A interação recíproca do oportunismo do momento entre os partidos comunistas dos países capitalistas e os partidos comunistas no poder foi reforçada pelas condições de medo de um ataque nuclear contra os países socialistas, de agudização da luta de classes dentro dos estados socialistas (Europa oriental e central) e novas guerras imperialistas (por exemplo, contra a Coréia, Vietnã). As táticas flexíveis do imperialismo tiveram um impacto no desenvolvimento do oportunismo nos partidos comunistas dos estados socialistas, no enfraquecimento da construção socialista e da luta revolucionária na Europa capitalista e em todo o mundo. Assim, direta e indiretamente, a pressão imperialista sobre os estados socialistas foi reforçada.
Em geral, a direção que se tornou predominante pode ser analisada hoje não apenas teoricamente, mas também por meio de seus resultados. Após um curso de aplicação dessas reformas na URSS, os problemas claramente se tornaram agudos. A estagnação apareceu pela primeira vez na história da construção socialista. O atraso tecnológico continuou a ser uma realidade na grande maioria das empresas. Muitos produtos de consumo escassearam e problemas adicionais surgiram no “mercado”, pois as empresas causaram aumentos artificiais de preços, acumulando mercadorias em armazéns ou fornecendo-as em quantidades controladas. Um importante índice que reflete o declínio da economia soviética na década de 1970 foi a perda de peso da URSS na produção mundial de matérias-primas industriais e manufatureiras. A crescente interação dos elementos do mercado na produção social direta do socialismo o enfraqueceu. Isso levou a um declínio na dinâmica do desenvolvimento socialista. Reforçou os interesses individuais e de grupo a curto prazo (com aumento das diferenças salariais entre os trabalhadores de cada empresa, entre os trabalhadores e o mecanismo de gestão, entre as diferentes empresas) contra os interesses globais da sociedade.
Com o passar do tempo, foram criadas as condições sociais para o surgimento da contrarrevolução e sua vitória final tendo como veículo a perestroika. Com essas reformas, criou-se a possibilidade de que valores inicialmente acumulados por meios ilícitos (contrabando, etc.) fossem investidos no mercado ilegal. Estas oportunidades destinavam-se principalmente a funcionários das camadas dirigentes de empresas e setores produtivos, quadros dos kolkhozes e do comércio exterior. A Procuradoria-Geral da URSS dispunha de dados relativos à chamada “para-economia” (economia paralela). De acordo com essas estatísticas, uma parte importante da produção agrícola cooperativa ou estatal foi canalizada para os consumidores por meio de canais ilegais.
As diferenças de renda entre os produtores agrícolas individuais, os kolkhosniks, bem como a oposição à tendência de fortalecer o caráter diretamente social da produção agrícola, aumentaram. Uma parte dos camponeses e quadros dirigentes dos kolkhozes, que enriqueciam, viram-se fortalecidos como uma camada social que dificultava a construção do socialismo. As diferenças sociais na indústria ficaram ainda mais intensas com a concentração dos “lucros corporativos”. O chamado “capital paralelo”, fruto não só dos lucros corporativos como também do mercado ilegal, de atos criminosos de desvio do produto social, buscava funcionar legalmente como capital na produção, ou seja, visando a privatização dos meios produção e a restauração do capitalismo. Os donos desse capital formaram a força social motriz da contrarrevolução. Eles usaram sua posição em órgãos partidários e estatais e o apoio de setores duvidosos da população que eram vulneráveis à influência da ideologia e vacilações burguesas. Essas forças influenciaram direta ou indiretamente o Partido, fortalecendo sua erosão oportunista e degeneração contrarrevolucionária, que se expressou por meio de políticas como a “perestroika” que buscavam a consolidação institucional das relações capitalistas. Isso foi alcançado após a perestroika, com a derrubada do socialismo.
A construção socialista é um processo ininterrupto, que começa com a tomada do poder pela classe trabalhadora. Inicialmente, cria-se um novo modo de produção que predomina basicamente pela abolição completa das relações capitalistas, da relação entre capital e trabalho assalariado. Posteriormente, as novas relações são alargadas e aprofundadas, as relações comunistas e o novo homem desenvolvem-se até um nível superior que garanta o seu domínio irreversível, desde que as relações capitalistas sejam abolidas em escala mundial ou, pelo menos, nos países desenvolvidos e influentes no sistema imperialista. Mas a construção socialista contém a possibilidade de uma reversão de seu curso, de uma regressão ao capitalismo. Tal regressão não é um fenômeno novo no desenvolvimento social e, de qualquer forma, constitui um fenômeno temporário em sua história. É um fato irrefutável que nenhum sistema socioeconômico se consolidou de imediato na História da Humanidade. A transição de um estágio inferior de desenvolvimento para um superior não é um processo ascendente direto. Isso é demonstrado pela própria história do triunfo do capitalismo.
A formação de um modo de produção comunista começa pela socialização dos meios de produção concentrados, pelo Planejamento Central, pela alocação da força de trabalho nos diversos ramos da economia e pela distribuição planificada do produto social, com a formação das instituições de controle operário. Com base nessas novas relações econômicas, as forças produtivas, o homem e os meios de produção se desenvolvem rapidamente, a produção e a sociedade com um todo são organizadas. Alcança-se a acumulação socialista, um novo nível de prosperidade social. No socialismo, a socialização, assim como toda a organização da economia e da sociedade, é realizada através do Estado da classe trabalhadora, sob a direção do Partido Comunista, que depende da mobilização das massas trabalhadoras, do controle operário. Qualquer atraso ou, o que é mais importante, qualquer revés no desenvolvimento das relações comunistas leva à agudização da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção. Com base nisso, as contradições e diferenças sociais podem levar a antagonismos sociais e levar a um acirramento da luta de classes.
No socialismo existe uma base objetiva para que, sob certas condições, as forças sociais possam atuar como potenciais portadoras de relações de exploração, como finalmente aconteceu na URSS. Depois de um certo período, o Partido perdeu gradualmente suas características revolucionárias e, como resultado, as forças contrarrevolucionárias conseguiram dominar o Partido e o poder. Caracterizamos os acontecimentos de 1989-1991 como uma vitória da contrarrevolução. Foi o último ato do processo que levou ao aprofundamento das desigualdades e diferenças sociais e, consequentemente, das forças da contrarrevolução e ao retrocesso social. Não é por acaso que tais acontecimentos foram amparados pela reação internacional, pois a construção socialista, principalmente no período da abolição das relações capitalistas e da fundação do socialismo até a Segunda Guerra Mundial, sofreu o ataque ideológico e político do imperialismo internacional.
A vitória da contrarrevolução em 1989-1991 não demonstra a falta de um nível mínimo de desenvolvimento das condições materiais necessárias para iniciar a construção socialista na Rússia. No entanto, o socialismo enfrentou outras dificuldades específicas, dado que a construção do socialismo começou num país com um nível de desenvolvimento das forças produtivas inferior (médio-fraco, como o definiu V.I.Lênin) em comparação com os países capitalistas avançados e com alto grau de distribuição desigual em seu desenvolvimento devido à longa sobrevivência das relações pré-capitalistas, especialmente nas ex-colônias asiáticas do império czarista. O socialismo enfrentou os desastres da Segunda Guerra Mundial, enquanto as potências capitalistas, como os EUA, nunca experimentaram uma guerra em seu território. Em contraste, a guerra foi usada pelos EUA para superar a grande crise econômica da década de 1930. O gigantesco desenvolvimento econômico e social alcançado nessas condições demonstra a superioridade das relações de produção comunistas, mesmo em sua fase inicial de desenvolvimento. A contrarrevolução na URSS não resultou de uma intervenção militar imperialista, mas sim de um processo interno desde cima, fruto da mutação oportunista do Partido Comunista e da conseguinte direção política do poder soviético.
Priorizamos os fatores internos, as condições socioeconômicas que reproduzem o oportunismo sobre a base da construção socialista, claro, sem subestimar o efeito de longo prazo e a interferência multifacetada do imperialismo no desenvolvimento do oportunismo e sua evolução em uma força contrarrevolucionária. Consequentemente, a natureza científica e de classe das políticas do Partido Comunista é uma pré-condição fundamental para a construção socialista. Perdidas essas características, instala-se o oportunismo que, se não for detido no tempo, torna-se uma força contrarrevolucionária. Nosso Partido assumiu suas responsabilidades em relação a avaliações errôneas e a debilidade teórica em compreender profundamente todos esses desenvolvimentos no tempo. O tratamento crítico da posição do KKE em relação à construção socialista não retira o fato de que nosso Partido, ao longo de sua história, fiel ao seu caráter internacionalista, defendeu o processo de construção do socialismo-comunismo no século XX, com a vida de milhares de seus militantes e quadros. A defesa combativa do socialismo no século XX foi e continua a ser uma escolha consciente do nosso Partido. O KKE não aderiu às forças que, oriundas do movimento comunista e em nome da crítica à URSS e outros países, foram conduzidas ao niilismo, à negação do seu carácter socialista, à adoção da propaganda do imperialismo; tampouco reviu sua defesa do socialismo, apesar de suas debilidades.
A tragédia que os povos da ex-URSS e os povos de todo o mundo estão vivendo não tem precedentes após a dissolução da URSS e a derrubada do sistema socialista (1991-2022):
1. Exploração brutal do homem pelo homem. Conquistas da classe trabalhadora e dos povos obtidas ao longo de décadas acabaram sendo jogadas na lata de lixo. Condições de trabalho semelhantes às da Idade Média. Dissolução da segurança social. Restrição das liberdades e direitos sindicais. Aumento do desemprego. Crises econômicas e uma série de leis anti-trabalhistas e antipopulares. Problema agudo de moradia. Risco de pobreza energética, aumento de preços, inflação que corrói a renda popular. Impostos altos.
2. Abuso de mulheres, aumento da desigualdade entre homens e mulheres. Falta de proteção à criança. Aumento do uso de drogas. Aumento dos casos de abuso infantil. Aumento do racismo, nacionalismo, fascismo-nazismo. Repressão e violência de Estado. Interceptações telefônicas e monitoramento por agências de inteligência nacionais e estrangeiras, corrupção e escândalos.
3. Intensificação dos antagonismos imperialistas. Contradições, conflitos, guerra imperialista, sendo a guerra da Ucrânia a mais recente. Ondas de refugiados e imigrantes. Risco de ameaça nuclear.
4. Destruição do meio ambiente. Intensificação das catástrofes causadas por fenômenos meteorológicos, sem proteção para as famílias populares (enchentes, terremotos, incêndios). Pobreza energética e falta de eletricidade, energia. Risco de crise alimentar. Guerra pela água.
Este é o capitalismo, brutal e implacável para o povo e a juventude. Aqueles que esperavam ou calculavam uma melhora na situação internacional, um novo período de prosperidade para os povos dos diversos países do mundo e de todos os continentes, ficaram muito desapontados. Os capitalistas tinham um plano. Os aparelhos burgueses trabalharam sistematicamente para restaurar a barbárie através da derrubada do socialismo e da dissolução da URSS. Seu aparato de propaganda enganou pessoas puras que acreditavam em algo mais bonito. Muitos foram conduzidos por este caminho. É hora de entender como e quem minou os esforços dos trabalhadores, dos progressistas, dos comunistas, para fazer a humanidade voltar a momentos anteriores de sua história.
Estamos convencidos de que as derrubadas contrarrevolucionárias não mudaram o caráter da época. O século XXI será o século de uma nova ascensão do movimento revolucionário mundial e de uma nova série de revoluções sociais. As lutas que se limitam a defender algumas conquistas, embora sejam necessárias, não podem trazer soluções verdadeiras e permanentes. A única solução e perspectiva inevitável continua sendo o socialismo, apesar de sua derrota no final do século XX. A necessidade do socialismo surge do agudizar das contradições do mundo capitalista contemporâneo, do sistema imperialista. Ela decorre do fato de que na fase imperialista de desenvolvimento do capitalismo, que se caracteriza pela dominação dos monopólios, as condições materiais que tornam necessária a transição para um sistema sócio-econômico superior estão plenamente amadurecidas. Nosso partido continua estudando e investigando a construção do socialismo, codificando melhor as conclusões e questões que ainda não abordamos plenamente. Com base nessa tarefa, também é julgada a capacidade do Partido de vincular de forma abrangente sua estratégia à luta cotidiana, de desenvolver objetivos para os problemas imediatos dos trabalhadores, em combinação com a estratégia de conquista do poder operário revolucionário e a construção socialista.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Fonte: http://pt.kke.gr/es/articles/eleconferencia-de-la-niciativa-Comunista-Europea-sobre-el-100-aniversario-de-la-URSS-p-Discurso-del-Secretario-General-del-CC-del-KKE-Dimitris-Koutsoumbas/