O fascismo “em si” e “para si” (sobre as jornadas de 2013)

Tito Flávio Bellini*

Preâmbulo de 06 de julho de 2023

Revolvendo os documentos e textos que escrevo de forma errática, localizei esse abaixo, escrito no calor das manifestações de 2013. Passados 10 anos, não fiz nenhuma correção, justamente para manter seu caráter de testemunho. Nos anos seguintes ao texto, tivemos tanto o golpe contra da Dilma, o lavajatismo que condenou e prendeu Lula, o tornando inelegível e abrindo caminho para o nascimento do bolsonarismo. Fica abaixo, o retrato daquele momento.

Texto escrito em 26 de junho de 2013:

Tentando fazer um ensaio analítico sobre os últimos acontecimentos no Brasil, entender as gigantescas manifestações que vêm ocorrendo nos últimos dias, me coloquei em busca de interpretações, textos de movimentos e partidos, gritos de ordem, gestos e pautas. Após os dois últimos grandes protestos, principalmente, creio ser possível tentar traçar algumas linhas de interpretação. Ainda que existam grandes diferenças de organização, tolerância a pautas entre manifestações realizadas por exemplo, em Belo Horizonte e São Paulo, há nos últimos dias uma tendência homogeneizante por parte dos principais veículos de comunicação de massa, que apontam para três discursos diferentes entre o início dos protestos e o momento atual.

No primeiro momento, houve um rechaço por parte da grande imprensa, atribuindo as primeiras mobilizações à ação de baderneiros e desocupados, buscando deslegitimar as reivindicações colocadas, a saber, um amplo debate sobre a concepção de cidade através da demanda imediata pela revogação de aumentos na tarifa dos transportes públicos. Foram ações articuladas por novas organizações, como o MPL, e com adesão ativa de organizações de esquerda, como o PSOL, o PSTU, o PCB, o PCO, MTST, MST, CONLUTAS, INTERSINDICAL, entre outros, incluindo-se até organizações como a UJS e a própria UNE. Todos, com suas diferentes bandeiras, atuavam sem constrangimento. A exceção eram os anarquistas, também em grande número, que também portavam suas bandeiras pretas ou pretas e vermelhas, mas que questionavam a presença dos partidos de esquerda. As reivindicações também eram claras e precisas.

Uma mudança começa a ocorrer a partir do terceiro grande ato em 13 de junho, após brutal violência policial amparada pelas ordens do governo estadual de São Paulo, do tucano Geraldo Alckmin (PSDB), onde a imprensa sofreu ataques a diversas pessoas, de variados meios de comunicação, que passaram então a condenar a ação desproporcional repressiva.

A resposta à repressão ganha vulto nas ruas, com o aumento das mobilizações e a infiltração sistemática de setores reacionários e conservadores, desde policiais até membros da juventude tucana, liberais da classe média, skinheads e outras categorias fascistas e fascistizantes, que passaram a incorporar demandas morais, iniciando então uma repressão interna aos partidos políticos, como se todos fossem iguais. Nesse sentido, a grande imprensa começa a difundir uma linha de interpretação perigosíssima, pois contribuiu para enfatizar um certo “rechaço” a todos os partidos, mas sem precisar exatamente de onde tal repúdio partia. Partidos conservadores, como o PPS, passaram a aplaudir esse rechaço, numa contradição profunda e inaceitável. Talvez por isso estão propondo a mudança de nome de partido para “movimento”.

Por fim, temos o atual momento, em que as manifestações hoje são “lideradas” por setores da classe média, da pequena burguesia, com uma epifania “neonacionalista” verde-amarela e com ações violentas e abertas contra os partidos socialistas, comunistas, organizações e movimentos populares. As bandeiras concretas até então passam a ser brados entoados sem reflexão alguma, mas que dariam orgulho aos milicos pré-golpe de 1964 e, até mesmo, posteriormente ao golpe.

A intolerância aos partidos políticos é também reflexo da péssima formação de boa parte da juventude brasileira, consumista voraz de novas tecnologias, mas que pouco se aprofunda nas questões históricas, políticas, sociológicas. Como resultado, passam a ser massa de manobra fácil para discursos nacionalistas, homofóbicos, intolerantes, abrindo caminho para a xenofobia e para a reação conservadora. A imagem do prédio da FIESP na Av. Paulista projetando a bandeira do Brasil em sua fachada chega a ser hilária. Posteriormente foi divulgado que tal imagem teve o intuito também de preparar reunião que ocorreu no dia seguinte entre o presidente da FIESP e militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), alunos do Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército, conforme divulgado no site da própria entidade patronal.

Alguns apontam ainda para a existência de um caráter de “frente” nas principais manifestações, com diferentes “blocos” ou “colunas”, congregando inclusive movimentos antagônicos. Creio que, neste momento, a disputa está acontecendo, não só em relação aos governos, mas internamente, pela liderança propositiva das manifestações. Os oportunistas da direita reacionária e fascista, estes sim, querem assumir a direção de uma legítima revolta popular para transformá-la em revolta nacionalista e reacionária. Temos que ser firmes e indicar: não passarão! Aliás, o título desse artigo busca apontar que nem todos são fascistas declarados, como é óbvio, mas sem a politização e reflexão dos fundamentos da desigualdade e da crise das instituições políticas, os setores sociais despolitizados e sensíveis aos apelos e brados fascistóides poderão deixar de ser massa de manobra da direita reacionária para tornarem-se sujeitos ativos de tais concepções ultraconservadoras. Aí reside o maior perigo.

Cabe aos setores libertários enfatizar a necessidade de uma organicidade que se oriente teoricamente para a construção de alternativas societárias consistentes. Ao questionar apenas o setor político e a moral, as atuais manifestações mostram a incapacidade de entender a relação profunda entre esse sistema econômico capitalista e sua necessidade premente de corromper a política e a sociedade, como mecanismos de perpetuação no poder do grande capital, aparentemente sem rosto.

O papel da esquerda libertária é urgente e necessária, politizando as discussões, elevando o nível das pautas para questões concretas das condições de vida dos trabalhadores, indicando a urgência da superação não apenas do modelo econômico, mas do sistema capitalista em seu conjunto. Afinal, como enfatizava Lênin, sem teoria revolucionária não há ação revolucionária. Com bandeiras de movimentos e organizações socialistas, como em Belo Horizonte, ou sem elas, contra a catarse fascista e o brado de uma horda despolitizada que grita “sem partido”, devemos nos postar firmemente e gritar: “sem fascismo” e “socialismo”!

* Doutorando em História e Cultura

Docente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro

Secretário Político do PCB-Franca