“É triste estarmos falando em lulismo”
Como o PT conseguiu tornar-se hegemônico eleitoralmente entre os mais pobres?
Sempre foi um objetivo do PT organizar e representar politicamente os trabalhadores, que inclui a grande maioria dos setores mais pobres e mesmo os chamados setores médios. A inflexão política do PT em direção aos setores médios coincide com sua opção institucional e eleitoral nos limites da ordem burguesa. Hoje, o PT é um partido de centro-esquerda com um programa e uma ação política que podemos considerar pequeno-burguesa. Seu respaldo em amplos setores dos trabalhadores representa mais uma hegemonia passiva do que de fato uma organização independente que colocaria os trabalhadores na cena política na defesa de seus interesses de classe. O apoio, eleitoral e midiático, dos setores mais empobrecidos deve-se a uma mescla de assistencialismo e características carismáticas que emanam da liderança de Lula, acima do partido e muitas vezes contra ele. O PT esperava colocar a classe trabalhadora com independência e autonomia no cenário político e de fato não é isso que vemos.
O eventual governo Dilma Rousseff pode postar-se à esquerda da gestão Lula?
Não creio que Dilma represente nenhum movimento mais à esquerda do que o perfil de centro-direita que caracteriza o governo Lula, de fato fundado em uma governabilidade conservadora que inclui alianças com empresariado, agronegócio e interesses financeiros. As alianças anunciadas na candidatura Dilma aprofundam a dependência de legendas conservadoras como o PMDB e a necessidade de manter pactos com os setores empresariais.
Em nenhum momento a pré-candidata acenou com alianças e propostas aos movimentos sociais e aos setores de esquerda. Como participante de destaque no atual governo, a ministra nunca se posicionou mais à esquerda, em nenhuma das questões de destaque, na condução da política econômica, no caráter do chamado PAC [Plano de Aceleração do Crescimento], na relação com os movimentos sociais ou, que seja, na mera explicitação de qualquer divergência com os rumos do governo Lula. Pelo contrário, ela tem sido um porta-voz fiel da atual linha e nada indica que irá ser diferente em um possível governo seu.
O senhor acredita na tese de que o Brasil pode viver nos próximos anos um “lulismo sem Lula”?
É muito triste que a experiência política do PT tenha chegado ao ponto de estarmos falando em “lulismo”. Um partido que surgiu para inovar o fazer político e colocar em cena os trabalhadores não apenas não rompeu com a forma conservadora de fazer política – com o presidencialismo de coalizão e a relação fisiológica com o Congresso e suas legendas de aluguel – como reapresenta o que há de mais retrógrado na história política brasileira: a liderança pessoal que age sobre as massas sem a mediação política de partidos e propostas fundadas nos reais interesses da classe que se diz representar.
Essa forma política foi a que permitiu a Getúlio Vargas impor com o apoio dos trabalhadores uma político contrária aos trabalhadores. Infelizmente, é o que vemos hoje. O projeto de Lula é um projeto pessoal – voltar em 2014. Para ele, é melhor um governo como de Dilma, que não faça sombra e apenas prepare sua volta, do que uma alternância com a oposição tucana. Mas isso nada tem a ver com projetos societários e rumos para o Brasil. Vivemos uma hegemonia conservadora que se caracteriza pela concordância sobre o que é essencial aos interesses do grande capital e da acumulação capitalista em nosso país. O “lulismo” ou o “popululismo”, se preferirem, é apenas um meio para manter esses interesses conservadores com menos custos e evitar mudanças estruturais mais profundas que viessem atender aos reais interesses dos trabalhadores. (RGT)