Economicismo e Esquerdismo

Economicismo e EsquerdismoContribuições de Lênin para uma análise sobre a atualidade do Partido dos Trabalhadores

Por Luciano Teixeira*

“Há compromissos e compromissos. É preciso saber analisar a situação e as circunstâncias concretas de cada compromisso, ou de cada variedade de compromisso. É preciso aprender a distinguir o homem que entregou aos bandidos sua bolsa e suas armas para diminuir o mal causado, por eles e facilitar sua captura e execução, daquele que dá aos bandidos sua bolsa e suas armas para participar da divisão do saque.”[1]

Na última sexta, 01 de dezembro, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), juntamente com outras centrais sindicais que têm se colocado claramente como inimigas da classe trabalhadora, lançaram uma nota na qual cancelaram a Greve Geral do dia 05 de dezembro, agendada no dia 24 de novembro com a articulação de diversas forças políticas. A Greve marcada se dá principalmente no intuito de mobilizar a classe em torno da pauta da reforma da previdência, a ser votada a priori, no dia 06 de dezembro.

A justificativa da CUT em sua nota é a seguinte:

“O governo não tem votos suficientes para aprovar a “Reforma da Previdência” e decidiu retirar a proposta da pauta da Câmara dos Deputados, que tinha previsto a votação no próximo dia 6.”[2]

De fato, a votação pode ainda não ter seus votos fechados na Câmara de Deputados, mas o que as centrais pelegas escondem, é que o que está em debate não é só a Reforma, mas sim, a MP que revoga a obrigatoriedade do imposto sindical, essencial para a vida financeira das mesmas. O que se coloca nesse cenário na realidade é que a negociação do imposto sindical foi priorizada em detrimento da mobilização das bases dos sindicatos ligados à CUT, e diante disso, é necessário um debate há tempos colocado, porém, agora as contradições inseridas nele se escancaram, principalmente diante da mentira contada por esses sindicatos à classe, onde caracterizam como uma vitória nossa dado o adiamento da votação.

O que vemos nesse momento, nada mais é do que uma continuidade das posturas adotadas pelo PT durante os governos de Lula e Dilma, governos que se colocaram como defensores da classe trabalhadora, mas que na realidade puseram em prática um projeto de conciliação de classes que, longe de emancipar nossa classe, acaba por criar vícios na mesma em saídas pela institucionalidade do Estado burguês, o que fica evidente em diversos movimentos sociais que ainda hoje depositam fé no chamado projeto Democrático Popular, “saídas” estas que se mostraram ineficazes, acentuaram o caráter dependente do capitalismo brasileiro e resultaram em um verdadeiro retrocesso no processo de consciência dos trabalhadores brasileiros. Tudo isso acaba por demonstrar a falência do PT, do seu projeto de conciliação e da crença no acúmulo de forças que era colocada pelo Partido desde sua criação, no cerne do movimento operário paulista, com Lula sendo eleito a presidência em 2002. A origem do Partido dos Trabalhadores, por maiores as críticas que possam ser feitas, esta sim é combativa, com respaldo de operários mobilizados e certos de que o cenário colocado nos anos após redemocratização do Brasil pode ser mudado, porém, o caminho que o PT traça desde então acaba por romper com essa realidade, hoje o Partido se configura de maneira muito semelhante ao que coloca Florestan Fernandes em sua contribuição ao primeiro Congresso do PT, “O PT em Movimento”, texto no qual apresenta algumas tarefas básicas para os petistas naquele momento.

“Incorporados à participação eleitoral e às instituições oficiais, os social-democratas renegaram primeiro o marxismo e, depois, o socialismo propriamente dito. Não há dúvida que a social-democracia aprofundou a reforma social, impregnando a revolução dentro da ordem de conteúdos e esperanças inovadores.
(…)
(O PT) Precisa refundir os fundamentos de sua existência e propor-se em termos mais exigentes seus problemas de organização. Se não fizer isso, neste instante, perder-se-á como partido de massas, socialista e revolucionário. Oscilará de posição, convertendo-se em partido da ordem, de centro-esquerda, uma fatalidade brasileira.”[3]

A Metamorfose do Partido perpassa por diversos momentos, e entendê-los é uma tarefa que evidencia aos comunistas a atualidade do pensamento leninista da necessidade do Partido Comunista para uma transição ao socialismo, a qual não se dá por vias institucionais, mas ainda assim, sabe usar da institucionalidade enquanto mediação tática para a ditadura do proletariado.

Diante dessa sucinta caracterização, seguimos levantando então algumas colocações de Lênin que se mantém atuais e são essenciais para a compreensão da atualidade do Partido dos Trabalhadores e, consequentemente, da Central Única dos Trabalhadores. Para os comunistas é essencial que tenhamos clareza da totalidade em que nos inserimos para uma boa leitura da correlação de forças, mas para além disso, a construção do Poder Popular perpassa necessariamente o trabalho de base[1], e diante deste devemos saber o que é necessário para a elevação da consciência de classe de nossa classe. O debate entre o economicismo e o esquerdismo nesse ponto é essencial para uma prática alinhada com nossa estratégia, sendo assim, coloco algumas reflexões acerca disso:

1) Sobre o Economismo e a Iniciativa Popular da CUT

Inicio esse ponto colocando dois trechos de Lênin em “Que Fazer?”, texto onde o camarada traz um grande acúmulo do que vai descrever muitas características do que é o Partido Comunista, como alguns pontos sobre a Agitação e Propaganda e também sobre a militância como um trabalho a ser profissionalizado.

“(…) os comunistas não podem limitar-se à luta econômica, mas, também não podem admitir que a organização das denúncias econômicas constitua sua atividade mais definida. Devemos empreender ativamente a educação política da classe operária, trabalhar para desenvolver sua consciência política.”
“(…) é preciso que nos dediquemos principalmente a elevar os operários ao nível dos revolucionários, e nunca devemos descer, nós próprios, ao nível da “massa operária” como desejam os “economistas”, ao nível do “operário médio” (…)”[4]

Um ponto central em “Que Fazer?” que nos elucida muito o que se torna o PT é justamente a caracterização do Economicismo, praticado por oportunistas na Rússia pré-revolucionária. O Economicismo é justamente uma luta pragmática colocada para a classe, pobre, de certa forma, em Agitação e Propaganda, dado que os economicistas lutam por melhoras nas condições de trabalho, nos salários etc., porém nunca colocam uma análise sobre a gênese da necessidade dessas melhoras, ou seja, a contradição capital x trabalho. É nesse ponto que encontramos um diálogo com o que foram as medidas colocadas pelo PT no Brasil desde 2002. Não exatamente se limitando à mobilização da classe em torno de reivindicação de melhores salários, o que os governos petistas colocaram em prática foi a redução das demandas dos trabalhadores em torno do imediato e conciliando isso com as demandas da burguesia, o que acaba por resultar em uma estagnação e até mesmo retrocesso do que seria nosso processo de emancipação política, a crença na institucionalidade, como caracterizado anteriormente, cria vícios no movimento sindical, estudantil e outros movimentos sociais em torno da institucionalidade do Estado burguês, e não avança em políticas de fato progressistas, dada a necessidade da mediação entre trabalhadores e burguesia, o que vai originar, por exemplo, um crescimento de escolas técnicas, que formam mão de obra barata e, paralelo a isso, cada vez mais o Estado trata o trabalhador como qualquer coisa que não isso.

“A classe molda o comportamento dos indivíduos tão-somente se os que são operários forem organizados politicamente como tal. Se os partidos políticos não mobilizam as pessoas como operários, e sim como “as massas”, o “povo”, “consumidores”, “contribuintes”, ou simplesmente “cidadãos”, os operários tornam-se menos propensos a identificar-se como membros da classe.”[5]

Trazendo para um exemplo mais atual de como se materializa essa regressão no processo de consciência, podemos analisar o abaixo-assinado colocado pela CUT contra a reforma trabalhista². Ora, em um cenário onde a burguesia se encontra fortalecida, o governo ataca os trabalhadores diretamente, não mais se apoia em um projeto conciliatório e, após um golpe institucional, a classe trabalhadora se encontra em um momento onde cresce a descrença na democracia burguesa, sendo a proposta de um abaixo-assinado para barrar uma lei que vai em direção ao que é a necessidade dessa “democracia” no mínimo ingênua, porém, sabemos bem que a ingenuidade não é uma característica dos conciliadores, mesmo grupo político que atravancou a construção da Greve Geral do dia 30 de junho. A proposta em questão, é um exemplo do caráter não emancipatório de muitos programas efetivados pelo PT, que em momento algum buscaram de fato colocar a classe enquanto sujeito político capaz de transformar sua realidade, mas sim, acabaram por contribuir à fragmentação de nossas lutas.

2) Sobre o Esquerdismo e a Greve do dia 05

Relaciono esses pontos exatamente por encontrar pronunciamentos de militantes do PT nos quais colocam a oposição enquanto esquerdistas por apontarem a necessidade de que se mantenha a Greve. Uma das características do Esquerdismo é o espontaneísmo e a negação do uso de táticas que perpassam a institucionalidade e acabam por cair em um individualismo pequeno-burguês. O economicismo e o esquerdismo não são práticas esperadas dos comunistas, porém muito menos deve ser prática nossa a vulgarização de termos que são tão caros à nossa luta e estratégia. Segue um apontamento de Lênin em “Que Fazer?” importante para nossa análise:

“Caminhamos num pequeno grupo unido por uma estrada escarpada e difícil, segurando-nos fortemente pela mão. Estamos cercados de inimigos por todos os lados, e, quase sempre é preciso caminhar sob fogo cruzado. Estamos unidos por uma decisão tomada livremente, justamente para lutar contra o inimigo e não cair no pântano ao lado, cujos habitantes nos acusam, desde o início, de termos formado um grupo à parte, preferindo o caminho da luta ao da conciliação. Então, de repente, alguns dos nossos começam a gritar: “vamos para o pântano!”. E, quando os repreendemos, dizem: “como vocês são atrasados!”[6]

Desse modo, lidamos nesse caso justamente com a vulgarização do esquerdismo, que se coloca explicitado nas acusações como a que aponto no início desse trecho. Diante do novo ciclo que se abre, para quebrarmos com os vícios que tanto menciono, é necessário que saibamos colocar as palavras de ordem que realmente materializam as necessidades da classe para a Agitação, e essas na conjuntura atual, passam longe da demanda por “Diretas Já!”, por exemplo, e dar respaldo a uma palavra de ordem que tem como fundo a crença de que uma nova eleição para presidência é a solução para a retirada das reformas é novamente depositar a fé dos trabalhadores na institucionalidade e nela apenas, quando a correlação de forças nos mostra que há urgência para a reorganização do movimento popular como tática para a revogação das reformas e construção de uma nova alternativa. E mais uma vez enfatizo, a via institucional pode e deve ser utilizada enquanto mediação tática se assim a conjuntura permitir, o que, diante de uma crise internacional do capital e toda a conjuntura que temos no Estado brasileiro, não é a que se coloca.

Os comunistas entendem que, diante de um momento onde as contradições do capitalismo brasileiro cada vez mais se evidenciam à classe, é hora de potencializarmos o trabalho de base entre a juventude e os trabalhadores, e esse deve ser o alicerce para a construção de um grande Encontro Nacional da Classe Trabalhadora, no qual a esquerda socialista tem a tarefa de buscar construir as mediações que vão viabilizar a criação da revolução brasileira. Diante disso, a Greve Geral de 05 de dezembro com ou sem votação no dia seguinte deve acontecer. É urgente que as bases do movimento popular, principalmente o sindical, parem a produção do país, de modo a mostrar à burguesia que não aceitaremos os retrocessos colocados, e ainda mais que antes é necessária a denúncia aos oportunistas e que seja evidenciado para os trabalhadores a falência do projeto Democrático Popular e, consequentemente, do petismo. O cancelamento de uma Greve já articulada em detrimento de uma suposta votação reagendada é a clara demonstração de que os traidores de nossa classe há muito deixaram de acreditar que os trabalhadores podem construir uma alternativa à barbárie do capital, concentrando sua confiança na conciliação e no social-democratismo que nem possível em um país de capitalismo dependente chega a ser.

*Graduando em Design na UFSC, militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira, da União da Juventude Comunista e membro da Coordenação Estadual da UJC-SC.

1. Esquerdismo, doença infantil do comunismo, Lênin <https://pcb.org.br/portal/docs/esquerdismo.pdf>;

2. Greve do dia 5 suspensa porque governo recuou e retirou da pauta do dia 6 votação da aposentadoria, CUT <https://cut.org.br/noticias/greve-do-dia-5-suspensa-porque-governo-recuou-e-retirou-da-pauta-do-dia-6-votaca-353b/>;

3. O PT em Movimento, Florestan Fernandes <https://www.marxists.org/portugues/fernandes/1991/07/02.htm>

4. Que Fazer? Lênin <https://pcb.org.br/portal/docs/quefazer.pdf>;

5. RZEWORSKI, A. Capitalismo e Social-democracia, São Paulo: Cia das Letras, 1989, p.42;

6. Que Fazer? Lênin <https://pcb.org.br/portal/docs/quefazer.pdf>;