LEGALIZAR JÁ!

O que de fato está em pauta sobre a maconha na arena pública (e também privada)

No início do mês de março de 2024, o debate sobre o porte e uso da maconha voltou à arena pública, depois que o tema foi pautado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), onde está caminhando para uma votação favorável à descriminalização do porte para uso recreativo da cannabis. A bancada conservadora no Senado da República mobilizou sua base para impor outra resposta à possibilidade de avanço da descriminalização da maconha pelo STF.

Por conta disso, conseguiu aprovar, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), a Proposta de Emenda Parlamentar (PEC 45/2023), que criminaliza a posse e o porte de drogas em qualquer quantidade. É evidente o retrocesso, na contramão do debate e das iniciativas descriminalizadoras que vêm avançando em todo o mundo. Na prática, o mínimo que se busca é o quase certo confronto com o STF, gerando, assim, impasse legal-judicial que pode delongar por anos uma solução para o assunto.

Porém, é importante destacar que, para além da descriminalização ou proibição total, existem vidas em jogo, principalmente vidas negras, as e os viventes em nossas cada vez mais extensas periferias, que são ceifadas na dispendiosa e sangrenta guerra às drogas. Segundo o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), cerca de R$ 15 bilhões ao ano é gasto pelos cofres públicos nessa guerra irracional. Somente Rio de Janeiro e São Paulo gastaram no ano de 2017 (valores atualizados para 2021) cerca de R$ 5,2 bilhões no contexto do combate às drogas (para mais detalhes, https://cesecseguranca.com.br/reportagens/sp-e-rj-gastam-r-52-bi-por-ano-na-guerra-as-drogas/).

Vidas são exterminadas, em sua maioria jovens e negras, pelo cotidiano da repressão burguesa, que instrumentaliza as forças de segurança para essa finalidade, contando com o beneplácito do sistema de segurança e justiça, o qual raramente condena os agentes (a ponta do Estado repressor) envolvidos em ações e “confrontos” que não encontram limites no morticínio. À guisa de exemplo, recentemente se viu a absolvição dos policiais militares envolvidos na morte da trabalhadora Cláudia Silva Ferreira, a qual, após ser baleada em uma incursão policial no Morro do Congonha, Madureira, Rio de Janeiro, foi simplesmente atirada na caçamba da viatura policial que quando se deslocou abriu-se, arrastando o corpo daquela mulher por cerca de 300 metros.

Cláudia morreu, segundo a necropsia, em razão da bala que a alcançou, não por conta do arrasto do seu corpo pelo asfalto. Esse dantesco episódio, prenhe de toda a desumanidade que se possa imaginar, não mereceu qualquer reprimenda judicial: os policiais foram absolvidos em razão do “erro” havido, somando-se a isso o fato, segundo o Judiciário, de estarem agindo em legítima defesa ante o “confronto” existente, mesmo tendo sido provado pericialmente que a bala que matou Cláudia partiu do ponto onde estavam os policiais militares.

Há muito em jogo por trás dessa discussão, o que exigiria um texto bem mais extenso e aprofundado, pois a economia da droga é algo que afeta direta ou indiretamente milhares, talvez milhões de pessoas (inclusive aquleas que têm CNPJ) somente no Brasil, mas certamente alguns dos aspectos dizem diretamente à discriminação e ao racismo – a morte de Cláudia e a absolvição dos policiais é exemplo vivaz. O pano de fundo dessa questão é o caráter discriminatório e racista, pois a própria ação que está movimentando o STF, cujo resultado do julgamento poderá ter repercussão para milhares de casos no Brasil país afora, é produto de um recurso contra uma decisão da Justiça do Estado de São Paulo que condenou um homem pelo porte de três gramas de maconha para uso pessoal. O julgamento iniciou-se em 2015.

No torvelinho instalado em torno do assunto, merece atenção a declaração do Ministro Luiz Barroso: “Não há descriminalização de coisa alguma. Quem despenalizou o porte pessoal de droga, há muitos anos, foi o Congresso. O que o Supremo vai decidir é qual a quantidade que deve ser considerada para tratar como porte ou tratar como tráfico”.

Devemos compreender algumas das vertentes deste debate e o que não está em pauta: 1) que o STF está debatendo é a definição da quantidade do porte/posse de drogas, o que pode distinguir o usuário do traficante; 2) que a Frente Parlamentar Evangélica, dentre outros grupos, utiliza seu poder político para tornar crime qualquer quantidade de porte/posse de drogas através da PEC 45/2023; 3) que os partidos de esquerda e os movimentos sociais que lutam pela descriminalização tenham ciência de que isto pode significar um baque expressivo na política e ações de guerra às drogas – e na própria economia do sistema nacional de produção e tráfico e o que com este se relaciona – e a não menos expressiva redução do encarceramento em massa e do genocídio da juventude negra e pobre.

Na opinião dos comunistas, o ponto 3 é fundamental. Pois a legalização do uso medicinal, recreativo e econômico da cannabis poderá ser indutor fundamental para o fim da guerra às drogas, fortalecer a economia com os produtos derivados da planta (como tecidos, alimentos, substâncias que tem poder medicinal etc) e o desenvolvimento da ciência e tecnologia. É superar os preconceitos, regulamentar o uso e acabar com essas prisões em massa e essa matança, onde só quem morre é essencialmente negro e morador das periferias de nosso país.

PCB – Secretaria de Lutas Antirracistas e Povos Indígenas
Comissão Política Nacional do PCB

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