O crime da Braskem em Maceió

imagemDa institucionalização da barbárie à luta contra a máquina de moer sonhos

O MOMENTO – DIÁRIO DO POVO

Por: Wellington Santos, Pastor da Igreja Batista do Pinheiro e ativista social

Maceió, o paraíso das águas, vive o inferno de um imensurável crime socioambiental em curso há mais de três anos, numa área urbana densamente povoada, equivalente a 500 campos de futebol, incluindo a borda do mapa de riscos da Defesa Civil. São quase 15 mil imóveis destruídos, cerca de 60.000 moradores expulsos, adoecidos, enlutados e desterritorializados, além de 4.500 empresas quebradas, o que já retirou a renda, o trabalho e o sustento de aproximadamente 30.000 pessoas.

Como um desastre dessa magnitude que, além do já mencionado, deixou milhares de animais abandonados e fez sumir 17 hectares de mangue, devido à extração de sal-gema, permanece impune? O que explica a omissão de absolutamente todas as autoridades federais, estaduais e municipais diante dessa brutalidade que levou 11 pessoas ao suicídio, dezenas de moradores e empresários à morte precoce por doenças psicossomáticas e milhares de cidadãos ao adoecimento, à depressão, ao desamparo e ao desalento?

A resposta está na estratégia usada por diversas mineradoras em todo o mundo, inclusive pela Braskem em Maceió: o silenciamento das vítimas, através do apagamento institucionalizado das suas existências. Esse “modus operandi” tem seu eixo central em acordos unilaterais com o sistema de justiça (Ministério Público Federal, do Trabalho e Estadual, assim como a Defensoria Federal e a Estadual, Justiça Federal, CNJ e até o CNMP), sem a participação de quem sofreu o dano.

A realidade é complexa demais para ser interpretada dentro dos gabinetes burocráticos, antiquados e insensíveis das “autoridades”. Não existe pacificação social sem que os afetados tenham voz, expressem suas dores e construam soluções conjuntas, mediadas pelo poder público através dos órgãos de controle. Milhões de reais investidos em propaganda institucional, amparadas em tais acordos com a justiça, consolidam a narrativa de aparente legalidade ao processo de silenciamento sistemático. Como em uma sociedade midiática “o que os olhos não vêem o coração não sente”, a opinião pública segue ignorando a catástrofe.

Outra forma de apagamento institucionalizado dos afetados são os termos de cooperação técnica firmados entre Braskem e as mais diversas instituições, que se configuram enquanto uma espécie de eufemismo para cooptação. O objetivo é impedir o levantamento de dados por instituições de ensino e órgãos públicos e privados, dificultando a compreensão dos problemas das vítimas da mineração desenfreada. Sem estatísticas confiáveis que possam nortear políticas públicas, a construção de provas para ações civis ou o enfrentamento político com argumentos convincentes, o grito vai dando lugar ao silêncio eloquente e sofrido.

Ao bloquear os canais jurídicos, técnicos, institucionais e jornalísticos capazes de traduzir a dor e os prejuízos, consequentemente a Braskem impõe suas regras de modo arbitrário e impede a reparação integral do dano garantida pela constituição. Expressando esse apagamento em números, é notável que apenas em relação aos danos morais, a mineradora está deixando de pagar pelo menos seis bilhões de reais aos 60 mil moradores, quase 1,5 bilhão de reais para 4.500 empresas e nove mil empreendedores, além de 300 milhões de reais de danos morais para 30 mil trabalhadores formais e informais. O valor total do rombo social é de 7,8 bilhões.

Na borda do mapa de risco, diariamente milhares de moradores e empreendedores põem suas vidas em perigo ao transitarem obrigatoriamente em áreas de desastre. Há três mil casas e dez mil moradores ilhados nos Flexais, em Quebradas, Marques de Abrantes, Bebedouro, e outros tantos na Vila Saem, assim como entre a Rua José Silveira Camerino e a Avenida Fernandes Lima, no Pinheiro. Outras dezenas de ruas no trecho do Farol também enfrentam as consequências socioeconômicas do desastre. Qual o custo? Algo em torno de 2,2 bilhões de reais em indenizações não pagas, totalizando dez bilhões roubados das vítimas.

O atraso e o subdimensionamento das indenizações, o arquivamento das ações que buscavam responsabilizar a Braskem pelos crimes socioambientais, e, por fim, a certeza da impunidade, transformaram esses dez bilhões de reais em lucro recorde para a mineradora no primeiro semestre de 2021. Mesmo diante desta bárbara injustiça, As matérias veiculadas acerca do ocorrido finalizam, vias de regra, com a clássica afirmação de que “a Braskem está agindo conforme acordos estabelecidos com todas as autoridades competentes”.

Se junta a toda essa narrativa horripilante, caótica e criminosa a destruição produzida no campo simbólico da fé, notável através das confissões religiosas das pessoas que viviam nos bairros destruídos pela Braskem. Igrejas cristãs históricas (católicas e evangélicas), centros espíritas, terreiros de candomblé, igrejas messiânicas e tantos outros lugares considerados sagrados pelos frequentadores e frequentadoras que foram desalojados e esvaziados.

Gostaria de destacar, a título de exemplo, a importância histórica da Igreja Católica Santo Antônio de Pádua, localizada no bairro igualmente histórico de Bebedouro, construída em 1875, alcançando, em 2021, 146 anos de existência. É fundamental mencionar, também, a Igreja Batista do Pinheiro, que fica no bairro do Pinheiro, fundada em 1936, declarada, no dia seis de outubro deste ano, patrimônio material e imaterial do estado de Alagoas, através da lei 8.515, promulgada pela Assembleia Legislativa do Estado, mediante seu papel representativo, para além do envolvimento nas causas religiosas e da participação ativa em discussões no campo das questões políticas, raciais, agrárias e de gênero.

A máquina de moer gente, animais, casas, bairros, ecossistemas, afetos e sonhos, chamada de Braskem, engrenagem diabólica e bestial do capitalismo selvagem e predatório, brinca com a dor do povo, tripudia das nossas exigências enquanto cidadãos e cidadãs e tenta calar a todo custo nossa voz, silenciando toda tentativa de grito que visa denunciar e cobrar o mínimo de justiça e dignidade para todas as vítimas, além de fomentar o caos e o adoecimento da população.

Convocamos vocês, leitoras e leitores, para se juntarem a essa luta contra essa besta monstruosa, que conhecemos por Braskem. É importante destacar, para que fique registrado, que a Braskem é a maior petroquímica das Américas, controlada pelo grupo baiano Odebrecht, atual Novonor. Desta forma, quando pensarem nesse crime ambiental praticado pela empresa, lembrem-se da Odebrecht e mais ainda, não esqueçam que esta “besta fera” se instalou em solo alagoano e maceioense com a bênção do regime militar que impôs uma ditadura ao nosso país na década de 70. Isso significa dizer que iniciativas privadas, agregadas ao neoliberalismo econômico sem controle e fiscalização, com a bênção infernal do poder controlado pelo capital predatório e selvagem, geram, e podem continuar gerando, máquinas de moer sonhos em cada esquina.

Nos ajudem de forma solidária divulgando nas redes sociais, e de tantas outras formas criativas, a darmos visibilidade a mais este crime socioambiental que se soma aos crimes das empresas Samarco e Vale, que geraram caos e destruição em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. O silêncio e a indiferença são elementos que alimentam esses monstros selvagens e famintos de poder e lucro, que todos os dias produzem a morte em todas as direções, trucidando nossa possibilidade de dias mais plenos e seguros nessa terra.

Moradoras e moradores dos bairros atingidos pelo maior crime socioambiental em andamento, praticado pela mineração predatória em área urbana, além de tentarem sair vivos da pandemia da covid-19, que até aqui já nos ceifou, aliada à ignorância e ao negacionismo, quase 613 mil vidas, têm em frente a tarefa de buscar a união em meio às divergências para que se possa continuar lutando contra outros vírus letais como o fascismo, o falso moralismo religioso, a extrema direita, o patriarcado, o racismo, a lgbtfobia e todo tipo de concentração financiados pelo capitalismo predatório e selvagem que diariamente geram uma nova Braskem disposta a produzir morte e destruição por todos os lados.

Por este motivo e tantos outros é que precisamos continuar gritando e denunciando todos os crimes que são sistematicamente silenciados e levados ao esquecimento. Iniciativas como o documentário produzido pelo cineasta Carlos Pronzato, intitulado A Braskem Passou por Aqui e outras manifestações plurais, diversas e livres que já aconteceram e que precisam continuar acontecendo.

Contribuam para a denúncia da institucionalização da barbárie que tem se instaurado em terras alagoanas e a fortalecer nossa luta contra a máquina mortífera do capital.

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