Quem choca o ovo da serpente?

imagemO fascismo colocou as garras e as presas para fora. A ofensiva da ultradireita se dá em todas as direções, ataca todo e qualquer espaço social.

Vários casos recentes ilustram essa realidade: as agressões ao líder do MST, João Pedro Stédile, ao ex-candidato à Presidência da República pelo PCB, professor Mauro Iasi, ao ex-senador Eduardo Suplicy, ao racismo contra a atriz Taís Araújo, aos direitos das mulheres, dos índios e dos trabalhadores na Câmara dos Deputados, as agressões contra os movimentos grevistas, em especial os professores, entre tantos outros.

O recrudescimento do fascismo não é de hoje. Iniciou em nível internacional na Europa no final do século passado, como não poderia deixar de ser. A volta dos velhos “ideais” totalitários partiu de algumas premissas básicas: o fim da União Soviética e a consequente ofensiva do capital, com a financeirização da economia, a chantagem sobre os governos a partir da autoproclamada dívida pública e a adesão de alguns setores, até então progressistas, a essas políticas, além da incapacidade da esquerda de fazer frente a esse movimento.

No Brasil não foi diferente. O avanço dos setores ultraconservadores começou no governo Collor, continuou no Itamar, acelerou durante os oito anos de FHC e encontrou vasto campo nos governos petistas.

A crise que estourou em 2008 inegavelmente é fator determinante para o fortalecimento do fascismo, que esteve durante muito tempo no ostracismo, mas jamais foi extinto. As dificuldades enfrentadas pelas grandes corporações foram transferidas para os estados nacionais e, consequentemente, para os trabalhadores e a sociedade em geral, particularmente as camadas médias e mais carentes da população.

A falta de resposta dos progressistas abriu espaço para que setores conservadores tomassem a frente das demandas populares, algumas vezes conduzindo-as diretamente à xenofobia, ao imobilismo subserviente ao capital e à busca por saídas totalitárias.

É nesse cenário que se insere o Brasil. Mesmo antes de assumir o governo em 2002, o PT já dava claros sinais de arrefecimento em sua trajetória na luta de classes. Passo a passo os sindicatos deixam de lado suas reivindicações, a não ser nos discursos, abrem mão de efetivamente organizar os trabalhadores, começam a fazer acordos por debaixo do pano, param de fazer greves autênticas. Vigora o sindicalismo chapa branca.

Nos movimentos sociais em geral o imobilismo se repete. Força política predominante em praticamente todas as áreas, o PT desarmou as forças populares, apostou e conduziu à conciliação de classes. Levou ao extremo a nociva política social democrata.

Não a troco de nada o presidente dos EUA, Barack Obama, chamou Lula de “o cara”. Afinal, o presidente do maior país da América Latina e um dos maiores do mundo estava à frente da pseudo conciliação entre o capital e o trabalho. Lula se transformou no bombeiro da luta de classes, ação que interessa apenas ao capital.

A nomeação de Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central em seu primeiro mandato foi a senha para o capital. Deixou claro que tudo continuaria “como dantes no quartel de Abrantes”.

As alianças com segmentos escancaradamente reacionários para garantir a tal “governabilidade” resultaram em verdadeiro impulso para os setores mais conservadores da política nacional. A foto de Lula sorrindo e abraçando Paulo Maluf é significativa dessa guinada.

Ao mesmo tempo em que garantiram e aumentaram a lucratividade do grande capital, os governos petistas fizeram alianças que fortaleceram setores retrógrados. Para completar, adotaram políticas compensatórias, como o Bolsa Família, sem realizar quaisquer mudanças estruturais no âmbito econômico e social.

A aliança com o agronegócio é outra faceta dessa política de favorecimento ao capital. Chega a ser no mínimo curioso o MST apoiar os governos do PT, que nada fizeram ou fazem em favor da reforma agrária.

A onda fascista que o país vive é a cara de reacionários apregoando a volta da ditadura, da burguesia nas ruas com pautas absolutamente anacrônicas, do predomínio de empresários do campo e da cidade, bem como de religiosos no congresso, da agressividade da mídia empresarial, dos lucros astronômicos dos bancos e das grandes corporações, em suma toda uma política que predomina desde o início dos anos 90 e se acirrou com o passar dos anos. “É como o ovo de uma serpente. Através das finas membranas, você pode claramente discernir o réptil já perfeito”.*

Muito se discute sobre saídas para a crise. Só não se especifica crise de quem, a saída para quem. Dessa falta de definições e de prejuízos para a população se beneficia o fascismo, adepto do quanto pior para a população, melhor para seus inconfessáveis desígnios.

Para o grande capital não existe crise, nunca o lucro esteve tão alto. E ainda há quem faça coro com ele.

Afonso Costa

Jornalista

*Frase do filme ‘O ovo da serpente’, de Dino de Laurentiis, dirigido por Ingmar Bergman, 1977.

Em tempo: Em artigo intitulado “De pedalada em pedalada…”, por análise deduzi o entendimento do governo e do PT com o presidente da Câmara para salvar o mandato da presidente e de Eduardo Cunha. Fui duramente criticado por militantes petistas, devido a “falta de provas” sobre o referido acordo.

Não por coincidência, entretanto, há poucos dias o ex-presidente Lula anunciou claramente que “o ajuste fiscal é mais importante” que a cassação do deputado Eduardo Cunha. Já a bancada do PT, por sua vez, não subscreveu a ação contra o parlamentar na Comissão de Ética da Câmara.

O tempo é o senhor da razão.

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