Te doy una canción: viva o 59o aniversário de Moncada
Martí me habló de la amistad
y creo en él cada día,
aunque la cruda economía
ha dado luz a otra verdad.
Silvio Rodríguez
No dia 26 de julho de 1953 acontecia o Assalto ao Quartel Moncada que dava início à Revolução Cubana. Muito já se falou desta incrível experiência e muitas são as preocupações que cercam o atual momento e as perspectivas desta Ilha revolucionária (ver, por exemplo o artigo Três originalidades e um velho caminho, na revista eletrônica Múltiplas Leituras, v. 2, n.2, 2009). Hoje quero tratá-la de uma maneira diferente.
Evidente que todos nos? preocupamos com a situação atual e sabemos que as experiências históricas, por mais valorosas que sejam, não dependem apenas da disposição moral e da decisão política de resistir. Mas falemos um pouco disso, da disposição de seguir em frente, da arte de resistir.
Silvio Rodriguez, compositor cubano e um dos protagonistas do movimento chamado “Nova Trova”, tem sido uma voz poética e lúcida desta resistência. Em uma musica chamada “El Necio”, Silvio diz:
Dicen que me arrastarán por sobre rocas
cuando esta revolución se venga abajo,
que machacarán mis manos y mi boca,
que me arrancarán los ojos y el badajo.
Será que la necedad parió conmigo,
la necedad de lo que hoy resulta necio:
la necedad de asumir al enemigo,
la necedad de vivir sin tener précio.
Yo no sé lo que és el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios que será divino.
Yo me muero como vivi.
Néscio, como vocês sabem, é alguém estúpido, ignorante. Seremos, então, estúpidos por acreditar naquilo que acreditamos? Logo no começo da mesma canção, Silvio nos conta do assédio daqueles que nos prometem fazer-nos “únicos”, nos garantir um “lugarzinho em seus altares” e para isso nos convidam ao arrependimento, tentam nos convencer a que não percamos a oportunidade, diz o poeta cubano, “me vienen a convidar a que no pierda, me vienen a convidar a indefinirme, me vienen a convidar tanta mierda”.
Ele mesmo, na epigrafe que segue a letra no encarte do disco, explica que se trata de uma canção de marketing, de preços e esclarece: “y para que nadie se imagine que soy santo, voy a poner el mio (précio, por ahora): El levantamiento Del bloqueo a Cuba y La entrega incondicional del território cubano que EEUU usa como base naval en Guantánamo”.
Há um fator, imponderável, que aqui se apresenta e que é inseparável da experiência da Revolução Cubana: a dignidade. Em tempos como os nossos, de desilusão, de indignação vazia, nada melhor que nos colocarmos diante de um exemplo de dignidade consciente, humanamente intransigente, politicamente convicta. Em outra musica que trata do mesmo tema, “El Baile”, Silvio nos fala das armadilhas daqueles que querem nos convencer a participar desta ordem injusta e sanguinária, nos oferecendo as benesses que cabem aos que se rendem – “rondándonos, cercándonos para inmovilizarnos” – e nos alerta:
No voy, no vas
al juego del disfraz,
corista tú y amor de este arlequín
romántico -al menos hasta el fin-,
imposmodernizable.
Que expressão mais precisa e feliz: “impósmodernizável”. O poeta arranca de seu peito as notas que fazem voar as palavras. Suas trovas nasceram quando ainda era soldado e por isso canta: “te doy una canción como un disparo”. Em um programa recente de televisão ao ser entrevistado recebe uma pergunta: você se considera um cantor oficialista? E Silvio responde:
Veja, se é da Revolução Cubana que estão falando, da Revolução que comandou Fidel e que deram continuidade tanta gente valiosa como foi Raul, Che, Camilo e toda esta gente, se é a isso que estão se referindo, digo: como muita honra, muitíssima honra ser oficialista desta Revolução. Do que eu não gostaria de ser “oficialista” é daqueles que lançam bombas em Iraque ou Afeganistão (…) que tentaram invadir Cuba (…), isso sim, para mim seria uma desonra e uma vergonha oficiar semelhantes idéias.
Neste mês de julho, por ocasião do VI Congresso da UJC, tive o prazer de participar de um seminário internacional com representantes de várias organizações de jovens de nossa America Latina. Entre eles estava Hanói Sanches Rodrigues da UJC de Cuba e Secretário geral da FMJD, uma federação mundial de jovens. Em seu depoimento no qual reafirmou a firme decisão da juventude cubana em seguir lutando pela construção do socialismo mesmo diante dos grandes problemas e desafios que se apresentam diante deles, lembrou de tempos difíceis em Cuba, quando estudava e havia grandes cortes de luz e ele e dezoito companheiros seguiam estudando à luz de uma pequena lamparina.
Nosso comandante, Che Guevara, nos dizia em suas reflexões sobre a economia e a construção do socialismo o seguinte:
“O socialismo econômico sem a moral comunista não me interessa, dizia Che. Lutamos contra a miséria, mas ao mesmo tempo lutamos contra a alienação. Um dos objetivos fundamentais do marxismo é fazer desaparecer o “interesse individual e também, das motivações psicológicas. Marx se preocupava tanto com os fatos econômico como sua tradução na mente. Ele chamava isto de “fatos de consciência”. Se o comunismo descuida dos fatos de consciência pode até se tornar um método de distribuição, mas deixa de ser uma moral revolucionária.” (Entrevista com Jean Daniel, sob o título “La profecia del Che”, in Carlos Tablada Perez – Ernesto Che Guevara, hombre y pensamiento: el pensamiento econômico del Che. Buenos Aires, Antarca: 1987, p. 45.)
Para nós esta concepção é que fundamenta o poema de Silvio Rodriguez que utilizamos como epígrafe e que diz que “Martí nos hablo de la amistad e creo nel en cada dia, aunque la crud economia ha parido otra verdad”. O próprio Che é que conclui que:
Não se trata de quantas gramas de carne se come ou quantas vezes por ano alguém pode ir à praia, nem de quantas belezas que vem do exterior possam ser compradas com os salários atuais. Trata-se, precisamente, que o indivíduo se sinta mais pleno, com muito mais riqueza interior e com muito mais responsabilidade.
Talvez isso explique, talvez não, este elemento de humanidade que encontramos na revolução cubana, esta firme e digna decisão de resistir. Não sabemos o que virá – “Yo no sé lo que és el destino”- , mas saudamos o aniversário do assalto ao quartel Moncada, abraçamos aos nossos camaradas cubanos e lhes agradecemos por ter mantido vivo nosso sonho por todo este tempo.
Nós somos como aqueles estudantes entorno de uma lamparina. Lá fora muitos são os que estão aceitando o convite para o baile em que a corte nos espera para derramar nosso sangue no altar do capital e depois festejar os índices de crescimento econômico. Eu, por meu lado, trocaria de bom grado a pujança do crescimento capitalista brasileiro pela dignidade de apenas um daqueles jovens cubanos.
Por isso cantamos com Silvio:
Que tiemble la injusticia cuando lloran
los que no tienen nada que perder.
Que tiemble la injusticia cuando llora
el aguerrido pueblo de Fidel
que tiemble la injusticia cuando llora
el aguerrido pueblo de Fidel.
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.