FARC: “Não somos belicistas nem lutamos por vinganças pessoais ..”
Terceiro: A dificuldade que a Colômbia tem enfrentado para conseguir a reconciliação através do diálogo e de acordos se deve ao conceito de paz oligárquica do regime, que só aceita a submissão absoluta da insurgência à chamada “ordem estabelecida”, ou, como alternativa, à “paz das cemitérios”.
Quarto: Não temos lutado toda a nossa vida contra um regime excludente e violento, corrupto, injusto e anti-patriota, para agora, sem alterações em sua estrutura, aderirmos a ele.
Quinto: Na Colômbia, muitas pessoas boas e capazes que queriam um país melhor e que lutaram por esses objetivos por meios pacíficos, como Jaime Pardo Leal, Bernardo Jaramillo, Manuel Cepeda, entre outros, foram assassinados de forma premeditada, vil e covardemente pelos serviços de inteligência do Estado em aliança com os paramilitares e bandidos, inimigos do povo, em um genocídio sem precedentes que liquidou fisicamente todo um movimento político dinâmico e em pleno crescimento: A UNIÃO PATRIÓTICA.
Por conta dessa estratégia de Terrorismo de Estado, falhou-se na busca da solução política, durante as administrações de Belisario Betancur e Virgilio Barco e, em Caracas e no México, durante o governo de César Gaviria.
Sexto: Em El Caguán, como o Presidente Pastrana reconheceu em seu livro e em declarações públicas, o regime procurou apenas ganhar tempo para reconstruir a abatida força militar do estado com um cronograma, diretrizes, instruções e financiamento da Casa Branca, integrado ao Plano Colômbia e impostas pela administração de Bill Clinton para abortar uma solução política democrática para o conflito colombiano, e dar início a sua campanha para reverter as mudanças progressivas que desde então avançam no continente. O satanizado processo de Caguán estava condenado ao fracasso antes mesmo de começar, como tem corroborado o ex-presidente Pastrana, pois seu governo nunca buscou preparar o caminho para a paz, senão para reforçar e aperfeiçoar seu aparato de dominação para continuar a guerra.
Sétimo: Estes fatos não invalidam a possibilidade de uma solução política para o conflito colombiano. Evidenciam sim, a intenção quase nula da classe dirigente colombiana de ceder em sua hegemonia e sua intolerância frente a outras correntes ou opções políticas de oposição que questionam seu regime político e seu alinhamento internacional incondicional a favor dos interesses imperiais dos Estados Unidos, em detrimento de nossa soberania e contra os mais caros e significativos interesses da nação e da pátria.Sua concepção sobre o exercício do poder é marcada e sustentada pela violência, pela corrupção e pela ganância, o que torna ainda mais difícil uma saída sem derramamento de sangue; de todas as formas, uma solução política continuará sendo bandeira das FARC – EP, e certamente de amplos setores do povo que, afinal, são os que sofrem os efeitos da hegemonia oligárquica.
Oitavo: Os interesses dos diferentes setores sociais estão se confrontando permanentemente. Em momentos e por períodos definidos, a oligarquia exerce sua ditadura a fundo, sem respostas transcendentes por parte das maiorias em função da pressão, repressão, guerra suja e desqualificação que se desenvolve desde o Estado até elas de diferentes maneiras; em outros, as respostas são importantes, mas não são suficientes; porém, após um acúmulo de fatores sociais transbordantes, a resposta popular é contundente. Nós entendemos que os interesses dos diferentes setores de uma sociedade como a nossa estão em constante movimento e choque, nunca paralisados. Assim, falar na Colômbia de hoje do pós-conflito é propaganda enganosa.
Nono: Esta reflexão é pertinente, posto que as causas geradoras da revolta armada em nosso país existem mais vivas e pujantes do que há 46 anos, o que reclama, se queremos construir um futuro de convivência democrática, maiores esforços, desprendimento, compromisso, generosidade e imaginação realista para atacar a raiz dos problemas e não as consequências do mesmo.
Décimo: Após 12 anos da ofensiva total contra as FARC – EP por parte do governo dos Estados Unidos e do Estado colombiano, os assassinatos oficiais, verdadeiros crimes contra a humanidade, hoje chamados de falsos positivos, o terror crescente da nova máscara do narcoparamilitarismo denominada bandos criminosos, a asquerosa truculência do presidente para permanecer no poder através de trapaças, a desenfreada corrupção da administração e da iniciativa privada, que em troca dessa mesma corrupção e de milionárias somas apoia o governo, a descarada invasão do exército gringo na Colômbia e a crescente injustiça social com desemprego elevado, sem acesso aos serviços de saúde para a maioria, com um altíssimo êxodo interno, com um ridículo salário mínimo em oposição aos enormes lucros dos banqueiros, latifundiários e empresas multinacionais, e depois de haver rapinado com uma reforma trabalhista as conquistas salariais mais significativas dos trabalhadores do campo e da cidade, tudo que alcançaram foi adubar ainda mais o terreno para o crescimento da insurgência revolucionária.
SEGUNDA PARTE
1. O conflito armado colombiano possui profundas raízes históricas, sociais e políticas. Não foi a invenção de nenhum demiurgo, produto de ânimos sectários, nem consequência de alguma especulação teórica, mas o resultado e a resposta a formas determinadas de dominação específicas, impostas pelas classes governantes desde os germes do Estado – nação cujo eixo tem sido a sistemática violência terrorista anti-popular, propiciada desde o Estado, especialmente nos últimos 60 anos.
2. Superá-lo, por vias pacíficas, supõe que preliminarmente exista total disposição para abordar as questões do poder e do regime político, se a decisão é encontrar soluções sólidas e duradouras.
3. Temos levantado a necessidade de conversar, em princípio, para lograr acordos de troca, o que permitiria não só a liberdade dos prisioneiros de guerra de ambos os lados, mas também avançar na humanização do conflito e, certamente, ganhar terreno no caminho para acordos definitivos.
4. Conversar, buscar conjuntamente soluções para os principais problemas do país, não deve ser considerada como uma concessão de ninguém, mas como um cenário realista possível de se tentar, mais uma vez, pôr fim à guerra entre os colombianos a partir da civilidade dos diálogos.
5. Reunir-se para conversar sobre trocas e uma solução pacífica supõe plenas garantias para fazê-lo sem qualquer pressão, tendo por certo que aquele que pode outorgar-lhe, é, exclusivamente, o governo de turno, se realmente tiver vontade de encontrar caminhos de diálogo.
6. A nossa histórica e permanente disposição para encontrar cenários de confluência através do diálogo e a busca coletiva de acordos de convivência democrática que não dependam de conjuntura especial ou da correlação de forças políticas é, sensivelmente, parte da nossa dificuldade programática.
7. Durante os últimos 45 anos temos sido objeto de toda sorte de ofensivas políticas, propagandísticas, militares, com a presença aberta ou velada do Pentágono, com todo tipo de ultimatos e ameaças de autoridades civis e militares, sob uma permanente agressão terrorista contra a população civil nas áreas em que atuamos, etc, que não prejudicou a nossa determinação e vontade de lutar, por qualquer meio que nos deixem, por uma Colômbia soberana, democrática e com justiça social.
8. Entendemos os diálogos, na busca de caminhos para a paz, não como uma negociação, porque não o são, mas como um enorme esforço coletivo para chegar a acordos que possibilitem atacar as raízes que originam o conflito colombiano.
TERCEIRA PARTE
As FARC somos resposta à violência e à injustiça do Estado. A nossa insurgência é um ato legítimo, um exercício do direito universal que assiste a todos os povos do mundo a se rebelarem contra a opressão. De nossos libertadores aprendemos que, “quando o poder é opressor, a virtude tem o direito de aniquilá-lo”, e que, “o homem social pode conspirar contra toda lei impositiva que tenha curvado seu pescoço”.
Tal como foi proclamado pelo Programa Agrário dos Guerrilheiros, as FARC “somos uma organização política militar que recolhe as bandeiras bolivarianas e as tradições libertárias do nosso povo para lutar pelo poder e levar a Colômbia ao execício pleno de sua soberania nacional e fazer vigente a soberania popular. Lutamos pelo estabelecimento de um regime democrático que garanta a paz com justiça social, o respeito aos direitos humanos e um desenvolvimento econômico com bem-estar para todos que vivem na Colômbia.”
Uma organização com estas projeções, que busca a realização do projeto social e político do pai da República, o Libertador Simón Bolívar, irradia em sua tática e estratégia um caráter eminentemente político impossível de refutar. Somente o governo de Bogotá, que atua como uma colônia de Washington, nega o caráter político do conflito. O faz no marco da sua estratégia de guerra sem fim para negar a saída política que reivindica mais de 70% da população. Este pretende impor pela força uma antipatriótica concepção de segurança idealizada pelos estrategistas do Comando Sul do exército dos Estados Unidos, relegando para um lugar secundário a dignidade da nação.
Para o governo de Uribe, na Colômbia não há conflito político-social, mas uma guerra do Estado contra o “terrorismo”, e com este pressuposto, complementado pela mais intensa manipulação informativa, acredita-se com justificativa e carta branca para desencadear o seu terror de Estado contra a população, e negar a solução política e o direito à paz.
Agora que a Colômbia é um país formalmente invadido, ocupado militarmente por tropas estadunidenses, essa absurda percepção será reforçada, resultando no agravamento do conflito.
Uribe não foi instruído por seus mestres em Washington para a troca de prisioneiros políticos nem para a paz.
O presidente da Colômbia cria fantasmas para justificar a sua imobilidade frente à questão da troca de prisioneiros: que o acordo implica um reconhecimento do estatuto de beligerante do adversário e que a liberação de guerrilheiros provocaria uma grande desmoralização das tropas … É a sua maneira de atravessar pedras no caminho do entendimento. Esta intransigência desnecessária do governo tem sido a causa da prolongação do cativeiro de prisioneiros de ambos os lados. Quando Bolívar assinou o armistício com Morillo em novembro de 1820, propôs ao general espanhol aproveitar a vontade de entendimento reinante para acordar um tratado de regulamentação da guerra “conforme as leis das nações civilizadas e os princípios liberais e filantrópicos”. Sua iniciativa foi aceita, proporcionando a troca de prisioneiros, a recuperação dos corpos dos mortos em combate, e o respeito à população civil não-combatente. Quão distante está Uribe desses imperativos éticos de humanidade.
Sem dúvida, associa Uribe a solução política do conflito com o fracasso e a inutilidade de sua Doutrina de Segurança Nacional e a melancólica finalidade de seu frenesi bélico em aplastar pela força das armas o crescente descontentamento social. Parece um soldado da II Guerra Mundial, perdido em uma ilha, atirando em inimigos imaginários em meio à sua loucura.
Aos participantes deste intercâmbio sobre o conflito colombiano, reiteramos as observações feitas recentemente aos presidentes da UNASUL e da ALBA:
“… Com Uribe imbuído com o frenesi da guerra e encorajado pelas bases norte-americanas, não haverá paz na Colômbia nem estabilidade na região. Se não frearem o belicismo – agora repotenciado – incrementar-se-á em proporção dantesca a tragédia humanitária na Colômbia. É hora da Nossa América e o mundo voltarem seus olhos para este país violento desde o poder. Não se pode condenar eternamente a Colômbia a ser o país dos “falsos positivos”, do assassinato de milhares de civis não-combatentes pelas forças de segurança, das valas comuns, do despejo de suas terras, o deslocamento forçado de milhões de camponeses, as detenções em massa de cidadãos, da tirania e da impunidade dos agressores protegidos pelo Estado “.
Como um princípio de solução política do conflito, solicitamos o reconhecimento do status de força beligerante às Farc. Seria o início da marcha em direção à paz na Colômbia. Se estamos falando de paz, as tropas norte-americanas devem deixar o país, e o senhor Uribe deve abandonar a sua campanha goebbeliana de qualificar de terrorista as FARC. De nossa parte, estamos prontos para levar a discussão sobre a organização do Estado e da economia, da política social e da doutrina que irá guiar as novas Forças Armadas da nação.
Com os melhores cumprimentos.
Compatriotas,
Secretariado do Estado-Maior das FARC.
Montanhas da Colômbia, fevereiro de 2010