“Nós, o Povo dos EUA”… só cremos em guerra
Richard Becker, Global Research
O discurso de posse do president Barack Obama ao assumir seu segundo mandato foi saudado pelas corporações de imprensa-empresa e seus financiadores e anunciantes como uma nova “visão liberal”, como se lia em manchete do New York Times.[1]
Mas, embora boa parte da retórica do presidente soasse progressiva, e o discurso tenha sido enunciado em tom firme, há nele bem pouco conteúdo de realidade, e praticamente todo o discurso foi anti qualquer progressismo. E/ou foi mentiroso.
“Uma década de guerra está terminando” – discursou Obama. A verdade é que os ataques militares e movimentos de intervenção prosseguem no Afeganistão, no Paquistão, no Iêmen, na Somália e em outros países. Todas as 3as-feiras há uma reunião na Casa Branca, durante a qual o presidente autoriza novos assassinatos de alvos predefinidos, assassinatos premeditados e planejados de indivíduos selecionados e de quem mais tenha a infelicidade de andar por perto dos alvos atacados pelos aviões-robôs armados, os drones, em muitos países, nenhum dos quais está em guerra com os EUA.
Depois de declarar que “Nós o povo ainda cremos que segurança e paz duradouras não exigem guerra perpétua”, Obama disse que “os EUA continuarão como a âncora de alianças fortes em cada canto do mundo”. O Pentágono continua a manter mais de 900 bases militares distribuídas por todos os continentes. O orçamento militar dos EUA é maior que todos os orçamentos militares de todos os demais países do mundo, somados! Esses, sim, são os elementos essenciais do império e da guerra perpétua.
Em seu discurso, o presidente citou “Seneca Falls e Selma e Stonewall,” tentando pintar-se, ele mesmo, como continuador de três movimentos de defesa de direitos iguais para as mullheres, os afro-americanos e os/as LGBT. As conquistas desses movimentos jamais dependeram de presidentes ou exércitos. Foram conquistas de movimentos de massa determinados, ao longo de décadas e séculos.
Contra a evidência de que mais imigrantes foram deportados durante seu governo do que jamais antes em toda a história dos EUA, Obama vangloriou-se de que “estudantes jovens e brilhantes, e engenheiros “alistaram-se em nossa força de trabalho e não foram expulsos de nosso país”.
Alguns trechos do discurso soam como saídos de um universo paralelo. “Sabemos que os EUA avançam quando cada pessoa extrai a própria independência e muito orgulho do próprio trabalho, quando os salários pelo trabalho honesto liberam famílias nas fronteiras da miséria”.
No mundo real dos EUA-2013, há mais de 23 milhões de desempregados ou severamente subempregados. Mais de 146 milhões – 48% da população – vive com renda menor que a mínima necessária para sobreviver ou já mergulhou na indigência, recorde nacional. Os salários reais foram incansavelmente empurrados para baixo, ao longo dos últimos 30 anos. Se corrigido pela inflação, o salário mínimo hoje é 45% menor do que era em 1968.
Apesar disso, a palavra “pobreza” só ocorreu duas vezes no discurso: uma, com o verbo usado no pretérito (“quando os anos do anoitecer da vida eram consumidos na pobreza”…) como se hoje não houvesse milhões de idosos entre os mais pobres.
E a outra referência à pobreza: “Somos fiéis ao nosso credo, quando uma menininha nascida na mais profunda pobreza sabe que tem a mesma chance de sucesso que qualquer outra, porque ela é norte-americana, é livre e é igual…” Até soa muito nobre, mas por que, em vez de fazer frases, o presidente não apresentou à nação um plano para pôr fim à “mais profunda miséria” aqui, no país mais rico da história?
Exatamente como já fizera durante todo o primeiro mandato, o presidente não apresentou proposta alguma que visasse a atacar o empobrecimento, a fome, a falta de moradia que não param de crescer. Nada.
Num dos parágrafos mais ardilosos de todo o discurso, ouviu-se o seguinte: “Nós, o povo, ainda cremos que todos os cidadãos merecem grau básico de segurança e dignidade. Temos de fazer as mais difíceis escolhas, para baixar o custo da atenção à saúde e o tamanho de nosso déficit.”
Tradução: Cremos que todos merecem segurança e dignidade. Por isso, em breve estaremos cortando benefícios de atendimento público à saúde de vocês, para atender ordens dos grandes bancos.
A eleição de Barack Obama à presidência dos EUA em 2008 foi ocasião histórica num país marcado pelo racismo mais profundo e mais violento. Quebrou uma sequência de 220 anos de presidentes brancos, descendentes de europeus do norte, praticamente todos milionários, eleitos para o mais alto posto eletivo dos EUA.
Mas fato é que, independente de quem seja eleito, o emprego de presidente dos EUA impõe exigências bem claras aos que se candidatem: terá de ser presidente executivo do império e do imperialismo e protetor das megacorporações norte-americanas.
[1] Em “Obama Offers Liberal Vision: ‘We Must Act’” [Obama oferece visão liberal: “Temos de agir”], emhttp://www.nytimes.com/2013/01/22/us/politics/obama-inauguration-draws-hundreds-of-thousands.html?pagewanted=all&_r=0