O povo não quer

No caminho para consolidar uma liderança “pragmática” no continente, Lula da Silva abre possibilidades para a construção de uma base militar norte-americana no Rio de Janeiro. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) expressa seu “repúdio veemente” às negociações nesta direção.

Alberto Acevedo

O influente diário “Estado de São Paulo”, em sua edição do dia 31 de março passado, foi um dos primeiros meios de imprensa que confirmou que o governo de Luis Inácio Lula da Silva adianta conversações com os EUA para instalar uma base norte-americana no território deste país, provavelmente no Rio de Janeiro, para “combater o narcotráfico e o contrabando de armas, além da vigilância antiterrorista”.

A notícia causou diversas reações. Uma das primeiras conhecidas foi a do círculo uribista na Colômbia, que jogou na cara de Lula sua oposição à construção de sete bases militares norte-americanas na Colômbia, e poucas semanas depois, o mandatário brasileiro faz um anúncio similar. O uribismo utilizou essa atitude para afirmar que “estava em seu direito” ao negociar um acordo de cooperação militar com os Estados Unidos.

E mesmo Lula da Silva confirmando sua intenção de permitir a construção de uma instalação militar norte-americana em sua pátria, tal acordo não tem a mesma natureza que o celebrado por Uribe com a potência estadunidense. O Brasil permitiria a construção de uma base militar, não sete. Lula não permite a utilização de todo o território de seu país nem todos os aeroportos civis, para que sejam utilizados por tropas gringas, como faz Uribe.

POSTO DE CONTROLE

Porém, antes de tudo, o Brasil defende o conceito de soberania, ao menos no papel, e que as instalações militares estrangeiras operem sob o comando brasileiro, coisa que Uribe tão pouco reivindica.

Segundo o jornal brasileiro que veiculou a notícia, Lula se reuniu nesta data com o general norte-americano Douglas Fraser, com quem conversou sob a possibilidade de construir uma base “multinacional e multifuncional” sob comando brasileiro. A ideia é que o Rio de Janeiro se converta em um posto de vigilância do Atlântico Sul, somando-se assim ao controle do narcotráfico no Caribe, um controle que, como se sabe, realiza-se desde a base de Key West, na Flórida. Enquanto a vigilância do Atlântico Norte se realiza desde um centro de operações na capital portuguesa.

Durante sua visita a Brasilia, Fraser falou de outros temas, como a viagem do secretário de defesa norte-americano ao Brasil, previsto para estes dias, a cooperação militar estratégica entre ambos países e o interesse de Obama em comprar aviões de treinamento brasileiros para suas tropas. Lula, por sua parte, disse a fonte, estaria interessado em adquirir aeronaves tipo caça para seu exército.

CURIOSO PRAGMATISMO

Um acordo militar desta envergadura tem necessariamente repercussões no continente. O Brasil é um país que tem afirmado sua liderança política no continente. São fatores que lhe abonam, como a defesa da unidade latinoamericana, sua identidade com a revolução cubana, e as transformações democráticas na Venezuela, Bolívia e Equador.

No entanto, analistas brasileiros de esquerda afirmam que Lula e seu partido, o PT, adotaram uma atitude “pragmática” para afiançar essa liderança internacional, sacrificando o ideário que deu origem ao projeto de esquerda. Isto explicaria a aproximação com os Estados Unidos em matéria de acordos de cooperação militar.

Na raíz do recente giro do mandatário brasileiro aos territósrios de Istrael e Palestina, jornalistas de distintos meios de comunicação desta região do mundo recordaram que Lula tem interesse em que seu país ocupe um assento no Conselho de Segurança da ONU e, indo além, fazem um prognóstico de que Lula seria um forte candidato a ocupar a Secretaria-Geral das Nações Unidas.

DESCARRILHAR A UNIDADE

Segundo o jornalista norte-americano Mark Weisbrot, Lula “tem o particular potencial de ajudar a resolver alguns dos conflitos políticos mais graves do mundo”, seguramente pela escola que fez como líder sindical. Paradoxalmente, a ideia de permitir a construção de uma base militar norte-americana no Brasil, apoiando a estratégia militarista estadunidense de descarrilhar a Venezuela, Cuba, Equador, Nicarágua e Bolívia, introduz um pau na roda da unidade latinoamericana.

Isto foi visto com claridade meridiana pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), que reagiu de imediato frente ao anúncio de Lula da Silva. “O Partido Comunista Brasileiro (PCB) manifesta sua preocupação e, ao mesmo tempo, seu repúdio veemente às negociações entabuladas pelo governo Lula com o governo dos EUA, visando instalar uma base de inteligência no Brasil, possivelmente no Rio de Janeiro e/ou na região da tríplice fronteira. Seu pretexto oficial seria o de auxiliar a vigilância e o combate ao tráfico de drogas e o “terrorismo” no Atlântico Sul, diz uma declaração do Comitê Central do PCB, emitida uma vez que se conheceu o anúncio da base norte-americana no território deste país.

BASE INTERVENCIONISTA

“Dessa forma – agrega a declaração – uma série de fatores nos leva a crer que a base não pretende somente alcançar os fins oficialmente propostos. Em primeiro lugar, porque é comum que os EUA tentem encobrir a intervenção em outros países para defender seus interesses com a desculpa de combater o tráfico de dorgas e o chamado terrorismo, conceito que inclui a insurgência e a autodefesa dos povos.

“Outro motivo para a instalação da base militar em território brasileiro – um feito somente ocorrido na Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos instalaram uma base aérea em Natal para abastecimento e envio de tropas que combatiam o perigo fascista, inserta na lógica norte-americana de aumentar a militarização crescente da América Latina, como forma de criminalizar e combater as lutas populares”, pontua o comunicado da organização política de esquerda.

Artigo extraído da Voz – órgão de comunicação do Pacocol – Partido Comunista Colombiano

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