EGITO: O IMPERIALISMO MUDOU DE CACHORRO, MAS COLOCOU A MESMA COLEIRA
A análise do sociólogo norte-americano, Prof. James Petras, em entrevista à Rádio Centenário, de Montevidéu.
Quinta-feira, 4 de julho de 2013.
“A posição dos militares é de que estão firmes no apoio ao acordo com Israel contra os palestinos, continuar apoiando os EUA na Síria. Não há como esquecer que os militares recebem 1.5 bilhões de dólares por ano dos EUA e isso influencia muito. Os EUA possuem oficiais e militares de inteligência em todos os níveis do governo egípcio. Então, os militares estão completamente entregues aos EUA, que são um dos principais atores em qualquer pacto pós-Mursi”.
– Quem são os atores que estão jogando no Egito e quais são os interesses que estão em jogo?
Petras: É muito complicado porque existem várias forças em jogo no Egito. Não devemos nos confundir pelo simples fato de que existem milhões de pessoas nas ruas reclamando sua renúncia.
Entre todas as forças devemos distinguir os militares, que são uma casta que vem dominando o país pelos últimos 60 anos e que não tem nenhuma característica democrática. Sempre atuam mandando a partir de decretos executivos e, assim, nomearam o suposto presidente transitório. Ao mesmo tempo, a oposição incluía apoiadores da ex-ditadura de Mubarak que estão presentes. Temos os liberais, el-Baradei que ganhou o Prêmio Nobel, temos esquerdistas, estudantes liberais e temos setores socialistas.
Agora, entre todas as forças, os que agora mandam são os militares e estão fechando os meios de comunicação que são da oposição. Nomearam o presidente, fixaram a transição para o novo governo, definiram a comissão que fará as emendas da Constituição.
El Adli Mansour, o juiz que nomearam, é uma pessoa sem nenhum respaldo popular, sem experiência política. É uma figurinha que vai fazer o que os militares quiserem.
Devemos entender que os militares no Egito formam uma casta. Ou seja, têm suas próprias casas, seus country clubs, seus hospitais, suas escolas, os altos militares recebem consultas de empresas privadas, têm investimentos e influência nas empresas públicas. Em outras palavras, formam um Estado dentro do Estado. Devemos dizer que uma das coisas que os militares estão fazendo é defender todos estes privilégios.
Agora, entre as massas populares que mencionei, é muito complexo o panorama porque não existe uma tendência que domine. Os muçulmanos, todavia, podem influir sobre uns 30% do eleitorado pelos menos, é um apoio sólido e eles estão excluídos agora. Isso me parece um sinal de que nem tudo caminha bem. O ex-presidente e alguns de seus seguidores estão presos atualmente.
E como pensar numa transição nesta situação? Os países da Europa estão divididos. A França e a Inglaterra apoiaram o golpe. A Alemanha, pelo menos o chanceler, chamou a atenção dizendo que estão violando a democracia, o que pode prejudicar a possibilidade de um processo democrático.
Aqui, os EUA têm um papel importante, porém estão numa situação complexa também porque eles apoiavam Mursi e queriam que Mursi trabalhasse com os liberais e os militares. Agora, Mursi tinha sua própria agenda, queria fortalecer o grupo muçulmano à custa de outros sócios que Washington promovia.
Neste momento, Washington está pressionando por uma coalizão de islâmicos, liberais e militares. Esse é o projeto ao qual está se referindo Obama quando solicita rapidamente a convocação de novas eleições.
Em todo caso, a situação não terminou. Entretanto, eu não sei a resposta dos milhões de muçulmanos que não tomaram posição. Porém, as ruas estão cheias de soldados e carros blindados.
– É possível dizer que Mursi respondia aos mesmos interesses que serão defendidos pelo exército, mas que era um sócio errático quanto àqueles a quem escolhia como aliados?
Petras: Sim, e também queria colocar seus próprios aliados, mais simpáticos com a religião. Isso complicava as coisas porque os militares não confiam nos nomeados por Mursi. Eles queriam ter sua própria autonomia, seu próprio controle porque controlam grande parte da economia, com indústrias militares.
E mais uma coisa: Washington apoiava Mursi porque ele firmou o acordo com Israel para bloquear Gaza. Mursi apoiava a invasão da Síria, Mursi apoiou as forças da OTAN contra a Líbia. Em outras palavras, na política externa, Mursi era um aliado do imperialismo. A falha de Mursi foi sua incapacidade de controlar o descontentamento interno.
E para o imperialismo, os regimes pró-imperiais tornam-se descartáveis quando perdem controle. O que vale para o imperialismo é defender a integridade do Estado, o aparato estatal. Se Mursi cair, ainda terão influência no estado, sempre podem fazer uma mudança.
Neste caso, quando Mursi perdeu o apoio ou pelo menos parecia que estava titubeando e as massas se mobilizam na luta extraparlamentar, eu acredito que, no final das contas, Washington dizia que era descartável e buscaram mudança.
– Não faz muito tempo ocorreram eleições no Egito. Qual é o cenário que se apresenta agora àqueles que querem estabelecer um novo regime? O de uma nova convocatória de eleições, o de um regime substitutivo com o exército tendo algum ministro adepto? Qual pode ser a saída política à atual condução de Egito depois de ter fracassado o que tinham imposto, que eram as eleições abertas?
Petras: Bem, para mim existem duas opções. A primeira é que os militares mandem por um par de anos ou mais, prolongam o mandato militar supostamente buscando diferentes pretextos de formar comissões, limitar a participação dos muçulmanos, desmobilizar as pessoas das ruas, fortalecer sua posição para quando decidirem negociar com os políticos civis, tornarem-se muito fortes para impor a ordem que buscam. Esta é a opção mais militarista.
A segunda opção, com as pressões dos EUA, é que os militares são parte de um grande negócio, onde os mesmos garantiriam a hierarquia e sua posição privilegiada enquanto permitirem aos setores mais direitistas na oposição civil, formularem a nova Constituição e reagruparem forças numa coalizão, cortando setores de muçulmanos e também excluindo setores mais esquerdistas, particularmente os jovens que pedem mudanças socioeconômicas.
O grande problema é que o novo governo a ser formado encontrará os mesmos problemas Estes militares corruptos ficarão com grande parte da economia. As medidas liberais vão provocar grandes protestos outra vez. Por exemplo, Mursi estava acabando de levantar subsídios para conseguir um empréstimo do FMI. Todos os descontentes socioeconômicos não vão mudar por uma reformar entre seculares, liberais e outras forças. Neste contexto, vamos ver um terceiro período de descontentamento. Primeiro contra Mubarak, segundo contra Mursi e terceiro contra esta aliança liberal-militar que é a proposta dos EUA.
– Para esclarecer, não mudar em absoluto a posição do Egito na região, ou seja, vão seguir apoiando os terroristas sírios…
Petras. Obviamente é a posição dos militares e os militares estão firmes em apoiar o acordo com Israel contra os palestinos, continuar apoiando os EUA na Síria. Não há como esquecer que os militares recebem 1.5 bilhões de dólares por ano dos EUA e isso influi muito. Os EUA têm oficiais e militares de inteligência em todos os níveis do governo egípcio. Então, os militares estão completamente entregues aos EUA, que são um dos principais atores em qualquer acordo pós-Mursi.
– O que se pode esperar nos próximos dias? Revoltas populares, vários mortos como aconteceu até agora…?
Petras: Não, eu acredito que a oposição agora fica dividida e acabará por desmobilizar-se. Primeiro, todas as ruas estão ocupadas pelos militares com fuzis e carros blindados.
Segundo, os direitistas que formam parte das mobilizações vão para a casa.
Terceiro, os liberais estão agora negociando com os militares com o intuito de conseguir algumas concessões. Fica a esquerda e os jovens. E os últimos estão com ilusões de que os militares podem atuar a favor de seus interesses, além de muitas outras ilusões.
Então, eu creio que as mobilizações vão parar ou vão ficar à espera do que as cúpulas vão negociar.
Fonte: http://www.radio36.com.uy/entrevistas/2013/07/04/petras.html
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)