Petrobras e ética empresarial

Ainda na esteira do leilão do campo de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos, é necessário voltar a uma velha questão: até quando o petróleo será aceito como fonte primária de energia em um mundo cada vez mais informado?

É muito evidente hoje a parceria entre a indústria do petróleo e a indústria construtora de veículos automotores. Uma produz e a outra consome e vice-versa. Este modelo tornou-se mais claro a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e fez possível a recuperação de países arrasados pelo conflito, em especial na Europa Ocidental, Japão e EUA.

Do ponto de vista da engenharia, os motores desses veículos eram equipados com motores de muito baixo rendimento, algo como 25 ou 26%. Esperava-se, entretanto, que a pesquisa e o avanço tecnológico elevassem este rendimento, tornando esses motores mais eficientes e úteis. Não foi o que ocorreu: hoje, passadas sete décadas desde então, os veículos de passeio e de carga continuam sendo equipados com motores de muito baixo rendimento, sem qualquer ganho neste aspecto.

É claro que os veículos atuais mostram ganhos em tecnologia, em especial em relação à segurança, à redução de peso, à instrumentação embarcada, ao desempenho e ao conforto. Nada, porém, foi feito para reduzir a conta paga pelo combustível gasto.

Se levarmos em conta que cerca de 70% do petróleo refinado no mundo tem como destino os tanques desses veículos e que a frota de veículos equipados com esse tipo de motores no mundo tem crescido exponencialmente, a manutenção do baixo rendimento dos motores torna-se um bom negócio para a indústria do petróleo. Portanto, entrar neste imbroglio é, no mínimo, algo eticamente discutível.

A Petrobrás está envolvida neste negócio até o pescoço. No Brasil ela é a única fornecedora de combustíveis aos veículos aqui produzidos por uma dezena de empresas multinacionais produtoras de veículos equipados com motores à explosão de baixo rendimento.

No Brasil praticou-se o monopólio da União para as atividades ligadas à indústria petrolífera, exercido pela Petrobrás, empresa sob controle da União, de 1953 até 1997, salvo num breve período em que a ditadura implantou o que se conheceu como “contratos de risco” que em nada resultaram. No período de 1953 a 1973, a Petrobrás quase nada fez para tornar o país autossuficiente no suprimento de petróleo, cuidando somente de importá-lo, em vista de seus preços baixos no mercado internacional.

Em 1973, ocorreu o que se chama de “Primeiro Choque do Petróleo”, um conflito no Oriente Médio que fez o preço do barril de petróleo passar de US$ 3 para US$ 12 em questão de dias. Este evento fez a Petrobrás despertar e sair em busca de petróleo em nossa plataforma continental.

De início, os resultados foram modestos, mas foram crescendo com o tempo, culminando com a descoberta do pré-sal. Apesar do avanço na produção nacional de petróleo ao longo desse tempo, continuamos a importar petróleo, justamente para abastecer a frota de veículos dotados de motores ineficientes fabricados pelas empresas multinacionais aqui instaladas. O petróleo aqui produzido não é capaz de atender a distorção em nossa matriz de demanda excessivamente concentrada em gasolina e óleo diesel para contemplar automóveis, caminhões e ônibus.

A Petrobrás, que hoje tem 35% de seu capital total em mãos de instituições estrangeiras, importa petróleos mais leves e mais caros para refinar e exporta o nosso petróleo mais pesado e mais barato, tornando nossa balança comercial petrolífera deficitária em US$ 15 bilhões somente este ano. Toda esta manobra apenas para atender a frota de veículos.

Patriotismo à parte, quem muito se beneficia deste belo negócio são, afinal, as montadoras multinacionais de veículos aqui instaladas. Recebem, volta e meia, belos benefícios fiscais, exploram mão-de-obra barata e ainda remetem seus lucros para suas matrizes.

Fica óbvio que “o petróleo não é nosso” com Libra ou sem Libra.