Quase nada é o que parece ser

Dizer que o poder emana do povo enobrece qualquer constituição. Serve também para emocionar as massas, como fez o grande jurista Sobral Pinto ao citar o conceito, que, na verdade, é mais um desejo do que uma determinação seguida, para um contingente humano incalculável em um dos últimos comícios das “Diretas Já”. Nesta época, muitos criam que eleger o presidente significaria resolver os problemas da sociedade.

Edward Bernays (1891-1995), considerado um dos pais da propaganda, dizia que: “A manipulação consciente e inteligente dos organizados hábitos e opiniões das massas é um importante elemento na sociedade democrática. Aqueles que manipulam estes mecanismos ocultos da sociedade constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder existente do país. Nós somos governados, nossas mentes são moldadas, nossas preferências são formadas, nossos pensamentos sugeridos, em grande parte, pelo homem que nós nunca ouvimos falar.” Bernays não via a manipulação de massas como um problema ético. Pelo contrário, a via como um fato benéfico para a sociedade, pois escreveu: “Isto é um resultado lógico da maneira como nossa sociedade democrática está organizada. Grande número de seres humanos deve cooperar desta forma se eles vão viver juntos como uma sociedade que funciona perfeitamente”.

Edward S. Herman e Noam Chomsky, no livro “A Manipulação do Público – Política e Poder Econômico no uso da Mídia” (2003), explicam, através da descrição do modelo de tratamento das notícias, chamado de modelo dos cinco filtros, como as informações são manipuladas antes de serem publicadas. Na base de tudo, estão os interesses financeiros e de poder.

No Brasil, como em muitos outros países, se o cidadão forma sua opinião através das mais comuns fontes de informação existentes, quais sejam, televisões, rádios, jornais, revistas e alguns sites, todas ligadas ao capital, a compreensão dele do mundo está comprometida. Quase nenhuma das posições divulgadas por esses meios, relacionadas com poder e dinheiro, é a de maior interesse para a sociedade.

Além disso, as grandes agências de notícias são também controladas pelo capital. Contudo, este mundo virtual, cheio de inverdades, pode ser exterminado. Se o cidadão quiser se desintoxicar deste mundo, implantado na sua mente sem a sua permissão consciente, basta buscar entender a outra versão de cada fato e constatar, através de raciocínios lógicos, que a nova versão faz mais sentido que a anterior. Também, o cidadão deve, urgentemente, selecionar melhor os seus canais de informação.

A afirmação “o Brasil vive em plena democracia”, frequentemente transmitida como uma verdade absoluta, precisa ser analisada. Primeiramente, se a citação refere-se à democracia econômica, é óbvio que se trata de uma mentira deslavada, pois, apesar da melhoria dos últimos anos, o país ainda contém uma imensa desigualdade de renda e riqueza na população. Sobre a democracia política, pode-se dizer que, hoje, não se sofre mais o patrulhamento ideológico, que existiu durante a ditadura militar. Entretanto, se sofre, atualmente, o cerceamento do acesso a informações fidedignas, graças à ditadura midiática, que nos é imposta.

Outra afirmação enganosa da mídia, tomada como exemplo é: “os Estados Unidos lutam pela liberdade e a implantação de democracias ao redor do mundo”. O capitalismo internacional tem nos Estados Unidos a sua expressão mais radiante. Os interesses deste país são basicamente os interesses do capital lá domiciliado. Então, a liberdade citada, assim como a democracia a ser implantada, são aquelas necessárias para as empresas estrangeiras poderem acessar os mercados domésticos e os recursos naturais dos países, onde a “democracia” for imposta.

Por mais incrível que possa parecer, o povo estadunidense é tão alienado politicamente quanto o brasileiro, ou até mais, apesar do seu nível educacional ser mais elevado que o nosso. Isto ocorre graças também à mídia do seu país e, em parte, ao seu sistema educacional, que prepara o cidadão mais para a satisfação do mercado do que para o próprio enfrentar a vida. Os Estados Unidos têm dois grandes partidos políticos, que, em linhas gerais, são idênticos. Desta forma, o cidadão estadunidense, ao votar, muitas vezes escolhe entre a posição suave ou a radical, mas ambas de interesse do capital.

A mídia brasileira não divulga o essencial. Por exemplo, a inflação de 2013 ficou em 5,91%, abaixo da meta, graças ao comprometimento da saúde financeira das estatais do setor elétrico, pois a redução do item “Energia Elétrica Residencial”, que tem um peso razoável no cálculo do IPCA, foi substancial. Para o governo, era importante conter a inflação, além de entregar energia mais barata à população, o que é meritório. As empresas privadas de distribuição elétrica nos grandes centros consumidores não perderam e nem ganharam nada. Entretanto, as estatais geradoras tiveram seu patrimônio dilapidado. Equipes técnicas, que levam anos para serem formadas, também foram dispensadas. Parece até que isto é parte de um plano de médio prazo para privatização delas. Notar que houve um silêncio absoluto da mídia com relação às perdas que este setor iria sofrer.

A mídia distorce a verdade. Por exemplo, recentemente, os jornais noticiaram que o governo usou a artimanha de exportação com importação casada de plataformas de petróleo, que nem saíram do país, para poder fechar suas contas externas. Esta versão é desonesta, pois o que ocorreu foi a aplicação do que o Regime Aduaneiro Especial do Setor de Petróleo (REPETRO), implantado há mais de 14 anos, permite e que tem sido feito desde então. Os jornais só divulgaram este fato agora, com 14 anos de atraso, porque o objetivo era criticar o governo Dilma.

Recentemente, foi dito que “a Petrobras deveria seguir o exemplo da petroleira da Colômbia, cujo valor de mercado é tal e tem só tantos empregados”. Bom valor de mercado beneficia basicamente os acionistas, enquanto uma empresa pública pode ter um valor de mercado baixo e, entretanto, beneficiar a sociedade. Só a lógica neoliberal explicaria porque uma sociedade deve se preocupar em beneficiar os investidores em Bolsa de Valores e não beneficiar a si própria.

Os três pré-candidatos a presidente bem cotados, segundo a mídia, são os únicos divulgados por ela. Assim, neste momento, o capital, através da sua mídia, tendencia, pela manipulação da sociedade, a escolha do próximo presidente. Você sabia que existem três outros pré-candidatos, que, por não serem “adoradores do mercado” e subservientes principalmente ao capital internacional, não são divulgados pela mídia? Por tudo isso, o que se pode esperar de reais mudanças na sociedade, a partir de pré-candidatos que aceitam acordo prévio com o diabo?

*Conselheiro do Clube de Engenharia

(Veiculado pelo Correio da Cidadania a partir de 17/01/14)

Blog do autor: http://www.paulometri.blogspot.com.br/

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