Ucrânia, fascismo, Transnístria e cerco à Rússia
Vivenciamos nas últimas semanas a escalada da violência fascista na Ucrânia, onde setores mais à direita, apoiados e financiados pelos Estados Unidos e pela União Europeia, deram um golpe de estado, retirando do poder o presidente Yanukovith, legalmente eleito.
Por certo sabemos que a democracia só tem valor enquanto atender aos interesses burgueses. Dessa forma, EUA e UE, que posam de paladinos da democracia, não titubeiam nem se constrangem em apoiar um golpe contra uma “democracia”, desde que seus interesses fiquem assegurados.
A justificativa da rebelião propalada em toda grande mídia foi a recusa de Yanukovith de assinar um acordo comercial com a União Europeia, o que contrariou parte da população ocidental daquele país, mais interessada em integrar relações com o ocidente.
Já o lado oriental, majoritariamente de origem russa, queria e quer manter relações históricas com seus irmãos russos, refutando esta integração com a Europa. Mas a coisa não é bem por aí; aliás, é bem mais que isso.
Na realidade, o que neste momento está em jogo é a reconfiguração geopolítica e a correlação de forças mundial. Não se trata de um simples acordo comercial pois, de maneira camuflada, junto com este acordo, entrará no país a OTAN, fazendo da Ucrânia um protetorado estadunidense e europeu com o propósito de afrontar a soberania russa.
Os protestos contra Yanukovith levaram uma grande massa às ruas para questionar não apenas a assinatura do tratado de comércio, mas, fundamentalmente, foi uma crítica a um governo marcado por um histórico de corrupção e de negação de inúmeras promessas de campanha. Havia inicialmente uma grande pluralidade política de descontentamento ao governo ucraniano. Entretanto, não se pode colocar Yanukovith como uma marionete de Moscou, pois ele mesmo chegou ao poder com o apoio do ocidente. Mas os laços históricos, étnicos, culturais e a dependência energética da Ucrânia com Rússia fizeram com que Yanukovith revisse uma série de posições.
A manifestação que tomou a praça central de Kiev foi capturada pela extrema direita, sendo que cerca de um terço dos manifestantes eram partidários do ultranacionalismo. Em meio ao mar de bandeiras ucranianas, viam-se vários elementos iconográficos nazifascistas e bandeiras confederadas americanas. A violência deixou de ter como alvo principal as tropas de Yanukovith e se concentraram em varrer a esquerda da praça e das ruas. Qualquer traço de passado soviético era atacado, assim como a memória dos heróis que tombaram contra os nazistas na segunda guerra mundial. A ultradireita ucraniana, liderada pelo Partido Svoboda, promoveu uma série de atos criminosos e ataques aos comunistas. A sede do Partido Comunista da Ucrânia em Kiev foi invadida e saqueada por esse bando fascista. Nos arredores das estátuas de Lênin, a população armou barricadas para impedir a destruição dos monumentos pelas tropas de assalto direitistas, assim como os comunistas estão formando brigadas para defesa da memória soviética.
O “governo interino” da Ucrânia é a personificação do fascismo que está no poder na Ucrânia. Uma de suas primeiras medidas foi rever a lei que proibia símbolos nazistas. O país está mergulhado em uma guerra civil e corre o risco de esfacelamento. Mas a resistência da porção oriental e sul da Ucrânia de maioria russa se fez presente: repartições públicas, aeroportos e vias públicas não estão sob domínio do governo ucraniano.
O fascismo ucraniano ainda luta para se consolidar nas dimensões territoriais da Ucrânia, mas já lança sua devastação tentando desestabilizar a Transnístria, um país não reconhecido pela ONU, espremido numa faixa de terra entre a Moldávia e a Ucrânia. O país é formado por três etnias (russos majoritariamente, moldavos e ucranianos) e se declarou independente da Moldávia. A República Moldava da Transnístria é na realidade um portal do tempo. De fato a Transnístria talvez seja o lugar que melhor conservou seu passado soviético. A foice e martelo lá estão na bandeira do país e no brasão de armas, os mesmos da antiga República Socialista Soviética da Moldávia, e em diversos monumentos, assim como em bustos e estátuas de Lênin e memoriais aos soldados soviéticos que tombaram contra as tropas nazistas. O capitalismo não entrou totalmente no país e parece que estamos em um pedacinho da URSS, já deturpada pelo período de fim dos anos 1980, em pleno século XXI.
É neste pequeno território que conta com pouco mais de meio milhão de habitantes que os fascistas ucranianos começam a querer “ajudar seus irmãos ucranianos”, em outras palavras, disseminar o ódio aos russos, ao comunismo e implantar seu tosco nacionalismo étnico, em um país onde as três etnias convivem sem problemas até agora. O Partido Comunista Transnistriano, segunda maior força política do país e defensor da memória do socialismo soviético, alerta os comunistas para o próximo passo dos fascistas. Por certo, a Transnístria, que faz fronteira com o ocidente ucraniano, é o passo adiante dos fascistas de Kiev.
O crescimento do fascismo na Ucrânia, já sinalizado pela provocação e desestabilização de seus vizinhos, provocou uma intervenção russa na região a fim de retirar a vertente fascista do novo governo da Ucrânia. Uma Ucrânia gravitando em torno dos EUA/UE/OTAN cria uma fronteira de fato entre a União Europeia e a Rússia, um impeditivo real da construção da paz na Europa.
O governo Putin já recebeu aval da Duma para incorporar o leste ucraniano à Rússia, caso este seja o resultado do plebiscito já aprovado pelo parlamento regional da Criméia, que se dará no próximo dia 16 de março. Mesmo com as ameaças de Obama sobre as consequências de intervenção no caso ucraniano, tropas russas já ocupam a Criméia e preparam a contraofensiva aos fascistas, patrocinados comprovadamente pelo governo norte-americano.
Que fique claro que não nutrimos ilusão alguma com os atuais governantes da Rússia capitalista, que deram sequência à dilapidação do Estado Soviético e representam interesses da grande burguesia local, extremamente reacionária e também buscando seu espaço no cenário internacional de forma imperialista.
Diante do quadro atual de instabilidade e ameaça fascista, em meio a um conflito de caráter interimperialista entre os blocos capitalistas, só nos resta declarar nossa solidariedade internacionalista aos trabalhadores ucranianos, ao Partido Comunista da Ucrânia (PCU), à União dos Comunistas da Ucrânia e ao Partido Comunista Transnistriniano (PCT) contra o nazifascismo patrocinado pelos Estados Unidos e pela União Europeia.
(*) Antonio Braga é Secretário Político do PCB de Teresópolis