RELATO DE UMA TESTEMUNHA OCULAR DA HISTÓRIA RECENTE

Nasci no início dos anos 80. Quando comecei a ter alguma consciência do mundo, aprendi que no passado havia acontecido coisas horríveis: duas guerras mundiais, nas quais morreram dezenas de milhões de pessoas, e que havia terminado no nosso País a Ditadura (1964-1985), quando muitas pessoas foram perseguidas, torturadas e assassinadas. Era um tempo de horrores que, diziam, tinha ficado para trás.

As imagens do holocausto eram constantes. Inúmeros filmes mostravam a cena já clássica dos vagões de trem escuros e sombrios nos quais os nazistas amontoavam judeus como animais para encaminhá-los para o seu fim nos campos de concentração (e extermínio). Já as imagens da ditadura eram bem menos comuns, apenas uma coisa ou outra no seriado “Anos Dourados” da Rede Globo. Tudo muito romantizado, como se fosse bom viver durante os anos 60 e 70 e ser perseguido pelos bandidos do Estado. Sobre a época mais sombria do Brasil Republicano, aprendi mesmo no colégio, nos livros de história. Tive a sorte de ter uma grande professora de História da 5ª até a 8ª série. Minha primeira grande mestre. Me ensinou que se alguém era exemplo para os homens que querem um mundo melhor, é Robespierre, o incorruptível.

Recordo que no início dos anos 90, podíamos acompanhar pela televisão a Guerra do Golfo (1990-1991), ver os caças dos Estados Unidos bombardear o Iraque, que revidava sem grande efeito com armas anti-aéreas. George Bush, então presidente dos EUA, era mostrado como um herói e campeão da civilização. Na minha inocência infantil, perguntei ao meu pai se Bush era assim tão bom, porque ele não governava logo o mundo todo. Meu pai ficara fitando meus olhos. Dessa maneira, essa guerra era transmitida como algo bom e justo, já que os EUA vinham proteger o Kuwait, então um pequeno país indefeso diante da invasão iraquiana. Levaria ainda uns 10 anos para entender que o petróleo era o negócio e a hegemonia global era a intenção. Percebi que o filme “Top Gun” era uma grande farsa. Portanto, o tempo passado com os seus horrores não havia ido embora. Aprendi também que uma nação pequena no tamanho, mas grandiosa na sua história, Cuba, resistia bravamente, tendo a sua frente homens apaixonados, radicalmente humanistas, como aquele Robespierre da escola.

Pouco tempo depois da tragédia iraquiana saiu a notícia nos jornais de que “a Rússia havia adotado a economia de mercado”. Nesse momento, minha mãe estava na cozinha e, da sala, repeti a notícia para ela, que ficou surpreendida. Sobre a União Soviética, a televisão bombardeava diariamente que se tratava de um mundo de horrores que, também, havia ficado para trás. Uns 15 anos mais eu chegaria à conclusão de que aquela era também uma grande farsa da mídia conservadora. Como falava uma professora da universidade, o “SOREX” – estranha abreviatura para “socialismo realmente existente” – foi capaz trazer à humanidade conquistas sociais antes inimagináveis. E depois também, já que muitos de nós ignoram aquele mundo.

Logo vi o ideal socialista nascer dentro de mim e me dei conta de que não estava só, pois os ideais revolucionários estão também na mente e no coração de muitos outros camaradas, de todas as idades e de todos os cantos desse país-continente. Lembro que eu pensava que o melhor amigo de meu pai, o equatoriano Dr. Jorge, a pessoa mais correta e honesta que conheci, era socialista e que, portanto, não havia nada de errado em eu ser comunista. Pelo contrário. Aprendi que ser crítico é ter consciência da nossa responsabilidade no mundo.

Hoje, com 33 anos -“a idade de Cristo”, sempre me dizem-, acompanho os horrores perpetrados por Israel contra um povo indefeso mas que se defende como pode. E se lança pedras e alguns foguetinhos contra a maquinaria bélica israelense, é para dizer-lhes: “Temos dignidade, não tememos e lutaremos até mesmo com pedras contra seus horrores”. Recordo de um grande amigo palestino que, em uma palestra em Curitiba, disse “Venceremos, pois a civilização sempre vence a barbárie”. Hoje assisto crianças que estão sendo impedidas de viver a própria infância. Os opressores imaginam que lhes tirarão a tenra idade. Aquelas que não foram mortas, carregarão para o resto de suas vidas a imagem da destruição. Disse Che certa vez que “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira”.

Dante Alighieri, que descreveu em detalhes o inferno, seria incapaz de imaginar algo tão horrendo. E, ironia da história, Israel que deveria ser o bastião da paz, já que foi construído por muitas vítimas do holocausto nazista, se converte em exterminador de um povo indefeso mas que não se rende e teima em mostrar sua bravura. Em italiano, “bravo” significa bom. A televisão insiste que o conflito é religioso. Mas a Palestina é apenas um elo da grande guerra pelo petróleo, da qual Israel é apenas ponta de lança da maior potência bélica do planeta. Para a sanha capitalista, religião é ócio se não é negócio. Errou Max Weber.

Disse o revolucionário que é melhor morrer de pé do que viver ajoelhado. E é assim que fazem os palestinos. Seu exemplo ficará para a história. Já sobre o que faz Israel, os judeus se envergonharão, como muitos já se envergonham. E o sionismo, assim como o nazi-fascismo, é mais uma ideologia odiosa que nunca deveria ter saído da Caixa de Pandora. Em um mundo novo, calmo e livre, que está ali no horizonte, tudo isso estará no museu da história. Não existirá mais o capitalismo e suas inúmeras mazelas sociais serão uma amarga mas remota lembrança.

Rodrigo Jurucê Mattos Gonçalves é professor de História e comunista.

Curitiba, 24/07/2014.