O governo da Ucrânia é um governo criado pelos países da Europa e pelos Estados Unidos

EChI: Como está a situação na Ucrânia?

JP: O que está claro é que o governo da Ucrânia é um governo criado pelos países da Europa e pelos Estados Unidos. As origens do regime de Kiev são produto de um golpe organizado pelos Estados Unidos e financiado tanto por Washington como por Bruxelas.

Este governo autoritário e repressivo tenta impor um tipo de governo subordinado aos poderes da OTAN, inimigo da Rússia, provocando conflitos com aqueles de origem russa. E tenta criar uma situação belicista com a Rússia, nas fronteiras com a Rússia, pondo em xeque toda a Segurança do Estado na Rússia.

Como consequência deles, existe um problema chave no centro do governo de Kiev. Por um lado, reclama que é um governo nacional, por outro lado, está canalizando todas as energias, principalmente militares, para destruir qualquer pluralidade étnica, política, social no país. Visa impor um governo central diretamente subordinado a Bruxelas, ao Fundo Monetário e aos governantes do Ocidente.

Isso gerou contradições internas e, principalmente, as mais agudas com os setores mais avançados do país no Leste, onde está a indústria pesada e os setores mais desenvolvidos social e economicamente.

E, como consequência disto, falta ao governo capacidade. Depende totalmente do financiamento exterior, está recebendo armas e assessores do exterior. É um governo neocolonial no melhor dos casos e diretamente um vassalo dos países do Ocidente.

Neste momento têm uma arma forte em nossos países, porque a propaganda, os meios de comunicação atuam como um braço político da OTAN. Dizem que é um governo que atua independente, falam da oposição democrata como ‘pró-russa’ quando a única intervenção são os milhares de efetivos, tropas e assessores da OTAN. Receberam armas por mais de um bilhão de dólares.

A intervenção é do Ocidente. A defesa é interna por parte dos setores trabalhadores que formaram milícias. Hoje, recebemos notícias de que todos os mineradores de carvão estão tomando armas e somando-se às milícias de defesa de Lugansk e Donestk.

Creio que a situação na Ucrânia é perigosa, porque os países ocidentais estão colocando sobre a mesa todo tipo de arma, preparando uma guerra contra a Rússia. E qualquer coisa, qualquer faísca, por exemplo, se os governantes de Kiev atacam as caravanas de ajuda humanitária, rapidamente poderia se vera Rússia envolvida na defesa dessas caravanas. E essa poderia ser a faísca para iniciar um conflito mais generalizado.

Acredito que estamos em situação muito precária e é muito difícil que continue assim, porque o governo fantoche de Kiev não possui recursos próprios, a economia está na bancarrota e, o mais importante para o ângulo estratégico, 300.000 ucranianos emigraram para a Rússia, entre profissionais, operários qualificados, engenheiros. Uma grande massa de ucranianos, frente à devastação, as bombas e os ataques aéreos, partem para a Rússia. Esta perda do que chamam capital humano, será um enorme dano para o que resta como Ucrânia e, além disso, as fábricas, as indústrias, o setor tecnologicamente avançado, serão diretamente afetados. Em Kiev não existe nada comparável para sustentar a economia. Se é que em algum caso conquistam, conquistarão a destruição autoafetada. Creio no fato de que a Rússia vai se beneficiar com esta imigração e a Ucrânia vai ficar com os medíocres, a politicagem, os neonazistas, os que só sabem destruir e não sabem construir.

O governo de Kiev vai gastar 2.2 bilhões de dólares para impor-se pelas armas, não tem nenhum projeto econômico para a recuperação nem desenvolvimento e, acima disso, não terão a mão de obra qualificada para uma reconstrução. Uma vez que os ucranianos saem da Rússia vivem melhor, encontram emprego, habitação, melhoram sua qualidade de vida, não voltam. Será uma perda total.

EChI: É possível que ante o fracasso na Síria o Ocidente tome a Ucrânia?

JP: Não. Acredito que estão funcionando em muitas frentes ao mesmo tempo.

Ou seja, estão na Líbia, destroem Líbia, hoje é um país totalmente destruído a partir da intervenção da OTAN. O mesmo no Iraque, destruíram uma cultura secular, o país mais avançado em todo o Oriente Médio. Agora estão destruindo a Síria e, ao mesmo tempo, estão destruindo a Ucrânia, as duas coisas marcham juntas. Destruíram o Afeganistão.

Deixaram os países em cinzas.

Acredito que a política imperial, neste momento, não tem nada a ver com conquistas econômicas. São projeções do poder militar que não possui projetos de construção, não tem ideia de quem são seus aliados e quem são seus inimigos. No caso da Síria, se juntaram com todos os mais extremistas, os jihadistas, para atacar Bashar Al Assad. No entanto, os jihadistas têm sua própria agenda e aproveitam as armas e dinheiros para atacar agora os fantoches no Iraque. Isto multiplicou a guerra, porque o que conseguiram são bilhões de dólares em armas, as mais modernas armas, juntando seguidores, e agora que os Estados Unidos estão entrando em combate no Iraque, os jihadistas mudaram a natureza do conflito. Antes era uma luta sectária, religiosa e agora a convertem em uma luta anti-imperialista porque os Estados Unidos estão envolvidos e, segundo eles, estão em uma luta de libertação nacional. Isso multiplica os conflitos, agora transferindo as armas que conseguiram na Síria para o Iraque.

E os Estados Unidos não têm uma política, atiram bombas no Iraque e falam em atirar bombas na Síria, porém não sabem onde atirá-las. Isso porque por todo lado existem os jihadistas, que os repudiam e têm um governo independente nacionalista na Síria. Então, não sabem aonde ir, em ambos os lados existem problemas e problemas graves, que colocam em questão a hegemonia norte-americana no Oriente Médio.

EChI: Soma-se a esta situação dos Estados Unidos (François) Hollande, que aceitou enviar reforços aos terroristas da Síria.

JP: Bom, é confuso. Para quem vai mandar as armas? Os supostos ‘pró-ocidentais’ desapareceram do mapa. Tanto o governo de Bashar Al Assad os derrotou como também os jihadistas os destruíram; os curdos os removeram. O que ficou é pouco para canalizar o dinheiro.

Agora a polarização é ISIS (Estado Islâmico no Iraque e em Levante, EIIL; ISIS em inglês) ou Bashar Al Assad. Não existe um terceiro em disputa neste caso.

E para onde Hollande vai mandar as armas? Quem as vai receber? Os pró-ocidentais desapareceram como fator político do poder. Creio que é uma política que perdeu seu papel, perdeu o norte, não tem um ponto de referência para que possa montar um ataque, estão atacados por dois lados e perderam relevância.

EChI: Como os estadunidenses vem esta realidade?

JP: Em geral, o que estão olhando primeiro é se existe uma saída política sem entrar em guerra. A última coisa que o povo norte-americano quer é outro Iraque, outro Afeganistão, outra intervenção norte-americana. Esse é um limite absoluto. Por isso, Obama não se atreve a entrar na Síria e no Iraque, e apenas utiliza aviões, porque são sem pilotos que podem sofrer feridas ou mortes; isso em primeiro lugar.

Em segundo lugar, o povo norte-americano continua preocupado com a estagnação da economia, o baixo emprego, o baixo pagamento.

E, em terceiro lugar, está preocupado pelo que está passando em relação com o que poderia ser a crise em Ferguson, onde os negros estão enfrentando a Polícia e há medo de que possa generalizar-se. Já no fim de semana passado assistimos a várias mobilizações em solidariedade, as pressões cresceram muito, a tal ponto que o governo tenta intervir, não para solucionar, mas simplesmente para desmobilizar e pacificar. E isso não servirá ao longo prazo, porque as condições policialescas montadas pelo próprio governo, com o aumento da militarização da Polícia, já é difícil ser revertida; porém, além disso, a militarização da Polícia garante mais assassinatos de civis inocentes.

Esse é o terceiro ponto importante.

Agora, entre os setores mais politizados há outra preocupação que são os massacres em Gaza.

Aqui, em varias mídias, encontramos importantes expressões de repúdio a Israel. Primeiro, tivemos a declaração assinada por 350 sobreviventes do holocausto. São judeus que passaram sofrimentos sob o nazismo, que assinaram um documento atacando Israel e conclamando um boicote total de Israel, de todos seus bens, de todas as relações sociais, acadêmicas, econômicas. São 350 pessoas que assinaram essa declaração, publicada no NET York Time, dizendo Não a Israel, ‘nós judeus que sofremos com o nazismo condenamos Israel porque estão atuando como os nazistas’. E esse é um grande golpe na comunidade sionista.

Porém, os sionistas continuam fortes em três lugares.

Primeiro, no Centro de Tecnologia em Silicon Valley, na Califórnia, onde os grandes multimilionários donos das telecomunicações canalizam mais de um bilhão de dólares para Israel, para construir sua indústria tecnológica.

Segundo, temos a maioria dos donos dos meios de comunicações em Hollywood e Nova York, que dão publicidade favorável a Israel no massacre contra Gaza, nas principais mídias.

Também temos, em terceiro lugar, em Washington e Nova York, os grandes banqueiros e os ricos que estão influindo sobre a venda de armas e transferência de armas para Israel, para continuar esta agressão.

Este três eixos do poder israelense nos Estados Unidos – Silicon Valley, Hollywood e Washington-Nova York – são os que enfrentam a comunidade dissidente de judeus e progressistas americanos aqui nos Estados Unidos.

Hoje em dia, os israelitas e o Ministro da Comunicação dizem que Israel está preparando a invasão terrestre para massacrar todos os líderes do Hamas e todos os que estejam envolvidos. Creem que com o bombardeio debilitaram o Hamas e a resistência, pelo qual se propõem tomar as casas e massacrar o que resta da resistência. Isto foi dito pelo Ministro de Comunicação de Israel hoje. Disse ‘estamos preparando o campo para uma invasão’. Agora, verá se podem consegui-lo porque isso pode custar a Israel mais prejuízo que até agora.

Fonte: http://www.radio36.com.uy/entrevistas/2014/08/26/petras.html

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Podcast: http://www.ivoox.com/james-petras-cx36-25ago14-audios-mp3_rf_3429166_1.html