IS: uma variante fundamentalista fora de controle ou um elemento da estratégia do Ocidente no Oriente Médio?
O vídeo com a brutal degolação dos jornalistas estadunidenses James Foley e Steven Sotloff, realizada friamente pelo carrasco do IS, “John”, permitiu às “excelências” da Casa Branca voltarem ao cenário do Oriente Médio para impedir que possíveis modificações políticas e territoriais possam afetar o papel geoestratégico de Israel, da Arábia Saudita e da Turquia. Países que representam a base de sustentação da geopolítica dos Estados Unidos e dos interesses das transnacionais no Oriente Médio.
Foi nesse âmbito que o presidente dos EUA, Barack Obama, no primeiro dia da reunião dos chefes de Estado dos países da OTAN, realizada na cidade britânica de Newport, promoveu a formação de uma aliança internacional que, na realidade, se parece mais uma “cruzada do Ocidente” contra o mundo islâmico, personificado “ad hoc” pelo IS (Estado Islâmico), que antes era o Califado do Iraque e do Levante chamado ISIL. Em Newport, Obama salientou que “finalmente a OTAN irá definir as novas missões estratégicas nas frentes da Ucrânia, da Síria e do Iraque, onde a segurança do Ocidente foi ameaçada”. Para depois admitir: “o ISIL é uma perigosa ameaça para todos e na OTAN estamos devidamente convencidos de que chegou a hora de enfraquecer e destruir o ISIL”.
Uma cruzada que permitirá aos governos dos países da OTAN legitimar a participação das respectivas forças aéreas nas missões de reconhecimento, de bombardeio a tapete, bem como nos ataques ao sol com drones, em diferentes regiões do Iraque e da Síria a partir das bases militares da Turquia, da Jordânia, da Arábia Saudita e do Kuwait. De fato, o Secretário do Departamento de Estado dos EUA, John Kerry, foi explícito em afirmar: “devemos formar uma coalizão mais ampla possível sem, porém, intervir com unidades de infantaria, atacando o IS com a força aérea, tendo por objetivo impedir que ampliem suas posições. Por isso, devemos também reforçar as forças armadas iraquianas e, também, os curdos que estão dispostos em combater o IS“.
Guerra sem prisioneiros?
A resposta a esse quesito a encontramos nas frases proferidas em Newport, primeiro pelo presidente Obama e depois pelo Secretário do Departamento de Estado, John Kerry. De fato, o presidente preferiu recorrer aos chavões eleitorais (“devemos criar uma aliança para enfraquecer e destruir o ISIS”), enquanto Kerry, talvez mais realista, falou sobretudo em limitar o poder do IS (“impedir que eles ampliem suas posições”).
Para muitos analistas, a posição de John Kerry faz supor que por debaixo do tapete existe um plano “B” que, em troca da paz, prevê uma redefinição territorial no Iraque e na Síria, onde o IS poderá existir em um território de quase 90.000 quilômetros quadrados e com uma população sunita de quase oito milhões de pessoas, distribuídas na região iraquiana de Al Anbar e nas regiões sírias de Day As Zawr, Al Hasakah e parte de Ar Raqqah. Regiões com muitas reservas de gás e de petróleo e por onde transitam os oleodutos e gasodutos dos dois países para a Turquia.
Esta conjectura política tem como base a análise etimológica das afirmações de Obama, que se refere apenas ao ISIL, a antiga sigla do movimento jihadista de Abu Bakr Al Baghdadi, cujo objetivo era a criação de um Califado sem uma definição territorial específica. Por sua parte, John Kerry usa o termo IS, isto é, Estado Islâmico, que o seu fundador, Abu Bakr Al Baghdadi, proclamou após a conquista da região central do Iraque, Al Anbar, quase nos limiares das cidades de Mossul e de Kirkut, já em território curdo.
Seguindo essa lógica, o IS poderia ser interpretado como o novo Estado Islâmico dos sunitas iraquianos e sírios. Um Estado que os estrategistas do Pentágono, bem como os fieis e ricos aliados do Golfo (Arábia Saudita, Qatar, Kuwait, Emirados Árabes Unidos e Bahrein), sempre acharam necessário para reduzir a hegemonia do Irã, minimizar a força dos xiitas no Iraque e no Oriente Médio e, consequentemente, contribuir na derrota do regime alauíta de Bashar al-Assad na Síria.
Porém, no passado, isto é, durante os oito anos da ocupação estadunidense do Iraque, o projeto de criar um estado sunita foi rejeitado por duas vezes pelos chefes da então APC (Autoridade Provisória da Coligação), Paul Bremen e depois David Petraeus, que de forma decisiva desaconselharam a criação de um Estado sunita em função dos acordos que haviam feito com as lideranças da maioria xiita, desde sempre contrárias em dividir o poder com os sunitas e tampouco dar-lhes mais autonomia política ou permitir o surgimento do próprio Estado sunita. Aliás, o general George Casey, comandante das forças multinacionais no Iraque, em agosto de 2006, alertava o presidente Bush que, caso o governo estadunidense tivesse implementado a formação de um Estado sunita no Iraque, a maioria xiita – que representa 62% da população, 18 milhões de pessoas – teria realizado uma insurreição geral em Bagdá e no sul do país, com a explosão de uma sangrenta guerra civil. Por isso tudo, a Casa Branca optou pela solução mais segura, que lhe permitisse sair do Iraque em 2011, após oito anos de sangrenta ocupação.
Entretanto, o elemento mais controverso disso tudo é a maneira como o presidente do EUA, Barack Obama, pretende “destruir o ISIL”, usando, apenas, os bombardeios a tapete e os ataques dirigidos pelos drones, que na realidade são, apenas, uma componente estratégica no planejamento de uma operação de guerra de alto nível. De fato, a história mais recente dos ataques do exército sionista contra as posições do Hamas em Gaza demonstra, sem sombra de dúvidas, que o potencial bélico das brigadas do Hamas será aniquilado somente quando os batalhões das tropas especiais israelenses, apoiados pela força aérea, puderem varrer, devidamente, todas as casas, todos os túneis, todos os bairros, todas as fazendolas – enfim, quando todo o território de Gaza for “peneirado” pelos soldados israelenses. Uma operação que, na realidade, não é simples e que implica o risco de sofrer muitas baixas por causa do que os militares chamam “Efeito Stalingrado”.
Um risco que os generais do exército sionista não quiseram correr mais após a morte de dois oficiais e de 46 soldados. De fato, entrar nos arredores de Gaza City significa perder a imagem da invencibilidade que, em termos políticos e diplomáticos, permite ao governo sionista de Benjamin Netanyahu atacar Gaza e os palestinos quando e como quer.
O mesmo aconteceu na Síria, onde a cidade de Homs, apesar dos intensos bombardeios aéreos, foi libertada pelos soldados do exército regular sírio somente após dois anos de duros combates urbanos. Portanto, se os bombardeios dos F-16 estadunidenses e britânicos permitiram aos combatentes curdos (peshmergas) retomar a barragem e a cidade de Mossul, também resultou evidente que os combatentes do IS conseguiram se recompactar para além da localidade de Tal Kayf, consolidando assim a nova fronteira do IS, anunciada em julho por Abu Bakr Al Baghdadi.
Nessa cruzada, a mídia ocidental tem um papel fundamental, do momento que caberá à CNN, Fox, BBC, Reuters, AFP, RAI etc. manipularem as informações para tranquilizar os ouvintes europeus e estadunidenses. De fato, é nessa lógica que jornais, revistas e TVs começaram a enfatizar o uso massivo do potencial bélico dos países da OTAN, juntamente da reorganização dos peshmergas curdos em molde de exército regular e o fornecimento de mais armas para o exército do Iraque.
O verdadeiro problema disso tudo é saber em que medida e até quando as operações militares continuarão. Será uma guerra relâmpago ou se instalará um conflito de posição?
Um questionamento que muitos gostariam de fazer a Barack Obama, no momento em que os 96 “raids” realizados pelos caças-bombardeiros dos EUA, no mês de agosto, bloquearam o avanço triunfal das brigadas do IS em direção à capital Bagdá, porém, não impediram consolidação da presença militar do IS no interior da região iraquiana de Al Anbar. Uma região onde as tribos de beduínos sunitas (os nômades e os fellahin, agricultores) são quase cinco milhões de pessoas que, agora, apoiam os combatentes do IS, também em virtude da renda mensal que o IS ofereceu aos chefes tribais. Por isso, as manobras diplomáticas e as batalhas campais que se realizarão nos meses de outubro e novembro serão decisivas para averiguar como a opinião pública dos países ocidentais e do mundo árabe reagirá diante dos efeitos militares dessa “guerra sem prisioneiros”, desejada e imposta pelos Estados Unidos e os países da OTAN.
Quem apóia os IS?
Oficialmente, nenhum governo do Oriente Médio apoia o IS e, também, nenhum emir, príncipe ou ricaço árabe defende publicamente a criação de um Califado no Iraque e na Síria. Porém, o ex-primeiro-ministro iraquiano, Nouri al Maliki, logo após o ataque do IS contra as cidades de Kirkut e de Mossul – de onde foram roubados 462 milhões de dólares e 80 kg de lingotes de ouro da local agência do Banco Central Iraquiano –, acusou a Arábia Saudita, o Kuwait, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein de terem apoiado financeiramente os homens de Abu Bakr Al Baghdadi, enquanto o Catar e a Turquia, além do suporte financeiro, deram ao então ISI, depois ISIL e agora IS, também o suporte logístico e militar. Por exemplo, as milhares de caminhonetes Toyota e Mercedes, que o IS utilizou para avançar contra as cidades de Mossul e Kirkut no mês de julho, foram importadas através da intermediação de empresas da Turquia, com o beneplácito do serviço de inteligência.
A mesma fonte denunciou que o IS, através de empresas fantasma do Catar, da Turquia e israelenses, vende o barril de petróleo a US$ 33,00, enquanto no mercado é cotado a 105 dólares. O mesmo acontece com o gás que é bombeado na Síria e que chega à Turquia através dos gasodutos que passam pelos territórios ocupados pelo IS.
A este propósito, os partidos turcos da oposição, na semana passada, denunciaram o governo de Erdogan por ter negociado com o IS a compra do petróleo iraquiano roubado por um valor de 800 milhões de dólares, equiva-lente a 4% do consumo nacional. Além disso, desde fevereiro a Turquia compra o gás que na Síria é extraído pela Conoco em Deir Ezzor e que, como o petróleo, deveria ser embargado nos terminais petrolíferos do porto turco de Ceiban. Antes desse período, a Turquia comprava o gás sírio, pagando 60.000 dólares por semana ao representante da Frente Al Nusra, que havia ocupado os campos petrolíferos de Deir Ezzor. Depois os comba-tentes do ISIL expulsaram os antigos aliados e começaram a negociar com os emissários do governo turco.
Aliás, a partir de 22 de maio, também os autonomistas do Curdistão começaram a vender para uma “desconhecida companhia europeia” uma parte do petróleo que conseguem desviar do triângulo petrolífero de Baiji, na região de Kirkut. Com a cumplicidade da empresa turca Betas, que gerencia os “pipelines”, cerca de um milhão de toneladas de petróleo chegam diariamente ao porto turco de Ceiban, onde os navios-tanques da companhia de navegação Palmali Shipping & Agency JSC, cujo proprietário é o turco Mubariz Gurbanoglu, vão vender o “ouro negro” no mercado livre europeu de Roterdã.
Segundo cálculos aproximados, o IS e os autonomistas curdos estariam ganhando, cada um, um milhão de dólares por dia, graças à intermediação da Aramco. De fato, a transnacional estadunidense-saudita encobre as operações de venda do IS e dos curdos, dando a entender aos mercados que, na realidade, não se trata de petróleo roubado do Iraque, mas, sim, do aumento de suas cotas de produção na Arábia Saudita. Uma mentira legitimada pelo próprio governo saudita, que camuflou essa operação anunciando, em 15 de junho, que a produção de petróleo saudita aumentará de 10 para 15 milhões de barris por dia!
No dia 18 de junho, durante a reunião, em Moscou, dos países produtores e exportadores de gás e petróleos, a Síria denunciou que a transnacional Exxon-Mobil (de propriedade da família Rockfeller e associada ao emir do Catar) vende no mercado “livre” o petróleo e o gás roubado na Síria pela Frente Al Nusra, enquanto o Irã acusou a Aramco (EUA/Arábia Saudita) de vender o petróleo iraquiano desviado pelo IS e os autonomistas curdos. Mesmo assim, não houve nenhuma medida coercitiva contra as referidas transnacionais e contra os bancos e as companhias de navegação que participam nesse negócio. Por qual motivo?
A resposta vem do “documento reservado” (revelado por Wikileaks) e firmado em 2009 por Hillary Clinton, então Secretário do Departamento de Estado, em que a Arábia Saudita era denunciada “por ser uma importante base de sustentação financeira para a Al-Qaeda, os Talibans (do Afeganistão)… Além disso, os doadores individuais da Arábia Saudita representam a fonte mais importante de financiamento para os grupos terroristas sunitas no mundo”. De fato, o príncipe saudita Bandar bin Sultan, também chefe dos serviços secretos da Arábia Saudita e responsável pela segurança pessoal do rei, Abdallah bin Abdul Aziz Al-Saud, é quem define a maior parte dos financiamentos do Estado saudita para os grupos sunitas, além de ter o pleno conhecimento sobre as operações financeiras realizadas pelos doadores sauditas em favor do IS e de outras formações sunitas.
Outro importante financiador do “terrorismo sunita” é o Kuwait, que segundo a Brooking Institutions foi quem financiou na Síria a formação das primeiras brigadas salafitas “Jahbat al-Asala wa al-Tanmiya”, “Ahrar al-Sham” e “Jabhat al-Nusra”, em 2011. Mas o fluxo de “petrodólares” do Kuwait continuou também quando os salafitas se juntaram aos jihadistas da Frente Al Nusra, para depois integrar as fileiras do ISIL, quando Abu Bakr Al Baghdadi rompeu com Al Qaeda, mandando assassinar Abu Mohammad al-Ansari, líder da Frente Al Nusra. Enfim, quando Abu Bakr Al Baghdadi assumiu a liderança dos grupos jihadistas da Síria e do Iraque, o emir do Kuwait, Sabah IV Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah, renovou a linha de financiamentos em favor do ISIL, não obstante alguns conselheiros terem-no lembrando de que as violências desumanas dos homens do ISIL contra os presos civis desqualificavam o Islã.
Por último, temos o Catar, que possui a terceira reserva mundial de gás e é liderado pelo emir Tamim bin Hamad Al Than, que no ano passado realizou um golpe de Estado contra o próprio pai, para disputar a liderança dos sunitas no Oriente Médio. Por isso, após ter rompido com a Arábia Saudita, começou investindo cinco milhões de dólares na criação do partido da Irmandade Muçulmana, do partido salafita e dos grupos jihadistas na Líbia. Depois, para contrastar os sauditas, entre 2011 e 2013, depositou três milhões de dólares na conta corrente de Abu Mohammad al-Ansari, para organizar e armar a Frente Al Nusra, principal grupo armado oposto ao Exército Livre Sírio, criado com o dinheiro da Arábia Saudita e monitorado pela CIA.
Diante desse cenário, resulta evidente que a guerra civil na Síria, a evolução do IS e a legitimação dos curdos são um jogo de cartas marcadas, do momento que os principais produtores e exportadores de petróleo e de gás do Golfo (Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Catar) são também os principais financiadores dos grupos terroristas e, ao mesmo tempo, os principais aliados dos Estados Unidos, da Grã Bretanha e de Israel no Oriente Médio. Sem esquecer que são também os fieis parceiros das transnacionais petrolíferas, que exercem uma grande influência na mídia ocidental e nos respectivos governos, inclusive a Casa Branca.
Um contexto geopolítico no qual a opinião pública mundial, mais uma vez, está sendo influenciada e manipulada em favor de quem está articulando “o jogo de cartas no Oriente Médio”.
Vejam, por exemplo, o “incorruptível” Procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Luis Moreno-Ocampo, conhecido mundialmente por ter emitido um mandato de captura contra Kadafi e seus filhos, logo após o ataque aéreo franco-britânico por “crimes contra a humanidade”. Pois esse Procurador do TPI, mesmo solicitado a intervir, engavetou a revelação do jornal britânico The Telegraf, que em 14 de abril de 2014, ao citar fontes dos serviços de inteligência ocidentais, acusava o serviço secreto da Turquia (MIT) de ter provocado, juntamente aos homens da Frente Al-Nusra e do ISIL (naquele tempo aliados), a explosão dos barris com gás sarin e, assim, forçar a intervenção armada dos EUA e dos países membros da OTAN contra a Síria. Esse “ensaio” provocou, em 21 de agosto de 2013, a morte de 1.729 moradores da cidade síria de Ghouta na região de Rif Dimash, que a mídia ocidental e árabe fizeram recair, injustamente, sobre o exército de Bashar Al Assad. Além disso, Luis Moreno-Ocampo nunca se pronunciou contra o primeiro-ministro da Turquia, Erdogan, por ter cometido o crime de receptação do petróleo roubado do Iraque e associação com os terroristas do IS.
Nesse contexto, o elemento mais contraditório e até ridículo se deu na reunião em Newport dos chefes de Estado da OTAN, na qual o presidente Obama pediu também a Turquia para integrar a “Cruzada do Ocidente” e destruir o IS, mesmo sabendo que o primeiro-ministro turco Erdogan é o líder de um país governado por um partido islâmico que apoia totalmente a IS, a ponto de permitir que empresas e bancos turcos intermediem a compra de armas, explosivos e suprimentos, enquanto os foguetes e os projéteis para as armas pesadas (canhões e tanques) são diretamente transacionados pelos próprios serviços secretos!
Conclusões
1) O IS é parte integrante da geoestratégia do imperialismo estadunidense, que, por ser demasiado insegura e vacilante em termos políticos, na prática oscila entre as diferentes posições tentando, sempre, compor a solução que mais garanta os interesses dos EUA. Em muitos casos, essa prática se transformou em tragédia, tal como aconteceu na Somália, na Líbia, no Sudão, na Síria e agora no Iraque.
2) O atual líder do IS, Abu Bakr Al Baghdadi, em 2005, depois de integrar o grupo armado jihadista “Jama’at al-Tawhid wal-Jihad”, criado em 2004 em Bagdá, foi acusado de atividade terrorista pela inteligência militar estadunidense e encarcerado na prisão especial de Camp Bucca, em Umm Qasr. Porém, segundo o ex-ministro iraquiano, Nouri al Malik, em 2009, a pedido de oficiais da CIA, ele foi solto. Um ano depois, em 16 de maio, Abu Bakr Al Baghdadi reivindicou em Bagdá os primeiros atentados do ISI (Estado Islâmico do Iraque) contra os xiitas. Em 2011, chefiava os “bomb-men” que se sacrificavam realizando sanguinários atentados suicidas em Mossul, desta vez reivindicados pelo ISIL. Foi desse momento que Abu Bakr Al Baghdadi começou a divulgar sua aliança com Al Qaeda e a ideia de recriar o antigo califado islâmico, que nos anos 600 e 700 estendia suas fronteiras do Líbano até o sul do Iraque.
Depois disso, a maior parte dos homens do ISIL, cerca 1.000 combatentes, se transferiu para a Síria e integraram a Frente Al Nusra. Em 2013, Abu Bakr Al Baghdadi rompeu com Al Qaeda e mandou assassinar o líder da Frente Al Nusra. Assim, começou o planejamento da invasão do Iraque.
Segundo o analista Hisham al-Hashimi, a CIA acredita que o número de combatentes do IS não chega a 15 mil homens. Porém, dos 12.000 voluntários islâmicos estrangeiros que nos últimos anos foram combater na Síria, agora mais de 60% estariam nas fileiras do IS, tendo participado nos ataques às cidades de Mossul e Kirkut.
3) Segundo o jornal britânico” The Economist”, 80% dos voluntários estrangeiros jihadistas (europeus, chechenos, argelinos, líbios, egípcios, bósnios, filipinos etc.), que entre 2011 e 2013 estavam lutando na Síria nas fileiras da Frente Al Nusra, ingressaram no ISIL quando Bakr Al Baghdadi lançou o manifesto de atacar o Iraque. Agora, a partir de 2013, o ISIL e depois o IS alistou mais de 3.000 neo-islâmicos ocidentais vindos de países europeus.
Além desse contingente, várias fontes ligadas aos serviços de inteligência admitem que na Síria estejam combatendo 4.000 sauditas e cerca de 1.500 dos Emirados Unidos, em sua maioria paramilitares utilizados pelos serviços secretos de seus países e para lá deslocados. Mais da metade desses, agora, estaria concentrada na região iraquiana de Al Anbar para reprimir eventuais reações das células do Partido Baath Árabe, que, em 2013, fez um acordo tático com o ISIL, apesar de não ser um partido islâmico e não aceitar as leis da Sharia.
4) O IS (Estado Islâmico) é considerado pela CIA o grupo terrorista mais rico do mundo, inclusive mais que a própria Al-Qaeda quando Osama bin Laden era ainda vivo. Por outro lado, em suas limitadas aparições públicas e documentos políticos, Abu Bakr Al Baghdadi nunca se refere a Israel, nunca denuncia a guerra de agressão do sionismo contra Gaza e contra o povo palestino. Esse fato reforça as informações segundo as quais agentes da CIA e do Mossad sionista foram os principais assessores de Abu Bakr Al Baghdadi, depois de sua libertação das prisões de Camp Bucca. Isso faz lembrar o príncipe saudita Bandar bin Sultan, que cospe veneno contra o Irã, Bashar al Assad e os xiitas, mas nada diz contra os sionistas de Israel e os Estados Unidos.
5) Hoje, o IS reivindica a liderança universal do jihadismo sunita. Por isso, a mídia ocidental começou a apresentar o IS como uma variante do fundamentalista sunita fora de controle por causa do uso gratuito da violência contra os inimigos e as populações. Porém, foi através dessas representações sanguinárias que o IS ganhou espaço na mídia, tornando-se o provável mandatário de um Estado sunita no Iraque e na Síria. Por isso, o IS e o próprio Abu Bakr Al Baghdadi podem ser considerados um complemento indireto da estratégia dos EUA, visto que sua atuação permite: a) reduzir a influência da Rússia na região; b) enfraquecer o governo xiita iraquiano e, consequentemente, desestimular a intervenção do governo do Irã; c) criar as perspectivas para uma futura divisão étnica do Iraque, com um Estado curdo no norte (regiões do Curdistão), um Estado sunita no centro (região central de Al Anbar) e um estado xiita no sul. Para que isso aconteça, é necessário qualificar os curdos do ponto de vista militar e fazer sangrar o novo governo iraquiano liderado pelo xiita Maiden al-Abadi. Com uma sangrenta guerra civil em curso, que mexe muito com a divisão das receitas petrolíferas, tudo isso tende a se materializar.
6) Quem realmente pode quebrar esse plano é novamente o exército regular da Síria de Bashar al Assad. De fato, se as batalhas em curso em Aleppo e em Raqqa forem vencidas pelos homens de Damasco, a Síria poderá voltar a exercer o controle da fronteira com a Turquia e a Jordânia. Nesse caso, o IS ficaria isolado na região iraquiana de Al Anbar, sem nenhuma possibilidade de receber da Turquia o fluxo de armas e dos demais supri-0mentos. Nesse caso, a “guerra sem prisioneiros” varrerá ainda mais vidas humanas nas areias do deserto iraquiano.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV “Quadrante Informativo” e colunista do “Correio da Cidadania”.