Os Estados Unidos encaminham-se para um choque
Quando Obama disputava a presidência em 2008 fez muitas promessas – como é normal que os políticos façam –, mas a promessa com que se comprometeu foi sair do Iraque e do Afeganistão. E não a vai cumprir. O que está de facto a fazer é a meter os Estados Unidos em mais países.
O presidente Barack Obama disse aos Estados Unidos, e em particular a seu Congresso, que tem de fazer algo muito importante no Médio Oriente para deter o desastre. A análise do suposto problema é extremamente opaca, mas os tambores patrióticos começam a subir o tom e quase todo o mundo, de momento, acompanha o jogo. Uma cabeça mais tranquila diria que se agitam desesperados por uma situação por cuja criação os Estados Unidos são os maiores responsáveis. Não sabem o que fazer, de modo que actuam em pânico.
A explicação é simples. Os Estados Unidos encontram-se em séria decadência. Tudo lhes está a correr mal. E tomados de pânico são como o condutor de um poderoso automóvel que perdeu o controlo e não sabe como diminuir a velocidade. De modo que acelera e se encaminha para um choque importante. O carro gira em todas as direcções e derrapa. É autodestrutivo para o condutor, mas o choque pode também arrastar o resto do mundo para um desastre.
Dedica-se muita atenção ao que Obama faz e ao que não fez. Mesmo os seus defensores mais próximos parecem duvidar dele. Um comentador australiano no Financial Times resumiu-o numa frase: “em 2014 o mundo repentinamente fartou-se de Barack Obama”. Pergunto-me se Obama não se cansou de Obama. Mas é um erro culpá-lo apenas a ele. Virtualmente ninguém entre os líderes estadunidenses propôs alternativas que fossem mais sensatas. Muito pelo contrario. Há os instigadores da guerra, que quiseram bombardear tudo de imediato. Há os políticos que efectivamente pensam que fará uma grande diferença quem ganhe as próximas eleições nos Estados Unidos.
Uma rara voz de saúde mental provém de uma entrevista (aparecida no New York Times) com Daniel Benjamim, que foi o principal assessor de antiterrorismo do Departamento de Estado estado-unidense durante o primeiro período presidencial de Obama. Apelidou de farsa a chamada ameaça do ISIS, quando membros do gabinete e outras figuras militares de alta patente descrevem a ameaça em injustificados termos de catástrofe. E afirma que o que vêm dizendo não assenta em nenhuma prova corroborada e apenas demonstra quão fácil é para os funcionários e os media acelerarem o público no sentido do pânico. Mas, ¿quem faz caso do senhor Benjamin?
De momento, e com a ajuda de horripilantes fotos que mostram a decapitação de dois jornalistas estadunidenses às mãos do Califado, as sondagens nos Estados Unidos mostram um enorme apoio a uma acção militar. Mas, ¿quanto vai isso durar? O apoio permanece enquanto pareça haver resultados concretos. O chefe do Estado Maior Conjunto, Martin Dempsey, ao propor uma acção militar diz que levará pelo menos três anos. Multipliquem isso por cinco e talvez se aproximem de quanto vai durar. E o público estado-unidense com toda a certeza que se desiludirá rapidamente.
Por agora, o que Obama propõe é bombardear alguma coisa na Síria, não o envio de tropas “ao terreno”, mas o incremento de tropas especiais (até agora 2 mil) para ministrar treino no Iraque (e provavelmente em outros lugares). Quando Obama disputava a presidência em 2008 fez muitas promessas – como é normal que os políticos façam –, mas a promessa com que se comprometeu foi sair do Iraque e do Afeganistão. E não a vai cumprir. De facto o que está é a meter os Estados Unidos em mais países.
A coligação de Obama vai oferecer treino aos que define como “os bons”. E parece que esse treino ocorrerá na Arabia Saudita. É bom para a Arabia Saudita. Podem examinar todos os que vão ser treinados e decidir em quais confiar e em quais não se pode confiar. Isto torna possível que o regime saudita (no mínimo tão atrapalhado como o regime dos Estados Unidos) pareça estar a fazer alguma coisa, e permite-lhe sobreviver um pouco mais.
Há formas de superar este cenário catastrófico. Não obstante implicam a decisão de fazer a viragem da guerra para os acordos políticos entre toda a espécie de grupos que não se apreciam entre si e que não confiam uns nos outros. Tais arranjos políticos não são desconhecidos, mas são difíceis de levar a cabo, e quando se acabam de pactuar são frágeis, até que se consolidam. Um elemento principal nos acordos que estão em processo no Médio Oriente é não um maior, mas um menor envolvimento dos Estados Unidos. Ninguém confia nos Estados Unidos, mesmo que momentaneamente invoquem a assistência estado-unidense para isto ou para aquilo. O New York Times referiu que, na reunião em que Obama conseguiu o acordo para avançar com a sua nova coligação, o apoio dos países do Médio Oriente presentes foi “frouxo” e “renitente” devido a que existe “de todo o lado uma crescente desconfiança em relação aos Estados Unidos”. De modo que embora prossiga o jogo, de algum modo limitado, ninguém vai mostrar gratidão a qualquer assistência estado-unidense. O fundo da questão é que os povos do Médio Oriente querem gerir o seu próprio espectáculo, e não corresponder ao que os Estados Unidos acham que é bom para eles.
© Immanuel Wallerstein
Fonte: http://www.jornada.unam.mx/2014/09/21/opinion/022a1mun