Irã, EUA, Rússia e China, a verdadeira história
“The Real Story on Iran, US, Russia and China”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Epígrafe acrescentada na Vila Vudu, colhida de mensagem que recebemos hoje, boa demais para não aproveitar aqui: – [Netanyahu] is trying to kill ME, Yossarian told him calmly. – No one’s trying to kill you, Clevinger cried. –Then why [Netanyahu] is shooting at ME? Yossarian asked. – Not at you! [Netanyahu] is shooting at everyone, Clevinger answered. [Netanyahu]’s trying to kill everyone. – I told ya. Adaptada de HELLER, Joseph, Catch-22, 1961, (ing. PDF grátis). Tradução: − [Netanyahu] quer ME matar, Yossarian disse calmamente. − Ninguém quer matar você, Clevinger berrou. − Então, por que [Netanyahu] está atirando em MIM? Yossarian perguntou. − Não em você! [Netanyahu] está atirando em todo mundo, disse Clevinger. [Netanyahu] quer matar todo mundo. − Foi o que eu disse. |
A verdadeira história nunca teve coisa alguma a ver com o primeiro-ministro de Israel, doente-por-guerras, Bibi Netanyahu, líder estrangeiro que se serviu violentamente do Castelo de Cartas (House of Cards), desculpem, do Capitólio, nos EUA, como palancão de campanha de reeleição e para enquadrar a presidência e a política externa dos EUA.
Prova muito clara disso é que, enquanto em Washington, Bibi “Bombardeie o Irã” destilava aquela arenga de 39 minutos, em Montreux o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry e o Ministro de Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif trabalhavam na terceira rodada de negociações nucleares.
A verdadeira história é também, em parte, sobre esse novelão perene – o dossiê nuclear iraniano. Mas ao final do corrente mês há um prazo a ser cumprido para um primeiro arranjo; e em junho – com otimismo – um acordo final amplo.
O que está em jogo nesse mais alto nível é coisa que todos os principais jogadores já sabem há eras. Teerã não assinará acordo algum que não ponha fim ao imundo e ilegal pacote de sanções ainda vigentes. E Washington, inspirada sempre pela política de “Não faça nenhuma merda coisa estúpida” do governo Obama, só faz puxar as traves do gol, de um lado para o outro, ao longo das negociações.
A mais recente “ideia” de Obama foi “exigir” que o Irã suspenda toda a atividade nuclear por dez anos. Para Zarif, a coisa é “ilógica” e “excessiva”.
É. Tão ilógica quando a paranoia que é marca registrada da cesta de neoconservadores e extremistas de direita no governo dos EUA. Comparem-se a reação dos norte-americanos e o modo como o líder supremo do Irã, Aiatolá Khamenei considera o poder nuclear – com todas as implicações que tem; e é posição divulgada há eras, para todos verem. Assista vídeo dele a seguir legendado em inglês:
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China, Rússia e o Plano B
Diferente do regime Cheney, o governo Obama parece ter chegado a uma conclusão lógica – induzida por horas e horas que o Pentágono perde de joystick na mão: Washington não pode destruir o sistema nuclear iraniano – a não ser que use armas nucleares.
Ao longo da maior parte da década passada, esse foi o Plano A. Plano B são as “negociações” que nunca terminam, que se resumem a aparecer sempre com várias limitações ao programa nuclear iraniano em troca de um sempre muito duvidoso fim das sanções.
De fato, o verdadeiro objetivo dos Masters of the Universe que controlam o teatro de sombras no eixo Washington/Wall Street é administrar o declínio imperial. Implica, no sudeste da Ásia, uma nova sessão de “Dividir para Governar”, dessa vez com Turquia, Irã, Arábia Saudita e Israel nos papeis principais.
Alguns jogadores−chave em Washington estão ficando cada dia mais impacientes com a Casa de Saud, a qual – com sua estratégia de baixo preço do petróleo – está bombardeando a indústria de petróleo de xisto dos EUA. Outros se preocupam por a Turquia – depois de negócio-monstro no Oleogasodutostão, o Ramo Turco – estar-se deslocando para mais perto da Rússia. Assim, enquanto não for fechada, a opção de reintegrar o Irã numa colaboração com o ocidente, continua a render negócios lucrativos para empresas norte-americanas.
Mas Rússia e China tampouco estão sentadas vendo a vida passar: lá estão, como partes importantes do grupo P5+1 que negocia com os especialistas e autoridades do Irã. Os dois países BRICS podem usar – e usam – o Irã como alavanca no modo como negociam com o hegemon, sempre encontrando vias pelas quais minar o “pivoteamento para a Ásia”, dos EUA.
Organização de Cooperação de Xangai
Tão logo estejam normalizadas as relações com o Irã, Teerã será admitida à Organização de Cooperação de Xangai [Shanghai Cooperation Organization (SCO)]; atualmente, o Irã participa como observador. Washington teme esse movimento – porque acelera a integração eurasiana do Irã, e dá firmeza a um eixo político/comercial Moscou-Teerã-Pequim.
A Rússia já mantém bons negócios com o Irã – de usinas nucleares à venda de armas. Nenhum acerto EUA-Irã acontecerá sem aquiescência tácita (no mínimo) dos russos – e os norte-americanos sabem disso. Pequim, por sua vez, tende a firmar-se no status quo. A China não quer Teerã muito mais próxima do ocidente, porque implicaria um hegemon muito mais ‘solto’ no movimento de “pivotear-se” para a Ásia. A China corretamente vê o Irã numa função de conter o “ocidente”.
No futuro, passos adiante, nessa estrada, Teerã pode usar essa alguma ‘reaproximação’ com o ocidente, para aumentar seu poder de barganha com Pequim. Se algum acordo for obtido nesse verão, Teerã estará numa excelente posição para extrair concessões – na economia, segurança, defesa – de seus parceiros chineses. Mas em todos os casos o nome do jogo sempre é integração eurasiana.
O Califato, “nossos” filhos-da-puta
Quanto ao vociferante Bibi, só lhe restou mais uma vez tentar vender a Washington a escolha de uma guerra israelense contra um Irã demonizado ensandecidamente. Não funcionou – mais essa tentativa de os suspeitos de sempre, o lobby organizado no AIPAC, ordenarem, sem meias palavras, que suas tropas de choque dissessem ao Castelo de Cartas [House of Cards], digo, ao Congresso dos EUA, que guerra é paz, e acordo nuclear é acordo com o demônio em pessoa.
Como escreveu Trita Parsi, para Bibi, a verdadeira “ameaça existencial” é a paz.
O culpado é o Irã!
Mais uma vez, também aqui a história verdadeira não é algum Irã nuclear; é a possibilidade de uma détente EUA–Irã; nesse caso, as garras de Israel sobre a política exterior dos EUA enfraquecem, deixam de ser garras de ferro.
Como se poderia prever, Bibi esbravejou furiosamente contra aquelas forças do mal que pululam em sua “vizinhança”, de Irã e “Líbano” (falava do Hezbollah), à Síria de Assad e ao Hamas. Mas… nem uma palavra contra ISIS/ISIL/Daesh. É como declarar que um Irã não nuclear é ameaça pior à civilização que o Califato fake, viciado em degolas. Esposando tal visão de mundo, Bibi não pode aspirar nem a extra no seriado House of Cards [Castelo de Cartas] – agora no Netflix.
Enquanto isso, a verdadeira história de Israel – o apartheid/ocupação ilegal imposto aos palestinos – prossegue, ocultada pelo cacarejo daqueles sonâmbulos que circulam na House of Cards, desculpem, no Senado dos EUA, que Bibi bombardeou até deixar em ruínas.
*Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros;
Fonte: Pátria Latina