O caso de Miguel Ángel Beltrán: Terrorismo de estado em três atos

imagemPor Renán Vega Cantor / Resumen Latinoamericano / LaHaine /7 de agosto de 2015 – O aparato jurídico colombiano funciona perfeitamente quando se trata de castigar trabalhadores, camponeses, estudantes…

Em 18 de dezembro de 2014, a Seção Penal do Tribunal Superior de Bogotá condenou em segunda instância o professor e pesquisador Miguel Ángel Beltrán a 100 meses de prisão, acusando-o do delito de rebelião. Em 31 de julho passado, foi detido e conduzido ao Presídio de La Picota, em Bogotá. Este evento rubrica um sistemático processo de perseguição contra um intelectual crítico durante os últimos seis anos, em que o Estado e seus diversos órgãos deram mostras do que significa o terrorismo oficial e trazem a certeza do dito popular de que “a justiça é para os de terno”. Analisemos três atos desta perseguição.

Primeiro ato: sequestro no México

Miguel Ángel Beltrán encontrava-se há nove meses no México desenvolvendo seus estudos de pós-doutorado na Universidade Nacional Autônoma, país onde viveu, anteriormente, vários anos. Seu visto tinha vencido há quinze dias e, para permanecer no país, precisava de um visto definitivo. Miguel Ángel se preocupava com o fato do Instituto Nacional de Migração (INM) chamá-lo insistentemente pelo telefone. Era, como logo se comprovou, uma isca para obrigá-lo a comparecer a um desses escritórios onde pretendiam sequestrá-lo, como de fato ocorreu. Em 22 de maio de 2009, em companhia do advogado Jorge Becerril e de sua esposa Luisa Natalia, dirigiu-se à sede do INM, com um compromisso previamente acertado com o Subdiretor de Migrações. Entrou sozinho, enquanto seus dois acompanhantes o esperavam do lado de fora. Passaram as horas e Miguel Ángel não saía. Sua esposa e o advogado perguntaram sobre a demora e foram informados por um funcionário que Ángel tinha sido transferido para outra dependência, pois estava em condições de ilegalidade, mas que não se preocupassem que rapidamente regressaria para a casa.

Sem imaginarem o que tinha acontecido, Natalia foi para seu apartamento, ligou a televisão e viu com surpresa as imagens transmitidas de Bogotá, em que se informava ter sido capturado e trazido para Bogotá um tal Jaime Cienfuegos, membro da Comissão Internacional das FARC, o próprio Miguel Ángel Beltrán.

Rapidamente, algo que não costuma caracterizar nem os burocratas do México nem da Colômbia, Miguel Ángel Beltrán foi agredido e retirado das instalações do INM, metido à força em uma caminhonete e levado ao aeroporto, onde um avião militar colombiano o esperava para trazê-lo, como fruto do sequestro, para Bogotá. O regime criminoso da “Segurança Democrática” apresentou o professor como um perigoso terrorista e de maneira exagerada se precipitou a dizer que tinha capturado “um dos terroristas mais perigosos da organização narcoterrorista FARC”, exultante “porque este professor de sociologia dedicado a ser professor do crime esteja hoje nos cárceres colombianos. Graças à boa vontade do presidente do México”.

Estamos dizendo que no dia 22 de maio de 2009 aconteceu um evento vergonhoso para a história da América Latina e do México, em particular, posto que dentro das instalações do INM foi sequestrado de forma conjunta entre a DIJIN da Colômbia e o Estado mexicano um cidadão colombiano. Violando os mais elementares procedimentos diplomáticos e descartando uma tradição centenária de refúgio de intelectuais e perseguidos políticos, o governo de Felipe Calderón autorizou o sequestro e a posterior entrega ao regime criminoso de Álvaro Uribe Vélez de um intelectual colombiano. Na prática, tentou ressuscitar o Plano Condor das décadas de 1970 e 1980, mediante o qual as ditaduras de Segurança Nacional do Cone Sul trocavam pessoas que depois eram torturadas, assassinadas e desaparecidas.

Paralelamente, os meios de desinformação (RCN, Caracol, El Tiempo, El Espectador…) se encarregaram de reproduzir a versão oficial – ocultando a magnitude dos crimes do Estado colombiano e reproduzindo, sem nenhum sentido crítico, as mentiras propaladas pelo regime de Álvaro Uribe Vélez.

Miguel Ángel foi encarcerado, foram declarados como “provas cabais” os supostos e-mails encontrados no computador mágico de Raúl Reyes e sem nenhum tipo de julgamento, tanto os meios de desinformação como o inquilino da Casa de Nariño o condenaram. Depois, efetuou-se uma paródia de julgamento, com provas frágeis e testemunhos manipulados e obtusos, em uma tosca ação na qual a defesa de Miguel Ángel desmontou uma a uma das mentiras e conseguiu que fosse declarado inocente e saísse da prisão, após dois anos de encarceramento arbitrário.

Segundo ato: a morte do trabalho

Quando Miguel Ángel Beltrán foi sequestrado e trazido de forma ilegal para a Colômbia, a Universidade Nacional, instituição na qual trabalhava como professor, não realizou nenhuma ação de apoio nem de solidariedade e tampouco ofereceu respaldo legal enquanto esteve na prisão.

Durante esse tempo, o retirou de sua folha de pagamento docente e teve o descaramento, quase kafkiano, de enviar um advogado ao cárcere, porém não para oferecer assessoria jurídica, mas para comunicá-lo que devia responder pelo inventário das coisas que a UN tinha cedido a seu escritório ou, do contrário, abriria um processo disciplinar.

As diretrizes da UN se submeteram às decisões arbitrárias da “justiça colombiana” e nunca questionaram nem denunciaram os procedimentos terroristas do Estado colombiano. Ainda pior, os acadêmicos e pesquisadores da UN – com honrosas exceções – não se manifestaram para defender um de seus colegas, assumindo uma atitude cúmplice com o terrorismo de Estado. Inclusive, existem professores universitários, incluindo membros do Departamento de Sociologia, que aplaudiram o sequestro oficial de Miguel Ángel, algo que se entende já que este incomodava por conta de suas posturas políticas e pelos temas pesquisados, relacionados com os problemas sociais da Colômbia e América Latina.

Esse incômodo aumentou quando, após sair da prisão, Miguel Ángel reassumiu o cargo de professor da UN. No dia que se apresentou ao Departamento de Sociologia, poucos se atreveram a saudá-lo e quase todos deram-lhe as costas, literalmente falando, de forma desdenhosa. Depois chegaram ameaças de morte e Miguel Ángel partiu para o exílio, uma terrível situação na qual o apoio da UN foi quase simbólico.

Estando no exílio, em 3 de setembro de 2013, o Procurador Geral da Nação, Alejandro Ordoñez, o destituiu de seu cargo de professor, baseando-se nas mesmas evidências pelas quais tinha sido absolvido, principalmente acerca do suposto computador mágico e indestrutível de Reyes. Durante vários meses esteve em suspenso a destituição, tempo durante o qual alguns professores e estudantes da UN e de outras universidades se mobilizaram e denunciaram a perseguição ao pensamento crítico e à liberdade de pensamento. Neste intervalo, Miguel Ángel reintegrou-se ao trabalho em começos de 2014 e assumiu sua cátedra durante o primeiro semestre acadêmico desse ano.

Porém, Ordóñez não cessou em seu desempenho inquisitorial e no dia 24 de julho de 2014, confirmou a destituição de Miguel Ángel Beltrán e a proibição de exercer algum cargo público pelos próximos treze anos. O reitor da UN, Ignacio Mantilla, dando mostras de uma vergonhosa prostração ante a Procuradoria, procedeu com a destituição, sem questionar a decisão de Ordóñez nem reivindicar o direito à autonomia de que goza a universidade. Baseou-se em conceitos jurídicos de advogados “progressistas” para quem era preferível a destituição de Miguel Ángel Beltrán a opor-se à decisão da Procuradoria, posto que segundo sua retórica sofística esta última possibilidade implicava questionar o Estado de Direito, algo inaudito para seu cretinismo jurídico. O lamentável radica em que uma instituição universitária, tendo uma das bandeiras é a liberdade de opinião e pensamento, tenha assumido como válidos os pobres argumentos do Procurador que acusou Miguel Ángel de formar grupos de pesquisa e de escrever artigos e fóruns com “sentido político”, nos quais se admitia que o conflito armado na Colômbia originou-se da luta dos camponeses, o que a Procuradoria considerou como uma instigação ao terrorismo.

Desta forma, as autoridades universitárias – com o apoio tácito do grosso da comunidade acadêmica – puseram no jogo uma nova engrenagem do terrorismo de Estado: a morte do trabalho. Com efeito, a destituição de seu cargo de professor na UN significa, na prática, para Miguel Ángel Beltrán a morte profissional, porque está inabilitado para exercer qualquer cargo público durante 13 anos (toda uma vida em termos profissionais) e, depois dessa destituição, é duvidoso que alguma outra universidade queira contratar um professor destituído pela Procuradoria, sobre o qual também se difundiu toda uma classe de mentiras e calúnias.

Terceiro ato: a condenação

Faltava, depois da destituição da UN, em finais de 2014, conhecer a condenação proferida por um ministro da Seção Penal do Tribunal Superior de Bogotá a 100 meses de prisão, pelo delito de rebelião. Esta segunda instância se derivou da apelação que fez um Promotor à decisão de deixar livre Miguel Ángel Beltrán. Ainda que aparentemente esta decisão não tenha se baseado nas provas “mágicas” empregadas após o sequestro no México, ao longo elas foram endossadas, como assinala uma informação do jornal El Espectador: “Segundo a Promotoria Geral, o professor universitário era conhecido como ‘Jaime Cienfuegos’, ideólogo da comissão internacional das FARC. O órgão acusador chegou a essa conclusão após revisar os documentos que encontraram no computador do chefe guerrilheiro conhecido como ‘Raúl Reyes’, abatido em 2 de março de 2008, na fronteira entre Colômbia e Equador”. Isto foi dito pela Promotoria e foi o que assumiu como válido o Tribunal Superior de Bogotá.

Não deixa de ser sintomático que a condenação tenha se dado em plena greve do judiciário no país, o que indica que os membros da Seção Penal do Tribunal Superior de Bogotá são fura-greves. Para além desta curiosidade, fica claro que o aparato judicial na Colômbia é outra instância própria do terrorismo de Estado, e não é nenhum poder independente, como o afirma a teoria liberal sobre a separação dos ramos do Estado e, por isso, atua com claro critério de classe para perseguir estudantes, professores, camponeses, trabalhadores, mulheres pobres… Enquanto sobre estes recai a força do Estado, como se evidencia com a origem social dos milhares de presos comuns e políticos que abarrotam os cárceres do país e são tratados pior que animais, aos delinquentes e aos animais, aos delinquentes e aos criminosos de colarinho branco é concedido todo tipo de arbítrio para que fujam, como aconteceu com Luis Carlos Restrepo, Andrés Felipe Arias, Pilar Hurtado, Sandra Morelli… para não falar da impunidade que encobre os crimes de ex-presidentes, ministros, generais e seus familiares, como ocorre com os responsáveis pelos “falsos positivos”.

O aparato judicial colombiano funciona à perfeição quando se trata de castigar trabalhadores em greve, camponeses que protestam nas rodovias, estudantes que fazem manifestações… e o mesmo quando persegue e castiga aqueles que se opõem ao regime, submetidos a um inesgotável terrorismo de Estado. Isso é o que aconteceu com Miguel Ángel Beltrán, por atrever-se a pensar, a discordar, a duvidar das falsas verdades do governo e de seus intelectuais orgânicos. Para que isto não fique em generalidades, recordemos que o promotor que inicialmente acusou Miguel Ángel, cujo nome é Ricardo Bejarano Beltrán, costuma posar nas redes sociais com uniforme militar e entre suas páginas favoritas se encontram a da Escola Militar e a dos Veteranos da Guerra do Vietnã. Entre seus fetiches, encontram as operações contraguerrilha ‘Fénix’ e ‘Sodoma’. Essa é uma boa mostra da “imparcialidade da justiça” colombiana. É por isso, voltando à greve do judiciário, que se diz em tom de brincadeira que ninguém participou desse protesto, porque na Colômbia a justiça vive eternamente paralisada, salvo quando se trata de foder os pobres e insurretos.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/08/08/colombia-el-caso-de-miguel-angel-beltran-terrorismo-de-estado-en-tres-actos/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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