“Milhares de mercenários estrangeiros entraram na Síria pela Turquia”

imagemLeandro Albani/Resumen Latinoamericano, 6 de agosto de 2015 – Há seis meses, Miguel Fernández Martínez se encontra na Síria, país assolado por uma guerra de agressão que ocorre há quatro anos e parece não ter fim. Fernández Martínez é jornalista da agência cubana de notícias Prensa Latina e o único correspondente permanente do Ocidente na nação governada por Bashar Al Assad.

Nesta entrevista com Resumen Latinoamericano faz um detalhado relato da atual situação do povo sírio e do poder real que o grupo terrorista Estado Islâmico (EI) possui no país. Além disso, explica o papel desempenhado pela Turquia, pelos Estados Unidos e pelas monarquias do Golfo Pérsico no plano para desestabilizar a Síria, financiando e apoiando as organizações irregulares armadas que operam na nação.

– Depois de quatro anos de guerra de agressão contra a Síria, qual é a situação atual do país?

– De luta e resistência. Dificilmente outro país da região teria resistido mais de quatro anos de guerra imposta por poderosas potências internacionais como é o caso da Síria. As medidas de castigo impostas pelos Estados Unidos e a União Europeia são mantidas, persiste a violação das fronteiras comuns, o que permite o acesso de milhares de mercenários armados e pagos pelo Ocidente. Porém, sobretudo, se impõe uma impressionante capacidade de resistência do Exército sírio, que em quatro anos perdeu mais de 40 mil homens nas frentes de combate e continua enfrentando os grupos armados. Além disso, os números exibidos por este conflito são alarmantes: mais de 230 mil mortos, quatro milhões de refugiados e cerca de sete milhões de deslocados dentro do país. A infraestrutura econômica fortemente prejudicada, suas principais fontes de energia e rendas (poços de petróleo) em terrenos ocupados pelo grupo terrorista Estado islâmico (EI). Porém, o povo sírio não se rende e continua lutando.

– Qual a quantidade real de territorio que o Estado Islâmico controla hoje?

– Ainda que muitos estimem que o EI ocupe quase 50% do territorio do país, é preciso ter um olhar objetivo em termos territoriais reais ocupados, população e sua importância estratégica. A zona de ação dos grupos jihadistas é do centro ao leste do país, zona com grandes extensões de deserto e pouca população. Tampouco são fortes em cidades importantes, com exceção de Raqqa, a 542 quilômetros ao nordeste de Damasco, e que foi autoproclamada como a capital do Califado Islâmico, estabelecido pela força nestes territórios. Também se mantêm ocupada a cidade de Palmira, a uns 220 quilômetros ao leste da capital e declarada Patrimônio da Humanidade desde 1980, pela quantidade de riquezas arquitetônicas que possui, algumas do século I. Ao norte, ocupam as cidades de Idleb e Yirs al-Shugur, e um pouco mais ao nordeste, a metade da cidade de Alepo (norte e nordeste), que foi o centro econômico da Síria. O resto do país, e onde se concentra a maior quantidade de populações, está sob o controle governamental. Na realidade, o que ocupam os grupos do EI são vias de acesso, estradas que enlaçam diferentes pontos geográficos do país e que, é claro, dificultam as comunicações, os abastecimentos e o desenvolvimento normal da economia nacional.

– Poderia descrever a vida cotidiana dos sírios considerando a situação do país?

– Seria difícil explicar porque não é homogêneo em todos os lugares. Por exemplo, se você visitar Damasco, a capital do país, com pouco mais de dois milhões de habitantes, pode chegar a pensar que não está em meio a um cenário de guerra. Apesar dos atentados a bomba, os ataques com morteiros e outras ações terroristas, a cidade está muito bem protegida pelo Exército e a vida transcorre em uma discreta normalidade, que só é interrompida pelos sons da aviação de combate, ou pelo canhão da artilharia contra posições rebeldes em cidades próximas. A população permanece em seus trabalhos, circulam táxis e ônibus, e em vários pontos da cidade existe vida noturna (bares, restaurantes, cinemas, teatros, museus) sem restrições. Porém, esse não é o caso de outras cidades que, ainda que não estejam sob o controle dos terroristas, se mantém assediadas constantemente por ataques com morteiros, carros-bomba acionados por suicidas, sequestros e outras ações criminosas. Também é o caso das cidades de Kafarya e Al-Foa, na província de Idleb, onde cerca de 40 mil civis ficam meses resistindo às investidas dos terroristas, completamente sitiadas, com todos os serviços cortados (energia elétrica, água, combustíveis, alimentos) em uma situação de absoluto desespero, porém dispostos a não se deixar ocupar. E não podemos esquecer as localidades que estão sob o controle dos jihadistas, onde as condições de vida mudaram radicalmente depois que se impuseram as leis da Sharia (Lei Islâmica), obrigando as mulheres a cobrirem o rosto, os homens não podem usar calças apertadas nem penteados modernos, e são castigados brutalmente se violarem estas imposições. Nestes lugares, é frequente ver degolamentos públicos, lançamento de homossexuais de edifícios altos, apedrejamento de mulheres até a morte por determinadas “faltas”, que podem ser julgadas pelos extremistas islâmicos. Em tais lugares, a vida pode se converter em um inferno para as minorias étnicas (alauitas, xiitas, ismaelitas, drusos, curdos, cristãos) que, em muitos casos, são sequestrados e vendidos como escravos em pleno século XXI. Nestes lugares, as meninas são vendidas pelo mesmo preço que os barris de petróleo. Os meninos entre um e nove anos de idade podem custar até 165 dólares, enquanto os adolescentes entre 11 e 16 anos estão avaliados em 124 dólares. É verdadeiramente dantesco.

– Que papel desempenha atualmente a Turquia e as monarquias do Golfo Pérsico com relação à Síria?

– Desde o princípio da crise em 2011, a Turquia junto da Jordânia, Arábia Saudita e Qatar se converteram nas pontas de lança da grande campanha anti-Síria organizada pelos Estados Unidos, Reino Unido e França. A Turquia e a Jordânia, que compartilham fronteiras com a Síria pelo norte e sul, respectivamente, ofereceram seus territórios como base de treinamento dos grupos terroristas que depois se infiltram em território sírio para cometer excessos. Não se pode esquecer que o presidente turco Recep Tayyip Erdogan é a figura política da Irmandade Muçulmana nesta zona do Oriente Médio, e que foi um instigador na Síria do que se convencionou chamar de Primaveras Árabes em países como a Tunísia, Iêmen, Egito e Líbia, que foi um processo desestabilizador concebido, financiado e liderado pelos Estados Unidos. A Turquia oferece hoje seu território para que especialistas militares norte-americanos treinem grupos armados que depois cruzarão a fronteira síria. Milhares de mercenários estrangeiros entraram pela Turquia para se incorporarem ao EI e à Frente al-Nusra, braço armado da al-Qaeda, na Síria. Tudo isso com o beneplácito do governo de Ankara. As monarquias do Golfo fazem grandes contribuições em dinheiro para cobrir os gastos de guerra destes grupos criminosos e da campanha suja no terreno político, que visa deslegitimar o governo de Bashar Al Assad. Se você analisar minuciosamente, perceberá imediatamente que é todo um plano internacional muito bem concebido para tentar submeter a vontade e a soberania dos sírios.

– Você conhece o posicionamento do governo sobre o que acontece no norte do país, onde uma guerrilha vinculada ao PKK controla a zona e combate o EI?

– As milícias curdas que operam no norte da Síria não estão ligadas ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), cujas milícias armadas se identificam com as siglas HPG e possuem forte presença no sul da Turquia e algumas zonas do Iraque. Na Síria, funcionam as milícias curdas conhecidas como Unidades de Proteção do Povo (YPG), integradas por populares sírios-curdos que enfrentam os grupos jihadistas que operam em seus territórios, principalmente no norte da província de Alepo e na oriental província de Hasaka. Apesar das diferenças políticas entre os curdos e o governo de Damasco, hoje o país está em estado de guerra e estas milícias contribuem para libertá-lo de terroristas.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/08/06/desde-turquia-han-entrado-miles-de-mercenarios-extranjeros-a-siria/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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