“O poder na Venezuela continua sendo ostentado pelos setores da burguesia”
“O aumento da gasolina é tardio, nos alarma que o cupom de alimentação seja maior que o salário mínimo e a nova taxa flutuante possa fortalecer o mercado paralelo”
“O PCV é o único partido que legitimamente representa os interesses do povo trabalhador”
Os comunistas venezuelanos não são nem chavistas nem maduristas, ainda que digam respeitar e trabalhar bem com uns e outros. Proclamam-se marxistas-leninistas e não aceitam outros sobrenomes.
Carlos Aquino, membro do Birô Político do Partido Comunista da Venezuela (PCV) e Diretor do jornal Tribuna Popular, afirma que em nosso país o poder continua sendo ostentado por setores da burguesia. No entanto, considera que os governos chavistas golpearam os preconceitos com a palavra socialismo.
Ainda que as considerem tardias, apoiam as medidas ditadas pelo Presidente Nicolás Maduro para enfrentar o que eles não vacilam em reconhecer como uma grave crise econômica.
– Quanto da atual crise é produto da chamada guerra econômica e quanto da ineficácia do Governo?
– Em primeiro lugar, reconhecemos que existe efetivamente uma grave crise econômica que está determinada pelo modelo de acumulação rentista do capitalismo venezuelano. Com agressão ou não do imperialismo, com ineficiência ou não do Governo, este modelo de acumulação necessariamente tem que passar por crises cíclicas. Porém, efetivamente, ao longo destes 17 anos, se puderam e deveram aplicar medidas para sair desse modelo de acumulação e, dessa maneira, evitar a crise atual.
– Os comunistas apoiam o pacote de medidas ditadas pelo Presidente Nicolás Maduro?
– Nós não as denominamos “pacote” pela conotação histórica que tem na Venezuela, porém apoiamos muitas das medidas, ainda que digamos que foram tomadas tardiamente. O aumento do preço da gasolina reduzindo o subsídio é tardio. Do aumento de salário nos alarma que o cupom de alimentação seja superior ao salário mínimo e, por isso, não fornece os benefícios e assistências trabalhistas. E quanto à modificação das taxas de câmbio, assinalamos que da chamada taxa protegida se beneficiou fundamentalmente a burguesia importadora. A nova taxa flutuante, na ausência de oferta suficiente de divisas, pode conduzir ao fortalecimento do mercado paralelo.
– Onde ficou a consigna comunista “congelamento de preços, aumento de salários”?
– O PCV continua exigindo o controle dos preços, porém, também, que o Governo o faça cumprir. Enquanto isso, reivindicamos um aumento geral escalonado de soldos e salários.
– Os comunistas se sentem tão maduristas quanto chavistas?
– Nós respeitamos e trabalhamos bem com os chavistas e com os maduristas, porém nossa ideologia é marxista-leninista, não existem outros sobrenomes. E nosso objetivo de sociedade é o comunismo.
– Enquanto PCV, como veem as propostas de renúncia, revogação ou corte do mandato de Nicolás Maduro?
– Essas propostas surgem dos setores de direita que querem retomar os privilégios dos quais foram removidos ao longo das últimas três décadas. A solução revolucionária à crise é o aprofundamento do processo de mudanças e uma nova correlação de forças populares-revolucionárias.
– Apoiariam a convocatória de um governo de unidade nacional para superar a crise?
– Encabeçado pela direita, os monopólios e as transnacionais, não. Encabeçado pela classe operária e pelo povo trabalhador, claro que sim.
– Existe demasiado dogmatismo, sectarismo e ultra-esquerdismo no Governo?
– Existiram momentos nos quais estes desvios prevaleceram e que não facilitaram os processos de unidade coletiva e orgânica das forças que impulsionaram esta experiência. Devem ser abertos espaços críticos e autocríticos para dirimir estas diferenças e avançar realimente em uma frente anti-imperialista e um sólido bloco revolucionário.
– Com o chavismo no poder estivemos próximos ou distantes do socialismo?
– Em nossa opinião, o poder na Venezuela continua sendo ostentado por setores da burguesia, porém com os governos chavistas se golpeou o preconceito com a palavra socialismo, ainda que nos tenha faltado, especialmente ao PCV, poder encher essa palavra de conteúdo revolucionário.
– O fracasso do chavismo no governo também o seria do socialismo e do comunismo?
– Não. O que fracassou na Venezuela foi o modelo de acumulação capitalista rentista. O socialismo continua sendo o objetivo e a esperança do povo venezuelano.
– A que atribui o forte retrocesso eleitoral de seu partido, que baixou de 283 mil votos em 2013 para 115 mil votos em 2015?
– Ao fato de não termos conseguido que amplos setores populares nos diferenciassem suficientemente do único partido que está no Governo, ou seja, do Partido Socialista Unido da Venezuela, apesar do PCV ser o único partido que legitimamente representa os interesses do povo trabalhador.
– Estão prestes a recolher as assinaturas para legalizar novamente o partido?
– Temos a estrutura para isso e muito mais, porém não iniciamos esse trâmite.
– A quantos candidatos a governadores aspiram na aliança com os partidos do Polo Patriótico?
– A primeira coisa que aspiramos é que se abram espaços de debate e articulação nas forças políticas e sociais que impulsionaram o processo de mudança para analisar criticamente as gestões dos governadores atuais, para determinar o que é preciso fortalecer, o que é preciso corrigir e, a partir daí, definir com quais candidatos o faríamos. Não é política do PCV pressionar publicamente em favor de nossas aspirações partidárias.
– Os comunistas estão preparados para voltar à oposição?
– Durante quase todos os seus 85 anos de vida, o PCV viveu na oposição e nos dias de hoje, todavia, não somos governo. Temos a estrutura, a capacidade e a consciência de passar a uma ofensiva que nos permita alcançar o objetivo de exercer o poder. No caso de a direita retornar ao governo, nós assumiremos nosso papel em uma oposição revolucionária.
– Na chamada IV República, os comunistas obtiveram vitórias jurídicas na Corte Suprema de Justiça, a mesma que junto ao antigo Congresso destituiu o presidente Carlos Andrés Pérez. É correto que o atual TSJ seja parcial com relação ao Poder Executivo?
– Nunca existiu total independência dos poderes do Estado. Sempre existiram níveis de influência uns sobre os outros. Porém, é fundamental que instituições como o TSJ atuem sempre em consonância à Constituição e ao marco legal vigente, além de cuidar das formas democráticas.
– Como o PCV justifica a existência de presos políticos na Venezuela?
– Em nossa opinião, hoje não existem presos políticos. O uso desse termo é uma desculpa propagandística para combater o processo de mudança na Venezuela.
– O que significa para os comunistas venezuelanos a esperada presença de Barack Obama em Cuba?
– Um passo mais na concretização da histórica política da revolução cubana de manter relações de respeito e de igualdade com todos os governos do planeta, e um reconhecimento mais do governo dos Estados Unidos de que sua política isolacionista fracassou.
– Os comunistas venezuelanos se sentem identificados com a pré-candidatura de Bernie Sanders nos Estados Unidos?
– Identificados não, mas está em desenvolvimento um processo pré-eleitoral nos Estados Unidos muito interessante, no qual se abrem possibilidades para projetos mais avançados dos que vinham sendo hegemônicos. Porém, a mudança nos Estados Unidos não é de um homem ou de uma mulher, mas tem que ser uma mudança na sociedade.
Quem é quem
Carlos Aquino nasceu em Maracaibo, estado de Zulia, em 18 de junho de 1974.
Desde seus tempos de estudante, dedicou-se ao exercício da política que o afastou por anos das aulas universitárias. Em 2004, quando se graduou arquiteto pela Universidade de Zulia, continuou dedicado em tempo integral à atividade político-partidária. Foi Secretário Político Regional da Juventude Comunista em Zulia e, depois, Secretário Geral Nacional.
Atualmente, é membro do Birô Político do PCV e Diretor do periódico Tribuna Popular.
Mario Villegas
@mario_villegas
Foto: Abraham De Barros
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)