Cuba: Dúvidas e certezas de uma visita
Por Enrique Ubieta Gómez / Resumen Latinoamericano / Granma / 22 de março de 2016 – Nosso Presidente propôs ao Governo dos Estados Unidos uma convivência civilizada que aceite e respeite as diferenças.
Que alguém nos lembre, por favor. Passaram 57 anos e eu acabava de nascer. O Presidente Obama não tinha nascido. Qual foi o ponto de ruptura de Cuba e os Estados Unidos? Por que apenas um ano depois de iniciada a Revolução, em dezembro de 1960, o Governo estadunidense suprimia a cota açucareira que anualmente reservava ao principal produto cubano de exportação? Por acaso porque violavam os direitos humanos? Não acredito. A Revolução derrubou uma ditadura que os violava impunemente, que assassinava os jovens nas ruas. Aquele exército assassino e corrupto combatia os insurgentes nas montanhas orientais, com armas estadunidenses.
Por que, se não tinham rompido com Batista, rompiam com o recém estreado governo revolucionário? Ah, a doutrina imperial de segurança nacional: o país não termina onde termina, se estende até as torres de petróleo do Oriente Médio ou da Venezuela, até qualquer lugar onde operem ou pretendam operar as transnacionais. Impôs-se o bloqueio econômico, comercial e financeiro a uma semicolônia que se insubordinava; algo que, certamente, afetava seus interesses econômicos transnacionais.
Nosso Presidente propôs ao Governo dos Estados Unidos uma convivência civilizada que aceite e respeite as diferenças. Porém, quando o Presidente Obama fala que o bloqueio não produziu os resultados esperados e que decidiu, por isso, mudar de estratégia (não de finalidade!), eu duvido. Será possível? Querem, de verdade? Não será que o multipartidarismo que exigem e o desenvolvimento da propriedade privada que desejam se associa não à Carta dos Direitos Humanos, mas ao Decálogo de uma sonhada reconquista econômica e política?
Creio que a visita de Obama é um passo positivo. É um homem carismático. Com seu sorriso e sua inteligência natural, conquista corações. Nós, quero dizer, os cubanos das últimas décadas, conhecemos outro tipo de líder. O candidato a um cargo político naquela sociedade deve ser um produto desejável, com potencial consumidor: deve saber rir com os humoristas de turno, e se possível, até dançar. Os eleitores-consumistas o terão em conta – supõe-se – se for simpático, e parece certo que sim. Seu programa de governo recolherá dois ou três tópicos de grande demanda para o setor que representa e manterá a ordem estabelecida. Eu agradeço que venha e que tente capturar meus sentimentos.
Porem, os cubanos estudaram e isso serve de algo: as medidas que tomaram para desestruturar o bloqueio, sempre que possível, contornam a colaboração com o Estado, que é por certo quem assegura a saúde e a educação gratuita de todos os cubanos, e a segurança social de crianças, idosos e enfermos. Seu propósito, insisto nisso, é estimular o êxito dos chamados “empreendedores”, os pequenos e médios proprietários. Crê que eles abrirão o caminho para o capitalismo cubano. O capitalismo cubano, desde logo, não seria cubano. E aqui está a bola escondida; porque se as transnacionais regressam e se apoderam do país como antes, os pequenos e médios proprietários seriam varridos. Resulta que, paradoxalmente, os comerciantes cubanos serão exitosos enquanto viverem em uma sociedade socialista.
Apesar destas reflexões incômodas, me senti satisfeito quando disse: “o destino de Cuba não será decidido nem pelos Estados Unidos nem por outra nação. O futuro de Cuba – que é soberana e tem todo o direito de ter o orgulho que possui – será decidido pelos cubanos e por ninguém mais”.
Entenderá o que para nós significa, em termos de soberania nacional, que ocupem ilegalmente por mais de cem anos parte de nosso território em Guantánamo?
Se a ideia é que nossos povos se encontrem e compartilhem com liberdade seus critérios, aceitamos o caminho. Nós também temos coisas a contribuir e opiniões a defender. Não é gratuito o interesse mútuo para desenvolver investigações médicas conjuntas, e para colaborar no controle de epidemias que afetam por igual a todos os povos do mundo, como as do cólera no Haiti, o ebola na África ou o zika, mais recentemente. Então, não entendo por que Obama, que elogia a atitude de Cuba na África, mantém o programa que estimula a deserção dos médicos e enfermeiros que colaboram em outras nações.
A lógica da convivência civilizada conduz à eliminação incondicional do bloqueio. E descarta frases como esta: “existe maior interesse no Congresso para eliminar o embargo. Como disse anteriormente, a rapidez com que isso acontece, em parte vai depender de podermos resolver certas diferenças sobre assuntos relacionados aos direitos humanos”. A não aceitação do sistema político cubano, digamos de uma vez, nada tem a ver com princípios ou convicções humanistas, mas com interesses econômicos imperialistas.
Fidel e Raúl – tanto quanto Camilo e Che, entre outros – conquistaram o coração dos cubanos em 1959, não por um estudado carisma eleitoreiro, mas porque primeiro puseram em jogo o seu próprio, porque mais que com palavras – e não se pode dizer que falaram pouco – falaram com fatos. É o tipo de líder ao qual se acostumaram os cubanos. Obama não pode resistir à tentação de ser fotografado com a silhueta de Che às suas costas. Ele nada tem em relação com sua morte, é claro, porém é o Presidente do império que a decretou. Tentava apoderar-se do símbolo ou só levava para casa um souvenir? A apropriação e a manipulação dos símbolos poderia ser tema de outro artigo.
Que aceitem nosso socialismo pacífico não é um grave problema, Cuba não é uma ameaça para os Estados Unidos. Porém, se o imperialismo não se contém, por natureza, em suas fronteiras, o que fazemos? Esta visita já é histórica. Há 88 anos que não vinha um Presidente desse país. Antes de 1959, a colônia era administrada por meio da Embaixada. A ponte de confiança deve ser construída por ambas as partes.
Fonte original: http://www.granma.cu/cuba/2016-03-22/dudas-y-certezas-de-una-visita-22-03-2016-03-03-12
Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2016/03/22/cuba-dudas-y-certezas-de-una-visita/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)