A greve geral: os enquadramentos e a aula de (não) jornalismo

imagemRoberto Bitencourt da Silva

Observando o desespero demonstrado nas expressões faciais dos repórteres de campo, assim como o desconforto manifestado por analistas nos estúdios televisivos dos grandes meios de comunicação, sobretudo das Organizações Globo, pode-se afirmar que a greve geral alcançou extraordinário êxito.

Teve a feliz capacidade de repercutir e expressar as reivindicações, os protestos, as angústias e os pontos de vista de milhões de trabalhadores brasileiros. Mesmo que demasiadamente a contragosto, a grande mídia se vê forçada a noticiar a força mobilizatória do mundo do trabalho.

As narrativas e abordagens, como habitualmente ocorre naquilo que importa aos interesses populares, tenderam a demonizar os manifestantes e os grevistas. As suas vozes, praticamente silenciadas, significativamente desconsideradas pelo noticiário. Aos trabalhadores grevistas e manifestantes não é conferida qualquer legitimidade para falar.​

Vandalismo, baderna, restrição do direito de ir e vir, desrespeito com o espaço público, caos no país, eis alguns contornos sublinhados pelo pseudojornalismo televisivo. Uma aula prática de conservadorismo e unilateralidade do noticiário, assim como do significado simbólico dos enquadramentos. Senão, vejamos.

Segundo estudiosos da imprensa, o enquadramento das notícias representa um dos fatores mais relevantes para a análise sobre o perfil da informação veiculada. Ele expressa a forma de organizar o pensamento, isto é, compreende não apenas o que se noticia, como também o modo pelo qual são lançadas as luzes sobre um determinado assunto.

Os enquadramentos jornalísticos são os “ângulos que permitem ordenar e interpretar os fatos registrados”, conforme Maxwell McCombs, buscando afetar o modo de recepção, de interpretação do espectador/leitor. Eles também denotam o propósito de moldar as maneiras de “regular as disposições afetivas e éticas” do público, de acordo com Judith Butler.

Ideias, valores, interesses corporativos e de classe, formas de enxergar a vida e a sociedade, são nuances importantes que atravessam um enquadramento noticioso, incidindo na seleção e edição de imagens, no padrão dos relatos e nas vozes privilegiadas em torno dos acontecimentos.

Até aqui, convenhamos, nossas observações refletem razoável grau de subjetividade e de abstração. Nem sempre é possível observar e registrar de maneira tangível esse fenômeno jornalístico. Todavia, nesta sexta-feira foi fácil, demasiadamente fácil.

Tomando como referência especialmente o noticiário da Globo News, para além das palavras e narrativas, os ângulos priorizados para a edição das matérias ficavam evidentes nas imagens que tenderam a predominar: ou os repórteres faziam a cobertura ao lado e logo atrás das forças policiais, ou o faziam à distância, do alto dos prédios.

Tradução física material, do lugar de escolha da cobertura noticiosa da Globo: o ponto de vista, o ângulo da polícia, ou à grande distância, em função da frágil credibilidade perante o público dos manifestantes grevistas.

Sem qualquer menção prévia do noticiário dos meios massivos de comunicação, a greve alcançou inúmeras categorias de trabalhadores, demonstrando a força, mesmo silenciosa, que as classes populares e medianas possuem.

À revelia da Globo e de demais grandes veículos reacionários, que terão o desprazer de constatar que importantes frações do Povo Brasileiro têm capacidade de ação, escolha e pensamento independentes das suas abordagens e enquadramentos diários.

Esse 28 de abril será o primeiro grande passo para a reversão do lastimável estado de coisas imperantes no País, em que pesem os bombardeios simbólicos de um jornalismo acobertado e que procura se “proteger” à sombra do bombardeio físico e arbitrário das forças policiais a soldo do grande capital.

Ilustração: Em São Paulo, manifestação no final da tarde reuniu 70 mil. Foto: Ricardo Stuckert

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

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