Saúde aos pedaços

imagemElaine Tavares

Diário Liberdade

O desmonte sistemático da máquina pública e o sucateamento dos serviços públicos, única via de acesso da maioria da população para a saúde, educação, moradia e segurança, voltou a colocar o Brasil no mapa da fome e da morte por doenças que já deveriam ter sido erradicadas. O Ministério da Saúde, órgão oficial do governo, divulgou que o índice de mortalidade infantil cresceu em 2016 pela primeira vez em 26 anos e que deve aumentar. As taxas que vinham sofrendo quedas desde 1990, agora voltaram a subir. Em 2016 foram 36.350 mortes de crianças antes de completarem um ano de vida.

Para o governo as causas são externas a ele. Segundo o ministério o aumento das mortes se deve ao surto de zika vírus, que provocou nascimentos de crianças com má-formação congênita e também a pobreza, que faz com que aumente o número de crianças com doenças do tipo diarreia e pneumonia, comuns nos espaços insalubres e famintos.  As regiões do Centro-Oeste, Norte e Nordeste são as que apresentam taxas mais altas desse tipo de enfermidade.

Entidades que trabalham com saúde, como a Fundação Abrinq, denunciam que a elevação desses números se deve ao corte de verbas de programas que eram fundamentais para garantir a saúde das crianças: o Bolsa Família e o Bolsa Cegonha. O primeiro deles, o Bolsa Família foi lançado em 2003 pelo governo Lula, e garante uma renda mínima à famílias que vivem na extrema pobreza. Esse benefício começou a sofrer cortes já em 2013 e desde aí vem caindo, diminuindo a cada dia o número de famílias beneficiadas. Atualmente atende 14 milhões de famílias com um orçamento de 27 bilhões, que representa apenas 0,5% do PIB. Um valor extremamente baixo, apesar de garantir a saída da miséria absoluta a milhares de pessoas. Esse ano o governo cortou 1,7 bilhão do programa.

Já o Bolsa Cegonha foi criado em 2012 pela presidenta Dilma, garantindo 50 reais às gestantes para uso em deslocamentos para exames de pré-natal e parto. Um valor irrisório, mas que podia significar a diferença entre a vida e a morte. Cerca de nove bilhões eram destinados ao programa, mas esse valor vem diminuindo consideravelmente, deixando muitas mães de fora desse benefício.

A gerente executiva da Fundação Abrinq, Denise Cesario, disse, em entrevista a um jornal de São Paulo, que o governo não tem reajustado os valores, que já perdem para a inflação, e que a crise econômica, aliada ao desemprego estrutural e crescente, é causa fundamental para a mortalidade de crianças.

Não bastassem os cortes nos programas já consolidados, o governo federal também conseguiu aprovar a proposta de congelamento dos investimentos públicos por 20 anos. Isso acaba repercutindo na saúde também. Sem investimento nos serviços básicos de prevenção como saneamento, água tratada e limpeza, o impacto negativo na saúde é imediato. Setores de prevenção de doenças das vigilâncias epidemiológicas foram destruídos e mesmo com os surtos de dengue, zika e chikungunya, o trabalho de vigilância diminuiu.

No ano passado a febre amarela também voltou a assombrar o Brasil, doença que já estava praticamente erradicada. Segundo pesquisadores da Fiocruz, esse espantoso ressurgimento, que já vinha apresentando casos desde 2001, na região Centro-Oeste, se deve ao processo de destruição ambiental. Com o desmatamento sistemático ou desastres ambientais pontuais, a doença reaparece. Mas, desde 2010 não tinham sido registrados casos em humanos. Em 2017 o surto se deu na região do desastre provocado pela empresa Samarco (rompimento da barragem de resíduos tóxicos), que simplesmente culminou com a morte de um rio inteiro. E foi justamente em Minas Gerais, na região da bacia do rio Doce, que aconteceu o maior número de mortes por febre amarela: 32 das 99 registradas.

O sarampo, que era uma doença infantil erradicada desde 2016, voltou a apresentar casos no Brasil, inclusive com características de surto. Até o mês de maio já tinham sido comunicados 995 casos, a maioria na região norte.

E o mais aterrador: a poliomielite, erradicada desde 1994, também voltou, sendo que o Ministério da Saúde apontou alerta em pelo menos 312 cidades brasileiras. O governo alega que as doenças voltaram porque houve queda na vacinação. Muitas famílias deixam de vacinar os filhos, algumas delas inclusive, movidas por questões religiosas que apontam as vacinas como “coisas do diabo”.

O processo de privatização dos serviços públicos,  a sistemática destruição ambiental promovida pelo agronegócio, a diminuição crescente dos recursos para saúde, educação e políticas sociais, aliadas ao empobrecimento da maioria da população, que é quem acaba pagando a conta do modelo de desenvolvimento definido pelo governo,  completam o dramático quadro  social.

E, ainda que estejamos num ano de eleições presidenciais, muito pouco tem sido debatida, pelos partidos e pelas lideranças políticas, a grave situação da saúde do povo brasileiro. Nos meios de comunicação as notícias aparecem como casos isolados, desconectadas do todo. E as lutas que são travadas pelos trabalhadores públicos da saúde, muitas vezes heroicas e solitárias, também não são levadas em consideração pelos demais trabalhadores, que acabam acreditando na ideologia vomitada pela televisão e pelos jornais, de que são apenas reivindicações singulares e corporativas. Pelo contrário, as batalhas contra a privatização dos serviços, contra a gestão das organizações sociais, e o desmantelamento dos setores públicos, são lutas que deveriam interessar e envolver a toda gente.  Principalmente àquelas pessoas que dependem dos serviços públicos para garantir um mínimo de vida.

É mais do que chegada a hora de os sindicatos, centrais de trabalhadores e movimentos sociais encontrarem as pontas soltas dos grandes problemas nacionais e atuarem no sentido de informar, formar e organizar as lutas necessárias à maioria da população. É o povo em luta que avança e muda a vida.

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