Trabalho em saúde e luta sindical
Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia
Por Rômulo Caires
Sou camelô, sou do mercado informal
Com minha guia sou profissional
(Edson Gomes)
Hoje em dia tornou-se lugar comum no campo progressista afirmar que a luta sindical está ultrapassada. Seja porque a classe trabalhadora brasileira e baiana se ocuparia majoritariamente de trabalhos informais, sem representação sindical, seja porque as transformações ocorridas nas últimas décadas supostamente modificou tão intensamente o mundo do trabalho e as relações sociais, que a instituição sindical perdeu a sua razão de ser.
Uma rápida olhada nos noticiários deveria no mínimo questionar tais formulações: trabalhadores de aplicativos se organizando em greves, trabalhadoras da enfermagem paralisando suas atividades em prol da efetivação do piso salarial, metroviários cruzando os braços por seus direitos, os exemplos poderiam se estender muito mais. Neste escrito defenderemos a atualidade da luta sindical, questionando o senso comum estabelecido sobre o tema. Partiremos da análise do trabalho em saúde e indicaremos o potencial organizativo do setor como uma das vias de reoxigenar a luta sindical em nossos tempos.
Ao adentrarmos na história da formação da classe trabalhadora no Brasil um dos aspectos que salta aos olhos é que desde o período colonial boa parte do “trabalho livre” era feito por pessoas sem qualquer vínculo empregatício formal. Aqueles que vivem de “bicos” ou de comércio no mercado informal não surgiram apenas no século XXI, mas tal situação atravessou a formação social brasileira ao longo de sua história. Se observarmos a história do Brasil no século XX notaremos que as múltiplas lutas sindicais que foram construídas não dependeram necessariamente do vínculo de emprego formal e isso não impediu que a classe trabalhadora organizada efetivasse vitórias no campo sindical.
A luta sindical não delimita um espaço homogêneo, mas constitui formas variadas que a classe trabalhadora encontrou para se defender das imposições cegas do capital. Por si só o movimento sindical não tem aspecto revolucionário e muitas vezes apenas reproduz um tipo de consciência que poderíamos chamar de “economicista”, ou seja, que não é capaz de enxergar para além das condições econômicas mais imediatas. E por que ainda sim a luta sindical é importante para nós, comunistas?
A partir da análise do trabalho em saúde podemos iniciar uma resposta para tal questão. Como um primeiro aspecto é importante observarmos que a luta sindical é uma das vias de politização da economia. Sendo a economia a produção material da vida social, e sendo o modo de produção capitalista fundamentado em uma economia refratária aos desígnios humanos, ou seja, estruturada apenas para reproduzir o lucro, sua continuação ocorre independente do sofrimento e da destruição das forças vitais da classe trabalhadora.
Assim, o capital se reproduz naturalizando a ordem social, transformando condições históricas em condições eternas. A politização da economia significa a possibilidade de questionar essas formas de naturalização e perenização do capital. A partir da organização da classe trabalhadora em instrumentos próprios de luta e independentes do capital é possível transformar a realidade dada, encontrar as tendências inscritas no tecido social que apontem para um modo de vida alternativo.
Percebam que com essas definições não apontamos para este ou aquele sindicato em particular, que sim podem estar tomados por pelegos e burocratas, mas indicamos uma forma imediata de defesa presente na própria sociedade capitalista, que tem potencial de criar rachaduras nos consensos e avançar para formas mais complexas de organização como um partido revolucionário. Nesse sentido, chamamos de luta sindical aquela que organiza trabalhadores de um determinado setor com o intuito inicial de se defender da exploração capitalista, mas que pode avançar na produção de germens de uma consciência revolucionária.
Em texto anterior abordamos a importância do complexo da saúde nas formas contemporâneas de acumulação de capital e a necessidade de organizar este setor para uma autêntica ofensiva da classe trabalhadora como um todo. Não retomaremos os detalhes da argumentação feita ali. Gostaríamos apenas de ressaltar que a organização sindical do trabalho em saúde pode ser um momento fundamental dessa ofensiva. A maioria dos sindicatos em saúde são sindicatos de categorias como médicos, psicólogos, enfermeiras etc. Há também alguns sindicatos mais gerais como “sindicatos de trabalhadores da saúde”, que integram múltiplas categorias.
Os sindicatos de categorias padecem do risco sempre presente de corporativismo. A categoria médica é uma das mais afetadas por esse tipo de perspectiva. Porém, ainda sim é importante ressaltar que nas últimas décadas há uma tendência crescente de aumento da sindicalização entre os médicos e iniciativas classistas podem tensionar o corporativismo em direção a propostas de integração sindical com outras áreas da saúde.
O trabalho deve ser focado principalmente entre trabalhadores do sistema privado, cada vez mais precarizados a partir de terceirizações e privatizações operadas por Organizações Sociais de Saúde. A partir da crítica das formas atuais de exploração é possível abrir vias para questionamentos mais amplos, que possam inclusive compreender as relações entre SUS e capitalismo no Brasil ou a centralidade negativa da categoria médica em relação às outras áreas.
Apesar de ainda ser uma categoria muito ligada ao “trabalho liberal”, a psicologia também possui potencial sindical e iniciativas do tipo tem crescido no país. Os psicólogos também caem nos equívocos corporativistas, mas os seus campos de atuação abrem a perspectiva de questionar a relação entre sofrimento psíquico e sociedade capitalista, além de possibilitar ações conjuntas com as outras categorias da saúde.
O maior potencial ao nosso ver está na categoria da enfermagem. Além de possuírem salários inferiores à outras categorias, de vivenciarem jornadas extenuantes de trabalho, de reproduzirem os mecanismos de dominação de gênero (a inferiorização da mulher na sociedade patriarcal conduz a naturalizações de posições como o lugar do cuidado), a categoria da enfermagem tem sido cada vez mais atuante na conjuntura atual. O enorme contingente de trabalhadoras da enfermagem, sua importância no sistema privado de saúde, a superexploração de sua força de trabalho etc., são motivos que impulsionam as enfermeiras à luta, como observamos nas jornadas a favor da efetivação do piso salarial nacional.
Pela importância do complexo da saúde na sociedade, pelo grande contingente de trabalhadores, pelos regimes de trabalho cada vez mais precários, enfim pelo potencial organizativo do setor saúde como um todo, devemos nos inserir cada vez mais nessas lutas, aumentar nossa incidência nos sindicatos, agitar propostas classistas, propagandear formulações que possibilitem a politização das lutas econômicas no sentido de fazer da classe trabalhadora da saúde um momento importante da construção da vanguarda revolucionária.