Caos na saúde de Campo Grande (MS)

NOTA DO COMITÊ REGIONAL DO PCB EM MATO GROSSO DO SUL SOBRE A CRISE NA SAÚDE PÚBLICA DE CAMPO GRANDE

Em defesa dos trabalhadores e das trabalhadoras do SUS de Campo Grande, uni-vos!

Adriane Lopes busca fortalecer as elites com sua política de precarização e morte. A saída? A organização da classe trabalhadora!

No Centro-Oeste, entre as famosas terras pantaneiras e o vasto cerrado, existe uma cidade peculiar. Aos viajantes desavisados, não deixem a “cara de interior” confundir: Campo Grande é a capital de Mato Grosso do Sul. Talvez pela baixa densidade habitacional (cerca de 111 habitantes por km², em contraste com os quase 5000 habitantes por km² de São Paulo), pela escassez de grandes prédios (tão comuns nas “cidades grandes”) ou pelo ritmo pacato que dita a rotina do campo-grandense, a cidade hoje governada pela prefeita Adriane Lopes (PP) é tida como um lugar tranquilo e interiorano. Entretanto, por baixo dessa maquiagem, a autoproclamada “Capital do Agro” grita sua “capitalidade”: Campo Grande é mais um centro estruturado de dominação política das elites – agrárias, empresariais e fundamentalistas – contra o povo trabalhador.

Nos últimos anos – e, mais especificamente, nos últimos meses – a Cidade Morena têm sido palco de uma cruel tragédia a qual nem gregos, tampouco Shakespeare seriam capazes de escrever. Trata-se de uma composição vil que, diária e exponencialmente, adoece e mata o povo trabalhador campo-grandense. Desde os acidentes causados pelas crateras nos asfaltos; passando pela deplorável situação do transporte público, cada vez mais caro e decadente, e pelo desfinanciamento da cultura; chegando, enfim, ao desmonte completo da saúde pública, a gestão de Adriane Lopes tem um objetivo: fortalecer as elites, às custas de sangue e suor da população.

QUEM É ADRIANE LOPES?

Atual prefeita de Campo Grande, Adriane (PP) entrou para o cenário da política campo-grandense ao disputar e vencer as eleições municipais de 2016 como vice-prefeita de Marcos Trad (PSD), assumindo a prefeitura a partir de 2022 após a saída de Trad para disputar o governo do estado. Sem nenhum percurso político prévio digno de nota, Adriane é casada com o deputado estadual Lídio Lopes; em 2016, Lídio era presidente regional do Partido Patriotas e a candidatura de Adriane, escondida na justificativa de uma “formação técnica em gestão”, se deu como mais uma articulação de poder entre os partidos de direita. Além disso, a então candidata a vice-prefeita também ocupava uma posição estratégica para ganho de votos – em entrevista ao Campo Grande News em 2016, Antônio Lacerda, à época presidente estadual do PSD, destacou que “Adriane realiza projetos sociais e faz parte da comunidade evangélica”.

Assim sendo, não é surpresa que, após sua reeleição em 2025, a atual prefeita tenha empregado em diferentes setores pelo menos 10 pastores da igreja que frequenta junto a seu esposo (a Assembleia de Deus Missões – ADM). Há salários que alcançam mais de R$ 12 mil, como nos casos de Emerson Irala de Souza, superintendente de Gestão Administrativa, e Ciro Vieira Ferreira, diretor da AGETRAN. De forma similar, Adriane também privilegia familiares: sua co-cunhada, Thelma Nogueira Lopes, foi presenteada com a chefia da Casa Civil e com um salário de mais de R$ 37.000.

Bolsonarista assumida, a prefeita também é responsável por nomear as digital influencers fascistas e “anti-feministas” Viviane Tobias e Juliana Gaioso, respectivamente para as Secretarias da Mulher e da Casa Civil. Cabe reforçar o óbvio: nenhuma das duas possui qualquer formação técnica adequada para ocupar seus respectivos cargos, ainda assim, mensalmente recebem verba pública em seus salários – no caso de Juliana, a remuneração bruta atinge R$ 12.118. E, para além de fundamentalistas religiosos, familiares, pastores de sua própria igreja e agitadoras bolsonaristas, Adriane também possui ligações importantes com o setor empresarial. A exemplo, sua vice, Camila Nascimento, é filiada ao Avante, mesmo partido ao qual pertence o empresário mineiro Raphael Eduardo de Melo e Silva. Raphael é dono da empresa Objetiva Projetos e Serviços, que compõe o Consórcio Pantanal Engenharia, cujo contrato com a prefeitura ganhou 25% de reajuste aumentando o repasse em R$ 3.1 milhões.

Não poderia ser mais caricato: a capital de Mato Grosso do Sul é dominada por uma coalizão de fundamentalistas religiosos, ruralistas, neofascistas e empresários. Diante disso, fica claro que a gestão Adriane Lopes defende muitos interesses, e nenhum deles corresponde aos nossos, aos interesses da classe trabalhadora e do povo de Campo Grande. Adriane Lopes usa a estrutura e os recursos públicos da Prefeitura Municipal a favor das elites e contra a população.

O COLAPSO DA SAÚDE PÚBLICA

Como descrito inicialmente, os últimos anos e meses têm evidenciado e agravado cada vez mais um cenário de completo caos na saúde pública. É recorrente a falta de medicações, exames e insumos, colocando em risco tanto pessoas usuárias quanto trabalhadoras do Sistema Único de Saúde. A demora no atendimento pré-hospitalar de emergência pelo SAMU, somada à superlotação das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e dos hospitais, leva a filas de pessoas aguardando por leitos, cirurgias e exames – muitas das quais, infelizmente, morrem antes de conseguir o atendimento de que necessitavam. O Coletivo de Mães Atípicas também denunciou recentemente a falta de itens básicos como fralda e alimentação para crianças com deficiência, culminando em um processo de adoecimento acentuado dessas famílias.

Enquanto a população geral sofre com a escassez, a demora e o descaso, as pessoas trabalhadoras do SUS – enfermeiras, médicas, assistentes sociais, técnicas de enfermagem, técnicas-administrativas, etc. – adoecem prestando os serviços mesmo sem mínimas condições de trabalho. A falta de materiais básicos de biossegurança – como luvas, algodão, álcool, caixas de descarte para agulhas e seringas – implica diretamente em riscos à saúde desses trabalhadores e trabalhadoras; além disso, a baixa remuneração obriga muitos profissionais a realizar plantões adicionais para complementar sua renda, intensificando o desgaste físico e mental e, portanto, agravando seu adoecimento.

Há poucos meses, profissionais de uma unidade de saúde foram obrigados a seguir trabalhando e atendendo a população mesmo sem abastecimento de água na unidade, situação que durou cinco dias. Mais recentemente, foi publicado o Decreto nº 16.440, reduzindo pela metade os valores de produtividade e as bonificações de plantões eventuais em feriados, fins de semana e pontos facultativos, o que implica diretamente na redução da remuneração dos profissionais.

Sem remuneração adequada, sem segurança, sem condições de trabalho e, por vezes, agredidos pela mesma população que lutam para continuar atendendo, as pessoas trabalhadoras do SUS em Campo Grande padecem progressivamente. Mesmo entre médicos, categoria que outrora já se viu beneficiada e elitizada, a precarização trabalhista se impõe. Até hoje, a Secretaria de Saúde (SESAU) não paga adicional de insalubridade e, através de um esquema de contratos semestrais, não concede o direito a férias aos médicos convocados.

Não é exagero algum dizer: o povo campo-grandense está morrendo nas mãos das elites de Mato Grosso do Sul. E se engana quem pensa ser mera situação de “incompetência e má gestão”; o que está em curso é um plano cruel da gestão atual, já replicado em outras capitais, de sucateamento da saúde pública visando à terceirização, tirando o dinheiro público do SUS e entregando na mão de empresários. Essa tática tende a ser ativa e delicadamente planejada em parceria com esses empresários, buscando causar na população a impressão de que “a gestão pública não consegue administrar a saúde” e, assim, legitimar a terceirização e as “parcerias público-privadas” – a exemplo do que o governador Riedel pratica hoje com o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, HRMS.

Diversos perigos habitam aí, a exemplo: precarização das relações trabalhistas com pejotização forçada; lógica produtivista no trabalho em saúde; e perda total do controle social. Além disso, no percurso de sucateamento da saúde pública, passam a ser rotineiras, como se tornaram em Campo Grande, as cenas de escassez, superlotação e – o mais grave – de mortes evitáveis causadas por “questões estruturais” (falta de exames, medicamentos, vagas, etc.). Sabemos que a saúde é socialmente determinada e que, portanto, a maior parte da população totalmente dependente do SUS tem nítidos recortes de renda e raça; assim sendo, pode-se afirmar sem medo: o projeto neoliberal de desmonte do SUS é um plano de morte em massa da população negra, indígena e/ou pobre. As vidas de trabalhadores e trabalhadoras são vistas como recurso, como um custo a ser consumido para atingir o objetivo final – botar mais dinheiro e poder na mão das elites.

Se ainda resta alguma dúvida quanto aos interesses políticos e financeiros por trás da destruição da saúde pública, vale questionar: se o SUS fosse adequadamente financiado e gerido, oferecendo serviços de qualidade, quem estaria prejudicado – os empresários e donos de planos de saúde, ou a população? A quem interessa um SUS enfraquecido? Quem lucra com o adoecimento e a morte da classe trabalhadora?

O QUE FAZER?

Cabe, portanto, a nós, classe trabalhadora, seja enquanto usuários ou enquanto força de trabalho do SUS, nos unir e nos organizar para enfrentar o avanço do neoliberalismo encarnado na gestão de Adriane Lopes. Barrar a violência contra profissionais de saúde é um passo crucial e, para isso, vale sugerir a criação de espaços de organização e mobilização popular da classe trabalhadora que unam profissionais de saúde e pessoas usuárias do SUS, como os Fóruns de Saúde Popular, em que possamos juntos dialogar e traçar estratégias de luta. É importante
também reforçar que em 2026 devemos priorizar a eleição de candidaturas realmente comprometidas com o povo, que partilhem dos interesses da classe trabalhadora e tenham aptidão, estratégia e bravura para defender o SUS e enfrentar o fascismo e o neoliberalismo.

Finalmente, é urgente que as pessoas trabalhadoras voltem a ocupar e disputar o espaço dos sindicatos, combatendo o peleguismo e as práticas de submissão, retomando o caráter de luta trabalhista, de movimento popular, voltando a ocupar as assembleias e as ruas. Através disso, com apoio da população e com parcerias entre as diferentes categorias, pode-se estruturar melhor a iminente greve dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde pública, demonstrando à gestão fascista e neoliberal que não pouparemos esforços para lutar por nossos direitos e,
sobretudo, pelo direito de toda a população a uma saúde universal, integral, pública e de qualidade, como é estabelecido legalmente pela Constituição Federal e pela Lei nº 8.080/1990 que cria e rege o Sistema Único de Saúde.

Todo ataque ao SUS é um ataque ao povo! Em defesa da população, das pessoas trabalhadoras da saúde e do SUS, uni-vos!