Romper o preconceito e a invisibilidade: Povos Indígenas do Rio Grande do Norte

imagemA história dos Povos Indígenas em nosso país está marcada pela violência de vários tipos e dimensões, indo desde o genocídio até as recorrentes tentativas de aniquilar suas culturas e seus meios de sobrevivência, especialmente no que se relaciona às suas terras e os recursos naturais ali existentes. Apesar dessa vergonhosa história de nosso país, os Povos Indígenas resistem e mantêm a luta pela garantia de seus Territórios e direitos sociais.

Após alguns avanços conquistados na Constituinte de 1988, os Povos Indígenas veem os seus direitos serem ameaçados e mesmo retirados na atual quadra histórica. Não bastassem os diversos ataques do governo golpista de Temer contra a classe trabalhadora e que também afeta a esses Povos (PEC do fim do mundo, reforma do ensino médio e as reformas trabalhistas e da previdência, por exemplo), os indígenas sofrem diversos ataques institucionais que ameaçam o direito aos seus Territórios, como a PEC 215 e a Portaria 303 da AGU. Mais recentemente, o usurpador Temer aprovou o Decreto 9.010 que reduz drasticamente a estrutura da já defasada Fundação Nacional do Índio (FUNAI), cuja missão é promover e proteger os direitos sociais dos Povos Indígenas.

No estado do Rio Grande do Norte, esse quadro de violência é ainda mais intensificado, uma vez que é comum ouvirmos ainda hoje que não existem mais índios no estado. Trata-se de um grande absurdo, inserido em uma lógica de discriminação e preconceito contra os Povos Originários. Os Povos Indígenas do Rio Grande do Norte se organizam em oito comunidades pertencentes a três etnias: Potiguaras, Tapuias e Tapuias-Paiacús, com particularidades em seus hábitos, costumes, rituais e formas de organização social; bem como aspectos em comum, em especial a disposição para lutar pela garantia da plenitude dos seus direitos sociais.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) cerra fileiras com o movimento indígena, na perspectiva de romper o atual quadro de preconceito e invisibilidade e garantir a demarcação de todas as Terras Indígenas do estado. Estivemos juntos nas recentes manifestações e protestos do movimento indígena e seguiremos lutando, lado a lado. Pelo Poder Popular e pelo Socialismo!

Abaixo apresentamos a entrevista realizada com a liderança indígena Tayse Campos, da Aldeia Amarelão e representante do Fórum de Lideranças Indígenas do Rio Grande do Norte.

  1. Quem São os Povos Indígenas do Rio Grande do Norte? Como vivem as suas comunidades (modo de vida e sobrevivência)? Os povos indígenas do RN são de 03 etnias: Potiguara, Tapuia e Tapuia-Paiacú. As comunidades que estão organizadas no movimento indígena do RN (uma vez que existem outras comunidades no estado que se autoafirmam indígenas, mas que não participam do movimento indígena e não há reinvindicação dessas comunidades) são os Caboclos (município de Açu); Apodi; Serrote de São Bento, Amarelão e Assentamento Santa Terezinha (todas no município de João Câmara); Tapará (tem uma estrada que divide a comunidade, de um lado é o município de Macaíba e do outro o município de São Gonçalo do Amarante); Catu (a comunidade é dividida pelo rio Catu, de um lado do rio é o município de Goianinha e do outro lado é o município de Canguaretama) e Sagi/Trabanda (município de Baia Formosa). A comunidade Caboclos do Açu, de etnia potiguara, tem 36 famílias, 120 pessoas. Sobrevive da agricultura, pesca e caça, trabalham como “meeiros”, plantando e trabalhando na terra que pertence a fazendeiros e outros trabalham fora da comunidade. As condições de vida são precárias em todos os aspectos: saúde, educação, questões fundiárias, etc. Falta água potável, renda e trabalho, assim como posto médico e escola na comunidade, se utilizam de serviços de educação e saúde prestados na comunidade vizinha, distante 3 km. Apodi são 50 famílias indígenas, 120 pessoas, de etnia Tapuia-Paiacú. A maioria dessas famílias reside na sede do município de Apodi, pois perderam seu território de origem. A comunidade Amarelão tem 290 famílias, 1.100 pessoas. E a comunidade Serrote de São Bento tem 95 famílias, 300 pessoas. Ambas de etnia potiguara, do Povo Mendonça. As comunidades sobrevivem do beneficiamento da castanha de caju, sendo a principal atividade econômica, em quase todas as casas observa-se a família inteira trabalhando no beneficiamento da castanha. O Assentamento Santa Terezinha, de etnia potiguara, do Povo Mendonça tem 195 famílias, 740 pessoas. É resultado de uma luta conjunta com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras – MST -, na década de 1990, hoje as famílias indígenas reivindicam que a área, já demarcada pelo INCRA, passe para a responsabilidade da FUNAI. As famílias também sobrevivem do beneficiamento da castanha do caju. A comunidade Tapará, de etnia tapuia, tem 120 famílias. 400 pessoas. A comunidade sobrevive da agricultura e do extrativismo. A comunidade Catu, de etnia potiguara, tem 203 famílias, 746 pessoas. A comunidade sobrevive da agricultura e do extrativismo. Há problemas com as usinas de cana de açúcar que tomaram suas terras e provocam poluição nos rios e plantações (agricultura de subsistência). A comunidade Sagi/Trabanda, de etnia potiguara, tem 143 famílias, 562 pessoas. A comunidade sobrevive da pesca e da agricultura. Com relação a Demarcarão das terras, tem um GT de Demarcação da FUNAI no Sagi, desde 2014, mas ainda não finalizaram os trabalhos. Nas comunidades Amarelão, Tapará, Catu e Caboclos foram feitas a Qualificação de Reinvindicação de Demarcação das Terras, pela Diretoria de Proteção Territorial – DPT/FUNAI. Até o momento nenhuma terra indígena demarcada no RN.
  2. Como é o acesso dessas comunidades indígenas com as políticas públicas? São atendidas pelo poder público? E a FUNAI? As comunidades indígenas se organizam em movimento para se fortalecerem na cobrança por acesso às políticas públicas de necessidades básicas, como saúde e educação, e têm enfrentado muita dificuldade em permanecer no seu território historicamente ocupado, por causa das invasões de especuladores imobiliários, cana de açúcar, turismo, fazendeiros, entre outros. Ignoradas pelos municípios e estado, na total invisibilidade da identidade etnicamente diferenciada, eram alvos fáceis de preconceitos, discriminação e abandono por parte do poder público. Após todas as reivindicações dos indígenas e indigenistas do RN, o movimento indígena conseguiu, dentro do processo de reestruturação da FUNAI, que fosse criada a Coordenação Técnica Local da FUNAI – CTL, em Natal. Nesse momento já havia uma organização do movimento indígena no estado, mesmo assim o acesso às políticas públicas e indigenistas e o diálogo com as gestões municipais e estaduais continuavam muito precários, e havia municípios que não tinha diálogo nem davam nenhuma assistência às comunidades indígenas, que continuavam ainda no abandono. Em 2011 foi criada a CTL/FUNAI-Natal, que apesar de na sua criação contar apenas com dois servidores, a CTL nunca deixou de cumprir seu papel no estado, a não ser em momentos em que a CR e a FUNAI/Sede não davam a menor condição de executar as ações, mesmo assim nunca faltou o diálogo e a proximidade desta CTL com as lideranças e comunidades indígenas do Estado, uma relação de respeito, de luta, de dedicação entre FUNAI e povos indígenas que, sabemos, existe muito pouco no resto do país. A CTL da FUNAI no estado proporcionou mais autonomia na realização dos eventos do movimento indígena no estado, assembleias, conferências seminários, oficinas e etc. Visibilidade: maior diálogo com instituições governamentais e parceiras, como Secretarias de Estado, Secretarias Municipais, Universidades, entre outros. Diálogos com Secretaria de Educação do Estado/SEEC-RN e Secretarias Municipais de Educação sobre Educação Escolar Indígena e regularização das escolas que funcionam nas comunidades indígenas, acesso à Previdência Social, entre outras ações importantíssimas no processo de valorização e garantia de direitos para os povos indígenas do RN.
  3. De que forma o Decreto nº 9.010 do governo federal atinge os Povos Indígenas no Brasil e especificamente no Rio Grande do Norte? Qual está sendo a reação do movimento indígena, tanto no âmbito local quanto também em âmbito nacional? O Decreto nº 9.010, de 23 de março de 2017 do Governo Federal legitima mais um ataque do Governo ANTI-INDÍGENA de Michel Temer, reforçando o claro objetivo deste Governo em desmontar a FUNAI e acabar com a política indigenista no país. Esse decreto, entre outros ataques, extingue 51 Coordenações Técnicas Locais da FUNAI no país, entre elas a CTL de Natal. Em resposta a esses ataques, o movimento indígena do RN encaminhou para o presidente da Funai, no dia 31 de março, o Manifesto dos Povos Indígenas do RN contra o Decreto nº 9.010, ocupamos a sede da CTL, em Natal, do dia 03 ao dia 07 de abril e, para reforçar a luta contra o Decreto 9.010 e pela reabertura da CTL/Natal, realizamos um ato público na manhã do dia 06 de abril fechando o acesso ao aeroporto de São Gonçalo do Amarante, onde fomos retirados depois de 2 horas de ato pela Polícia Militar do RN que, de forma truculenta, nos agrediu com bombas de gás e tiros de borracha. Apesar de todos os ataques, recebemos oficio assinado pelo presidente da Funai, Antônio Costa, assumindo o compromisso de reabrir a Coordenação Técnica Local por meio de Portaria com publicação em Boletim Interno da Funai (que até o momento não foi publicado). Participamos também do Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília – DF, no período de 24 a 28 de abril de 2017.
  4. Quais são as principais reivindicações/demandas dos Povos Indígenas do estado (em âmbito nacional e em âmbito local)? Quais os mecanismos de luta empreendidos para alcançar essas conquistas? As principais demandas são: demarcação das terras, regularização das escolas indígenas, criação de um Distrito Especial de Saúde Indígena – DSEI/SESAI, fortalecimento das práticas de agricultura familiar e agroecológicas nas comunidades indígenas, fortalecimento de ações de preservação das matas, rios e lagoas nas áreas indígenas, abastecimento com carros pipa nas comunidades Amarelão, Serrote de São Bento e Assentamento Santa Terezinha/João Câmara e Caboclos/Assú que estão localizadas no semiárido do RN e sofrem muito com a falta de água potável, atendimento às comunidades com cestas básicas em situações emergenciais e acesso à Previdência Social. Reivindicamos o atendimento das nossas demandas através de documentos enviados aos órgãos competentes, diálogos com os mesmos, denúncias no MPF, AGU e 6ª Câmara/RN quando é o caso, eventos do movimento indígena no estado, protestos, atos, manifestos, assembleias, conferencias, seminários, oficinas e etc. A CTL/Natal tem desempenhado um importante papel em fortalecer essas reivindicações junto com as lideranças indígenas do estado.
  5. Qual análise que o movimento indígena do RN faz do atual momento político que atravessa o Brasil? Quais as perspectivas do movimento indígena? O Governo Federal e o Congresso Nacional, com sucessivos ataques aos direitos dos povos indígenas, vêm enfraquecendo a política institucional de defesa dos direitos dos povos indígenas e intensificando o processo de extinção da FUNAI. Desrespeitando o Artigo 6º da Convenção 169/OIT, que trata do direito à consulta livre, prévia e informada e tratando os povos indígenas do país com uma enorme falta de respeito. A FUNAI apesar das muitas falhas (comum, infelizmente, a todos os órgãos públicos no Brasil), tem um papel importantíssimo na luta pela promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas. Não é de hoje que o Governo brasileiro vem tentando sucatear, descredibilizar e criminalizar a FUNAI para assim enfraquecer os movimentos indígenas e tentar concluir o processo de “aculturação” dos povos indígenas que iniciou com a colonização no século XVI. Enfraquecendo o órgão indigenista para que não consiga desenvolver as ações junto aos povos indígenas, o Governo consegue colocar a população indígena contra o órgão e assim facilita, para os maiores interessados, a extinção da FUNAI. Perspectivas? Não podemos esquecer que a FUNAI é um órgão público e que devemos cobrar direto do Governo que a mesma tenha condições de atender as demandas dos povos indígenas. Poderia começar com o Presidente da FUNAI sendo escolhido pelos representantes indígenas dentro do Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI e não por indicação político partidária. Acredito que o movimento indígena nacional não vai permitir que o órgão indigenista seja extinto como propõe vários projetos de lei apresentados e em tramitação no Congresso Nacional. A LUTA CONTINUA, cada dia mais árdua!

Comitê Regional do PCB – Rio Grande do Norte