GERONIMO É O SÍMBOLO VIVO DA REBELDIA CONTRA A OPRESSÃO DA BURGUESIA ESTADUNIDENSE E DEVE SER PERPETUAMENTE EXECUTADO

Acordamos com as novas revelações sobre as ações estadunidenses que culminaram no assassinato de Bin Laden. As notícias, apesar de estarrecedoras – torturas em Guantanamo, invasões de território estrangeiro, execução sumária do inimigo desarmado e já dominado, violência armada contra mulheres e crianças – , não constituem novidades em se tratando dos EUA, com larga trajetória de mentiras e violência para fundamentar e legitimar suas agressões imperialistas. At last but not list , a nota chocante é o “codinome” atribuido ao maior inimigo dos EUA depois de Hitler….. Geronimo!

Geronimo foi um dos três grandes chefes dos povos originais norte-americanos da região do México e do Novo México (dentre eles, os Jicarillas, os Mescaleiros e os Chiricahuas, e ainda os Kiowa, White Mountain e os Tontos), juntamente com Cochise e Mangas Coloradas (Dasoda-Hae), a quem os estadunidenses e a elite mexicana chamavam genericamente de Apaches. Geronimo foi o mais aguerrido líder dos povos originais da região, que combateu tanto o governo estadunidense como o mexicano em defesa de seus territórios. Preso em 1886, acabou morrendo de pneumonia em 1909, na prisão insalubre do forte Sill, em Oklahoma.

Historicamente, os governos estadunidenses jamais reconheceram a legitimidade da luta dos povos originais pela integridade de seus territórios e de suas culturas. Ao contrário, todo o esforço foi e continua sendo o de estigmatizar e criminalizar a resistência desses povos. Não somente no período em que reprimiram duramente as rebeliões indígenas como contemporaneamente. Há que se recordar que o tratamento dado a esses povos foi o mais cruel eantirepublicano possível. Lembremos, como exemplo, que o chefe Mangas Coloradas foi aprisionado e morto sob tortura, em 1863.

Essa postura em relação aos Povos Originais e a não coincidente atribuição a Bin Laden o codinome de Geronimo nos possibilitam refletir sobre a característica do liberalismo presente na tradição estadunidense. Tanto Marx como Weber viam os Estados Unidos da América como a expressão mais acabada do liberalismo. Marx, na perspectiva do desenvolvimento possível e limitado da emancipação política burguesa; Weber como o tipo ideal perfeito do racional-legal da modernidade, porque ao liberalismo acrescenta-se a ética protestante.

Mas é exatamente esse elemento da ética protestante que marca a diferença, quando analisamos a trajetória política estadunidense. Não que em países de tradição católica o liberalismo apresentou-se com rosto mais hominizado. Como ressaltou Bobbio, na maior parte de sua história o liberalismo não foi democrático, pois o liberalismo em seus inícios legitimou a escravidão e depois o desfrute do trabalhador assalariado. Mas voltando aos EUA, como enfatizou Losurdo, Tocqueville quando analisou a democracia na América, excluiu e segregou os que já eram excluídos e segregados, quer dizer, os negros e os índios, ignorando a construção da democracia dos senhores. Melhor dizendo, a democracia timocrática materializada na alternância de poder de dois partidos, o Republicano e o Democrata, ambos fundados e no poder desde o século XIX.

Os EUA como nenhum outro país vinculou o liberalismo com imperialismo, aprofundando a mistificação da concepção igualitária genérica, “pecado original” da forma societal burguesa, já evidenciada por Marx em seus escritos de juventude. O liberalismo, como face político-ideológica da forma societária burguesa em sua fase imperialista, amplia a desigualdade da democracia formal para o plano internacional. Se originalmente a estrutura societal do liberalismo implica na situação de cidadão de vida pública e de burguês ou proletário na vida privada, com o imperialismo essa condição transforma-se em cidadão do núcleo central do capitalismo e cidadão de segunda classe das periferias. Ambos explorados, ambos fragmentados em classes sociais, mas os da periferia com quase nenhum direito do que deveria ser a igualdade genérica.

Mesmo nos EUA o assim chamado “Estado de direito” não é plenamente aplicado. Apesar da emergência de um segmento da população negra à condição de pequeno-burgueses e mesmo burgueses, integrados na estrutura produtiva capitalista e em sua ordem jurídico-política, em sua maioria esmagadora, negros, índios e latinoamericanos continuam à margem da plenitude da democracia dos senhores, em que pese a presença de um negro na presidência da república, que age politicamente em consonância com os clássicos interesses da timocracia branca estadunidense.

O emblemático, no caso da ação contra Bin laden, é ter sido atribuído ao inimigo mortal dos EUA o nome de Geronimo, eterno ícone da rebeldia e do inconformismo, inimigo de morte da plutocracia burguesa estadunidense. Esse fato expressa como o núcleo burguês ainda vê e trata os trabalhadores, em particular, os não WASP (brancos, anglo-saxões e protestantes). Nunca perdoaram os negros rebeldes, condenados tanto pela estrutura jurídica estadunidense como pela Ku Kux Klan. Não perdoaram os 8 mártires de Chicago assassinados em 1886, não perdoaram e executaram os líderes operários Sacco e Vanzzetti, montando a farsa de um crime que nunca existiu. Executaram em processo forjado o casal Rosemberg, assassinaram Malcolm X e tantos outros.

Geronimo é um símbolo vivo que encarna a rebelião contra a opressão e por isso mesmo deve ser perpetuamente executado. Na lógica perversa da burguesia estadunidense prevalece a lei bíblica do olho por olho, onde a ética protestante fundamentalista mistura-se com a visão mítica de “povo” eleito para defender a “liberdade” e o “direito” de ser burguês e de oprimir os povos.

Fonte: Antonio Carlos Mazzeo