Bolívia: Conferência Mundial dos Povos

imagemRepresentantes de governos, organizações e movimentos sociais presentes.

Permitam-me, antes de tudo, agradecer o convite feito pelo Governo e os Movimentos Sociais do Estado Plurinacional da Bolívia para esta Conferência Mundial, a qual, sem dúvida, constitui um importante espaço para o debate e intercâmbio sobre um tema de tanta relevância como o é a migração internacional.

Devido à magnitude e o dinamismo que obteve nos últimos tempos como consequência da globalização, a migração internacional se converteu em um dos grandes fenômenos mundiais de nossos dias e nenhum país e região pode manter-se alheio a seu impacto e consequências.

No entanto, a comunidade internacional, até agora, foi incapaz de capitalizar as oportunidades que apresenta a migração e fazer frente aos desafios que a mesma implica.

Como denunciamos em outros fóruns, as guerras, a mudança climática, a desigual e injusta ordem econômica e financeira internacional imposta pelos países desenvolvidos aprofunda a pobreza e a exclusão social, ampliam cada vez mais a lacuna entre ricos e pobres, acentuando o subdesenvolvimento e a marginalização social de milhões de seres humanos em todas as regiões do planeta. Estas dinâmicas destrutivas constituem causas estruturais da migração e, em consequência, geram fluxos migratórios do Sul para países industrializados em busca de segurança e de melhores condições de vida e de trabalho.

Em tal sentido, é indispensável mudar a atual situação de pobreza, desigualdade e inequidade que impera no mundo em que vivemos, se realmente desejamos encontrar uma solução duradoura ao fenômeno da migração internacional. A plena realização do direito ao desenvolvimento dos países pobres constitui o verdadeiro caminho para equilibrar os fluxos migratórios no mundo do futuro.

As ondas migratórias se perpetuarão se os 836 milhões de pessoas que hoje vivem na pobreza extrema ou os 795 milhões que sofrem com a fome, essencialmente no Terceiro Mundo, continuarem condenados a essa situação.

Outros fatores que gravitam cada vez com mais força nas migrações são as catástrofes naturais e a mudança climática, cujas consequências são potencializadas pelas condições de pobreza já mencionadas, pela manipulação irresponsável das ajudas de emergência e pelo egoísmo dos ricos em socorrer os necessitados quando é mais necessário.

A mudança climática ameaça destruir a humanidade. Por essa razão, o Acordo de Paris e os compromissos que dele emanam devem ser defendidos, exigindo maiores ambições nas contribuições dos países desenvolvidos e o cumprimento de suas obrigações para a diminuição das emissões de gases de efeito estufa, assim como para tornar efetivo seu apoio financeiro e tecnológico aos países em vias de desenvolvimento.

Muitos países podem desaparecer como consequência desses fenômenos e suas populações são migrantes em potência, cuja condição pode ser evitada se todos atuarmos com responsabilidade frente à Mãe Terra.

Por isso, constitui um imperativo abordar com urgência e profundidade o fenômeno atual da migração em toda sua magnitude e complexidade, assim como as vias e métodos para sua imprescindível inserção nas políticas de desenvolvimento.

No entanto, nos círculos da direita neoliberal, não existe vontade política nem o interesse económico nem humano, para mudar esta situação. O Norte opulento e perdulário utiliza e discrimina os imigrantes. O Sul é o provedor da matéria prima do Norte, o armazém de onde tiram recursos de todo tipo, desde o mineral até o talento.

As atuais políticas migratórias internacionais estão repletas de contradições, limitações e, sobretudo, de desafios. Em muitas partes do mundo, fundamentalmente nos países do Norte industrializado, persiste um sentimento de repúdio aos migrantes, apesar de setores inteiros da economia desses países dependerem da força de trabalho migrante. Os problemas de discriminação, xenofobia e racismo estão, todavia, longe de serem resolvidos e a luta contra eles é um desafio.

Criminalizar a migração, construir enormes muros nas fronteiras, campos de detenção ou barreiras administrativas e inclusive militares, não são a solução para gestão e controle dos grandes fluxos migratórios. Só atacando as causas estruturais da migração se poderá encontrar uma solução duradoura para o problema. Para isso, se requer uma vontade da qual carecem os países desenvolvidos.

Enfrentar a multiplicação dos migrantes incluindo os solicitantes de asilo e refúgio, demanda responsabilidade genuína com a paz e segurança internacional, e o abandono de seus interesses hegemônicos por parte dos principais países industrializados.

Não podemos nos conformar com os enfoques dirigidos a manipular e administrar os fluxos migratórios para satisfazer as necessidades dos mais poderosos. O movimento de pessoas continua respondendo a um esquema e a uma ordem migratória injusta, que beneficia a drenagem de força de trabalho qualificada para os países desenvolvidos. Reafirmamos nossa condenação ao roubo de cérebros e de talentos, ao mesmo tempo em que reiteramos firmemente o direito de nossos povos de se protegerem ante estes fenômenos.

Estados que ratificaram os principais instrumentos jurídicos internacionais em matéria de migração demonstram a cada dia a falta de vontade política para aplicar suas disposições, optam por estabelecer processos unilaterais de certificação e avaliação de condutas de país, o que só gera desconfiança e confrontação. Como consequência, os migrantes continuam sendo vítimas de abusos de toda classe.

Os migrantes sofrem uma situação de vulnerabilidade; em especial, as mulheres e crianças, caracterizada, entre outros fatores, pela discriminação, a marginalização, as dificuldades econômicas, além de ser objeto do tráfico de pessoas e tráfico ilegal de migrantes. Em tal sentido, consideramos fundamental o respeito aos direitos humanos dos trabalhadores migrantes e suas famílias, e o cumprimento das obrigações emanadas de todos os instrumentos internacionais e as obrigações relacionadas com a proteção internacional.

O tráfico ilegal de migrantes, grave delito transnacional que viu potencializado nas últimas décadas, deve ser abordado de forma integral e equilibrada. Devem ser garantidos os direitos dos migrantes, ao mesmo tempo em que se preserve o direito dos países em aplicar soberanamente suas políticas migratórias. Requer-se a cooperação internacional no combate a crimes associados ao tráfico de pessoas e ao tráfico internacional de migrantes. Em tal sentido, se devem dar passos concretos no estabelecimento de acordos internacionais, regionais e bilaterais.

É impossível obter resultados concretos se a cooperação não se materializa mediante o diálogo e a colaboração genuína, na qual se reconheça a responsabilidade compartilhada de todos os Estados na atenção a um problema de natureza global, se respeite a soberania e igualdade jurídica de todos os estados e se reconheça que se trata de um fenômeno que implica o respeito à integridade, à dignidade e ao bem-estar de seres humanos e seus familiares e que, portanto, a proteção e o pleno respeito de seus direitos, constitui um fator essencial e determinante.

Hoje, mais que nunca, os povos devem cerrar fileiras para defender o direito da humanidade de existir frente à irracionalidade do modelo de produção e consumo capitalista.

Irmãos e irmãs:

A estas situações e tendências se soma, no caso de Cuba, a manipulação política do fenômeno migratório. Durante mais de 50 anos, os Estados Unidos manipulam aberta e agressivamente suas relações migratórias como arma para destruir a Revolução Cubana. Se apoiaram no genocida bloqueio econômico, financeiro e comercial que causou perdas a nossa economia de mais de um bilhão de dólares estadunidenses, e em regulações e políticas de estímulo à migração irregular, cuja expressão mais acabada é a Lei de Ajuste Cubano.

O Acordo Migratório entre Cuba e os Estados Unidos de 12 de janeiro deste ano, foi um passo importante no avanço das relações migratórias entre ambos países, ao eliminar a “política dos pés secos-pés molhados” e o programa “Parole” para profissionais médicos cubanos, porém manteve em vigor a Lei de Ajuste Cubano. Mediante esta, as autoridades estadunidenses se apropriam do direito de outorgar a todo cubano que viva em seu território, o privilégio de poder regularizar sua condição migratória e obter o status migratório de “residente”, depois de um ano de permanência nesse território. Por isso, é necessário que o Congresso estadunidense revogue dita lei, única em seu tipo no mundo.

Quanto às posições do governo desse país, existem outros fenômenos em nossa região que afetam os povos de Nossa América, e dos quais é impossível não falar:

“A nova agenda do governo dos Estados Unidos, tal como dissera o presidente Raúl Castro Ruz, na XIV Reunião Extraordinária da ALBA-TCP, em Caracas, Venezuela, em 5 de março de 2017, ameaça com desatar um protecionismo comercial extremo e egoísta, que impactará a competitividade de nosso comércio exterior; violará acordos ambientais para favorecer as receitas das transnacionais; perseguirá e deportará migrantes gerados pelas desigual distribuição da riqueza e pelo crescimento da pobreza que provoca a ordem internacional imposta”.

“O muro que se pretende levantar na fronteira norte do México, é uma expressão dessa irracionalidade, não só contra este país irmão, mas contra toda nossa região. Expressamos a solidariedade de Cuba com o povo e governo mexicanos. A pobreza, as catástrofes, os migrantes não podem ser contidos com muros, mas com cooperação, entendimento e paz”.

Não menos preocupante é a onda de violência interna e de ingerência externa, a qual foi submetida a Venezuela, como parte do plano imperialista e oligárquico de derrubada de sua Revolução Bolivariana, e que devemos denunciar e deter.

Submetidos ao bombardeio dos meios de desinformação, muitos querem ajudar oferecendo alternativas que só competem aos venezuelanos. Caso se queira ajudar os venezuelanos, que se respeite a soberania da Venezuela e se reforce um diálogo construtivo e respeitoso, como única via para orientar as diferenças.

Por isso, a sociedade civil cubana ratifica seu apoio ao povo e governo da Venezuela na defesa de sua soberania e sua autodeterminação ante as ações contra a Revolução Bolivariana e repudia energicamente as manobras da descreditada OEA e do triste e vergonhoso papel de seu Secretário Geral.

Da mesma maneira, nós cubanos expressamos nossa solidariedade com o povo irmão brasileiro, cuja vontade democrática foi usurpada, e que está sendo empurrado à miséria da qual milhões de pessoas tinham saído durante os governos de Lula e de Dilma, o que pode gerar importantes deslocamentos humanos nesse país.

Para alcançar os objetivos de nossas lutas, é necessário crer no ideal de uma integração da Pátria Grande, Nossa América; e depois acordar, alcançar a unidade dentro da diversidade, entre nós, representantes dos povos, e depois entre nossos estados, em estrito apego à Proclamação da América Latina e do Caribe como zona de paz, firmada pelos Chefes de Estado e Governo em Havana, em janeiro de 2014.

Muito obrigado.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2017/06/21/bolivia-conferencia-mundial-de-los-pueblos-intervencion-del-jefe-de-la-delegacion-cubana-fermin-quinones-sanchez-presidente-de-la-asoc-cubana-de-naciones-unidas/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Categoria